Uso do Direito Penal para Restringir a Liberdade de Ensinar

Por José Geraldo de Sousa Junior, no Brasil Popular

Ganha intensidade hoje o uso do Direito Penal e do Sistema Judicial e Extra-Judicial de Repressão como ação política contra adversários e para restrição da liberdade. Nas disputas por poder e das mentalidades. Neste caso, na forma de luta ideológica.

Por isso, volto a tema que já foi objeto de opinião em artigo no Brasil Popular – https://bit.ly/3HBrqGz – instigado por registros recentes, amplamente divulgados. Primeiro, a demonstração cabal de tentativa de revisionismo histórico, de censura e de apropriação narrativa, com o empenho governamental de capturar o ENEM e o ENADE, para afeiçoar esses importantes instrumentos de avaliação do ensino “à cara do governo e aos seus conceitos”. Em seguida, conforme notícia procedente da Bahia – https://bit.ly/3DE4FiW – de que ação de vereador que pedia a anulação da matéria optativa “Golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil” ofertada para estudantes da Universidade Federal da Bahia (UFBA), foi negada pela Justiça. Na decisão, em boa interpretação, o juiz afirmou não vislumbrar “qualquer mácula à Constituição, pois a escolha da nomenclatura e conteúdo da disciplina pela Ufba é inerente a sua autonomia didática, científica e administrativa constitucionalmente (e legalmente) prevista no artigo 207 da CF/88”.

Por fim, gravíssimo, também na Bahia, Uma professora de filosofia da escola estadual Thales de Azevedo, em Salvador, recebeu uma intimação policial após uma aluna prestar queixa na delegacia de que o conteúdo abordado nas aulas seria ‘esquerdista’ (https://bit.ly/3nxskf6).  Segundo a notícia, o departamento jurídico da APLB (associação Docente) foi acionado atendendo o apelo de um grupo de professores do referido colégio que esteve na sede do Sindicato e relatou observar atitudes inamistosas e de perseguição de uma determinada estudante contra uma das professoras de Filosofia por conta da mesma apresentar temática nas aulas referentes a questões de gênero, racismo, assédio, machismo, diversidade, entre outras. O fato, cuja repercussão está mobilizando amplos setores da sociedade que atuam em defesa da Democracia e da Constituição, é agravado porque, após receber a intimação, a professora encontra-se extremamente abalada emocionalmente, necessitando inclusive de ser hospitalizada para atendimento médico de urgência (https://bit.ly/3FwUNYO).

Volto ao assunto para advertir, tal como noticiei no Brasil Popular, que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, por meio de especialistas convocados pela Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão e a Relatoria Especial sobre os Direitos Econômicos Sociais, Culturais e Ambientais, já preparou um consistente e detalhado documento de Princípios Interamericanos sobre Liberdade Acadêmica e Autonomia Universitária, em consulta para posterior deliberação, com a nítida preocupação provocada pelas denúncias existentes em vários países do hemisfério sobre repressão a coletivos estudantis e sindicatos universitários, e também ao bulling e ao assédio, ataques, reduções orçamentárias a instituições acadêmicas e retaliações de diferentes ordens contra membros da comunidade acadêmica por razões arbitrárias ou discriminatórias, incluindo o uso do direito penal para constranger as pessoas no exercício de sua liberdade acadêmica, algo incompatível com as proteções que oferece o sistema interamericano a esse direito.

No mesmo diapasão de reiteradas decisões judiciais e do Supremo Tribunal Federal, não se pode admitir sequer, a simples enunciação da possibilidade de interferência no âmbito da liberdade de ensinar – que é uma categoria constitutiva dos direitos fundamentais, a liberdade de consciência de expressão, de comunicação, sem falar daquelas ligadas ao sistema de proteção à educação, que estão tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos quanto na Convenção Interamericana de Direitos, quanto nos protocolos derivados dela, como de São Salvador.

Esse é o perigo iminente quando o obscurantismo sombrio da exceção na esfera de governo, liberando o fascismo social, açula o guarda do esquina, o que justificou a recusa do vice-presidente Pedro Aleixo de assinar o AI-5, em 1968, ao contrário de seu colega de ministério, coadjutor orgânico da ditadura mandando “Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência.” para a sua irrestrita adesão.

Os Princípios em vias de adoção pela CIDH, por isso, entre os seus fundamentados enunciados, em definir o âmbito de proteção da liberdade acadêmica, inclui em suas prescrições, aqueles relativos ao princípios de não discriminação, de proteção frente às interferências do Estado, de proteção frente a atos de violência, de inviolabilidade do espaço acadêmico,  de restrições e limitações à liberdade acadêmica, de proibição de censura e excepcionalidade do exercício punitivo estatal,  mas também, de proteção e prevenção frente a ações ou omissões de particulares.

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)


José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).

  • por José Geraldo de Sousa Junior em 19 de novembro de 2021

Ganha intensidade hoje o uso do Direito Penal e do Sistema Judicial e Extra-Judicial de Repressão como ação política contra adversários e para restrição da liberdade. Nas disputas por poder e das mentalidades. Neste caso, na forma de luta ideológica.

Por isso, volto a tema que já foi objeto de opinião em artigo no Brasil Popular – https://bit.ly/3HBrqGz – instigado por registros recentes, amplamente divulgados. Primeiro, a demonstração cabal de tentativa de revisionismo histórico, de censura e de apropriação narrativa, com o empenho governamental de capturar o ENEM e o ENADE, para afeiçoar esses importantes instrumentos de avaliação do ensino “à cara do governo e aos seus conceitos”. Em seguida, conforme notícia procedente da Bahia – https://bit.ly/3DE4FiW – de que ação de vereador que pedia a anulação da matéria optativa “Golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil” ofertada para estudantes da Universidade Federal da Bahia (UFBA), foi negada pela Justiça. Na decisão, em boa interpretação, o juiz afirmou não vislumbrar “qualquer mácula à Constituição, pois a escolha da nomenclatura e conteúdo da disciplina pela Ufba é inerente a sua autonomia didática, científica e administrativa constitucionalmente (e legalmente) prevista no artigo 207 da CF/88”.

Por fim, gravíssimo, também na Bahia, Uma professora de filosofia da escola estadual Thales de Azevedo, em Salvador, recebeu uma intimação policial após uma aluna prestar queixa na delegacia de que o conteúdo abordado nas aulas seria ‘esquerdista’ (https://bit.ly/3nxskf6).  Segundo a notícia, o departamento jurídico da APLB (associação Docente) foi acionado atendendo o apelo de um grupo de professores do referido colégio que esteve na sede do Sindicato e relatou observar atitudes inamistosas e de perseguição de uma determinada estudante contra uma das professoras de Filosofia por conta da mesma apresentar temática nas aulas referentes a questões de gênero, racismo, assédio, machismo, diversidade, entre outras. O fato, cuja repercussão está mobilizando amplos setores da sociedade que atuam em defesa da Democracia e da Constituição, é agravado porque, após receber a intimação, a professora encontra-se extremamente abalada emocionalmente, necessitando inclusive de ser hospitalizada para atendimento médico de urgência (https://bit.ly/3FwUNYO).

Volto ao assunto para advertir, tal como noticiei no Brasil Popular, que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, por meio de especialistas convocados pela Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão e a Relatoria Especial sobre os Direitos Econômicos Sociais, Culturais e Ambientais, já preparou um consistente e detalhado documento de Princípios Interamericanos sobre Liberdade Acadêmica e Autonomia Universitária, em consulta para posterior deliberação, com a nítida preocupação provocada pelas denúncias existentes em vários países do hemisfério sobre repressão a coletivos estudantis e sindicatos universitários, e também ao bulling e ao assédio, ataques, reduções orçamentárias a instituições acadêmicas e retaliações de diferentes ordens contra membros da comunidade acadêmica por razões arbitrárias ou discriminatórias, incluindo o uso do direito penal para constranger as pessoas no exercício de sua liberdade acadêmica, algo incompatível com as proteções que oferece o sistema interamericano a esse direito.

No mesmo diapasão de reiteradas decisões judiciais e do Supremo Tribunal Federal, não se pode admitir sequer, a simples enunciação da possibilidade de interferência no âmbito da liberdade de ensinar – que é uma categoria constitutiva dos direitos fundamentais, a liberdade de consciência de expressão, de comunicação, sem falar daquelas ligadas ao sistema de proteção à educação, que estão tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos quanto na Convenção Interamericana de Direitos, quanto nos protocolos derivados dela, como de São Salvador.

Esse é o perigo iminente quando o obscurantismo sombrio da exceção na esfera de governo, liberando o fascismo social, açula o guarda do esquina, o que justificou a recusa do vice-presidente Pedro Aleixo de assinar o AI-5, em 1968, ao contrário de seu colega de ministério, coadjutor orgânico da ditadura mandando “Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência.” para a sua irrestrita adesão.

Os Princípios em vias de adoção pela CIDH, por isso, entre os seus fundamentados enunciados, em definir o âmbito de proteção da liberdade acadêmica, inclui em suas prescrições, aqueles relativos ao princípios de não discriminação, de proteção frente às interferências do Estado, de proteção frente a atos de violência, de inviolabilidade do espaço acadêmico,  de restrições e limitações à liberdade acadêmica, de proibição de censura e excepcionalidade do exercício punitivo estatal,  mas também, de proteção e prevenção frente a ações ou omissões de particulares.

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)


José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).


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