Dionísio Carlos, um cigano percorrendo as nuvens de rios e montanhas

Arquiteto, músico e escultor é outro personagem da série de documentários do projeto Academia Digital, em Barra do Garças

Da Assessoria

Quando, há perto de 40 anos, chegou a Barra do Garças o arquiteto, músico e escultor Dionísio Carlos de Oliveira, deixava a sua Rio de Janeiro em busca de paz e espiritualidade. Era início dos anos 80 e ele aterrissou na cidade-polo da região Leste de Mato Grosso, na divisa com Goiás, após viver os movimentados anos 60 e 70 na Cidade Maravilhosa.

Dionísio Carlos é um dos personagens dos 12 documentários que comporão o acervo da Academia de Letras, Cultura e Artes do Centro-Oeste. A produção dos documentários, que fazem parte do projeto Academia Digital, teve início esta semana, na cidade de Barra do Garças, sede da instituição.

Dionísio viveu anos de poesia, música e delírio naquele período que culminava com o golpe militar de 1964, transcorria o emblemático 1968, que marcou os protestos contra a ditadura e, por isso mesmo, veio o famigerado AI-5; desembocando nos anos de chumbo dos facínoras Médici e Geisel e sua falsa distensão – até há pouco não sabíamos que seu “esporte preferido” era autorizar pessoalmente a eliminação física dos opositores do regime.

E foi na transição desses dois generais-ditadores, ali pelos idos da metade da década de 70, que surge um movimento “que alterou toda a cultura de seu tempo e deixou rastros visíveis até hoje”, como escreve Sérgio Cohn, autor um dos livros que registram aqueles tempos. O coletivo chamou-se “Nuvem Cigana”. E Dionísio foi um de seus proeminentes, ao lado de artistas como Ronaldo Bastos, poeta e letrista que depois integraria o Clube de Esquina; Cafi, fotógrafo pernambucano autor de várias capas de discos artistas da MPB, inclusive a famosa do LP Clube de Esquina e os bastidores da gravação do Clube de Esquina 2; e o grande poeta Chacal, um dos criadores da poesia marginal; entre muitos outros.

Em “Nuvem Cigana – Poesia & Delírio no Rio dos Anos 70”, de Cohn, esses artistas revolucionários aparecem em diversos “dropes” de depoimentos sobre o movimento, Dionísio recorda: “Só não participamos da Passeata dos 100 mil porque levamos umas porradas violentas no dia anterior”.

Ele se referia a outra das inúmeras passeatas e reuniões do movimento estudantil, do qual fazia parte. “A polícia fechou todas as saídas da universidade (a UFRJ, onde ele cursou Arquitetura) e ficamos bloqueados lá dentro”, contou. O bloqueio durou das 10 às 17 horas, quando o reitor conseguiu liberar. Mas na saída “daquele bolo de gente”, o trânsito estava parado e polícia de choque aguardando a estudantada. “Quando chegamos na sede do Botafogo, a polícia estava lá esperando. Foi um massacre”, acrescentou.

Dionísio, em primeiro plano, com membros do Nuvem Cigana. Ronaldo Bastos de camisa listrada

Foi neste ambiente de muita repressão e resistência que Dionísio e seus amigos acresceram a luta política com suas artes. “Nuvem Cigana não foi apenas um movimento poético e artístico. Ela é também um dos mais ricos exemplos da contracultura brasileira da década de 1970. A tentativa de se confrontar com o regime vigente, de se construir uma vida comum, de atuar politicamente em formas novas, de criar uma existência permeável a diferentes experiências, foi levada com alegria e delírio em grau máximo pelo grupo”, observa Sergio Cohn.

Com o governo do general João Figueiredo e o início da abertura política, alguns componentes do grupo começam a promover suas reflexões existenciais. Dionísio é um deles. Aquele atribulado Rio de Janeiro não lhes permitiam – a ele e sua esposa Mônica Lobo [ver aqui link da matéria com ela] uma internalização espiritual desejada. Até que tomam conhecimento dos mistérios e encantos da Serra do Roncador.

Largaram tudo e foram para Barra do Garças. Dionísio logo se integrou às atividades culturais e urbanísticas da cidade e como arquiteto desenvolveu alguns dos mais importantes projetos na cidade. Entre eles a Arena do Porto do Baé; o Monumento dos Cinco Caminhos, que dá boas vindas para quem pelas pontes dos rios Araguaia e Garças; e o novo “Discoporto” – ou Aeroporto para ETs – que ainda está para ser construído.

Lugar místico, com virtuais portais para outras dimensões, a Serra do Roncador, foi um dos grandes atrativos para Dionísio Carlos. Uma das extensões do Roncador é justamente a Serra Azul, onde fica o Parque Estadual que leva seu nome. Para ali que Dionísio projetou o novo “Discoporto”. “Dizem que é aqui onde existem essas entradas para os mundos interiores”, explica Dionísio.

Percursionista dos bons, e apaixonado pelo samba e o Carnaval, Dionísio Carlos viveu em Santa Teresa, morro na Zona Central dório de Janeiro, onde existe um dos mais tradicionais e movimentados carnavais da Cidade Maravilhosa. Quando chegou a Barra do Garças, se integrou aos músicos locais e ajudou a movimentar as folias na cidade.

O projeto

O projeto Academia Digital objetiva revitalizar as atividades e acervo da Academia de Letras, Cultura e Artes do Centro-Oeste. Selecionado pelo Edital MT Criativo da Lei Aldir Blanc em Mato Grosso, o projeto tem oficinas digitais de artes plásticas, escultura, percussão, bordado manual, cultura indígena, artesanato e macramè, literatura e teatro, cartoon e caricatura, produção cultural, vídeo, política cultural e elaboração de projetos, e organização cultural no terceiro setor.

A Academia

A Academia de Letras, Cultura e Artes do Centro-Oeste foi fundada em 15 de setembro de 1987, em Barra do Garças. Ela é fruto da união de artistas, intelectuais e incentivadores da arte e da cultura que vislumbraram na instituição a oportunidade para proteger, estimular e difundir o patrimônio cultural de Barra do Garças e de toda a região do Vale do Araguaia, inclusive a parte goiana.

Pessoas com relevantes serviços prestados na área, luminares como Valdon Varjão, Melchíades Mota, Florisvaldo Flores Lopes, Zélia dos Santos Diniz, e muitos outros, se dedicaram diuturnamente, de maneira voluntária e espontânea, a instalar e estruturar a nascente instituição que foi muito bem recebida e acolhida pela comunidade e pela classe política.

Ao longo desses mais de 30 anos de instalação e desenvolvimento a Academia se tornou um importante centro cultural, referência na região e construiu uma sede, na região central de Barra do Garças. Atualmente ela é presidida pelo cantor, compositor e escritor Divino Arbués.

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