Pantanal Mato-grossense agora sofre com a destruição de suas baías

Grandes territórios alagados que no passado chegaram a ter áreas maiores que a Baía de Guanabara estão desaparecendo devido as agressões ambientais

 

Por João Negrão, de Cuiabá

 

O Pantanal Mato-grossense agora sofre com outra agressão ambiental que está acabando com suas famosas e deslumbrantes baias. Em meados do segundo semestre do ano passado a região pantaneira foi castigada por uma série de incêndios, os quais destruíram mais de um terço de seu território.

A área mais atingida é a da baía de Chacororé, que se forma no rio do mesmo nome pouco antes de sua foz no rio Cuiabá. Ela fica no distrito de Mimoso, município de Barão de Melgado, a 113 quilômetros de Cuiabá. Com seus mais de 1.000 Km² (64 Km de comprimento por 16 de largura), é maior que a baía de Guanabara,  no Rio de Janeiro.

Próxima à Chacororé fica a baía de  Siá Mariana, bem menor, e igualmente ameaçada. Ao longo das últimas décadas, as duas baias vêm sofrendo com ocupações desordenadas, projetos turísticos, pesca predatória, assoreamento, e ação de fazendeiros, especialmente do agronegócio com seus desmatamentos para projetos agropecuários.

Um desses projetos foi da agropecuária da empreiteira Camargo Correia, de fez barragens ao logo de todos os rios e corixos que adentrava a propriedade de milhares de hectares, o que acabou matando muitos animas, afetando a flora e atingido, inclusive de forma fatal, muitos pantaneiros tradicionais.

Barragem criminosa

Por causa dos impactos em seu entorno e sobre o rio e corixos que a formam, a baía de Chacororé apresenta, nos períodos de seca, um cenário devastador, com as áreas sem água totalmente secas e rachadas. É uma vastidão inóspita que afeta diretamente os animais e o homem pantaneiro.

A mais recente destruição da Chacaroré foi causada pela construção de uma barragem acima dela, atingindo o rio e os corixos próximos. A obra foi feita para facilitar a passagem dos barcos em uma região próxima à baía, mas acabou se tornando um ralo gigante, que sugou boa parte da água de Chacororé.

“Foi a consumação de um dos maiores desastres ambientais recente, ocorrido no Município de Barão de Melgaço. Mataram a baía de Chacororé e com ela, toda a biodiversidade por ela incorporada”, denunciou Rubem Mauro Palma de Moura, professor aposentado do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Engenheiro civil formado pela Universidade de Brasília (UnB), especialista em Hidráulica e Saneamento pela USP São Carlos e mestre em Ambiente e Desenvolvimento Regional pela UFMT, o professor Rubem Mauro fez um amplo relato da situação atual da Chacaroré e relembrou que há dez anos ocorreu o mesmo desastre.

“A revolta vem da insensibilidade e descaso das autoridades e dos órgãos por eles comandados. Cito sem medo de estar cometendo crime de injúria, o Governo do Estado de Mato Grosso, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA), a Secretaria de Estado de Infraestrutura (SINFRA), a Prefeitura de Barão de Melgaço, os Ministérios Públicos  Estadual e Federal, o IBAMA e a UFMT, além das ONGs que vivem por aí a denunciar as agressões ambientais. Todos se calaram e, portanto, consentiram e desta maneira são culpados”, pontuou o professor.

A exceção ele faz à “corajosa e valente” promotora Julieta Nascimento e Silva, precocemente falecida vítima da covid-19, “a quem presto as minhas homenagens e meu pesar aos seus familiares” O professor conta que, há dez anos, ao ser informada por ele do desastre que estava prestes a ocorrer na baía de Chacororé, a promotora foi com ele visitar a região, onde constatou o desastre e “de pleno tomou providências”.

Naquela época, relata o professor, “o rio Chacororé, um braço do rio Cuiabá, que o liga à baía de mesmo nome, estava com a sua boca fechada e em algumas dezenas de seu trecho até desaguar na baía, barrado por aterros, a fim de possibilitar acesso terrestre às comunidades ribeirinhas. Por ignorância ou má fé, fizeram isso ao invés de construírem pontes”.

Por ação da promotora Julieta Nascimento, conta o professor Rubem, foi feito um termo de ajustamento de conduta (TAC) que desobstruiu  três corixos e “a boca do rio Chacaroré”, com  sua desobstrução em todo o seu leito.

“Hoje, decorridos mais de dez anos, todos os corixos à jusante da cidade de Barão de Melgaço, até a boca do Corixo Manizaque, estão barrados, todas as pontes destruídas e em seu lugar aterro impedindo a passagem das primeiras águas. Além de terem construído diques marginais em praticamente toda a margem esquerda do rio Cuiabá, impedindo assim, que ao receber uma vazão maior, que acontece no período chuvoso, pudesse inundar a planície pantaneira e, por conseguinte, levar vida à baía de Chacororé”, descreve o professor Rubem Mauro.

E prossegue: “A já fragilizada fauna ictiológica pela ação da pesca predatória praticada principalmente pelos profissionais e alguns amadores, o aumento indiscriminado de tablados usados para a pesca em sevas, lançando toneladas de soja e milho no rio, mudando o hábito alimentar dos peixes e, por conseguinte, tornando-os presas fáceis, impedindo a sua caminhada rio acima, queimando gordura e desenvolvendo o seu aparelho reprodutivo, produzindo ovas e espermas”.

“O arrombamento do enrocamento de pedras na saída da baía de Chacororé, Corixo do Mato, crime praticado pelos pescadores profissionais, afim de que com menor nível e área inundada pudessem  lançar mão de redes com até 1000 metros de extensão, capturando assim milhares de exemplares, principalmente, pintado e a cachara, sofreu o golpe de misericórdia”, agregou.

A obra, construída pela Prefeitura de Barão de Melgaço, com recurso do Governo do Estado, acrescenta o professor, “acabou de vez com a vida nesse que foi o maior criatório da fauna ictiológica próximo à cidade de Barão. Essa estrada dique foi o golpe de misericórdia”.

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Judiciário determina diligências

Conforme noticiou agora há pouco o site Olhar Jurídico, de Cuiabá, “em reunião virtual para discutir projetos na área ambiental, a presidente do Tribunal de Justiça, desembargadora Maria Helena Póvoas, e o juiz do Juizado Volante Ambiental de Cuiabá, Rodrigo Curvo, decidiram enviar uma equipe do Juizado e do núcleo da Polícia Militar Ambiental para averiguar a real situação da Baía de Chacororé, no município de Barão de Melgaço (113 km de Cuiabá). O Juizado Volante Ambiental (Juvam) também realizará um levantamento de eventuais ações judiciais em andamento, que envolvam a baía”.

“O Poder Judiciário age quando provocado. Contudo, diante da gravidade das denúncias, o Juvam agirá nos termos do seu Regimento Interno, determinando as diligências necessárias para averiguar essa situação”, disse a desembargadora Maria Helena Póvoas, conforme matéria assinada pelo jornalista Arthur Santos da Silva.

Ele reporta que segundo a assessoria de imprensa do Governo de Mato Grosso, “está em andamento uma série de adequações para manter a planície alagada. A intervenção é feita com base nos estudos técnicos realizados pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) em 2020, e é acompanhada pelo órgão ambiental”.

“A secretária de Estado de Meio Ambiente, Mauren Lazzaretti”, prossegue o repórter, “conta que entre as ações principais na região estão a desobstrução de canais que levam água para a baía e a reconstrução de barragens que mantêm a planície alagada”.

“O que causa impacto de fato é a obstrução dos corixos que levam água, e dos barramentos que acabam sendo destruídos ou pela ação humana, ou pelo tempo. Estes barramentos devem ser sempre refeitos porque são de pedra, areia, e não podemos fazer uma barragem de concreto para preservarmos a localidade”, explica a secretária.

Confira no vídeo abaixo um pouco da Baía de Chacaroré:

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