Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito
ANISTIA A ATOS ANTIDEMOCRÁTICOS NO BRASIL: limites jurídicos e proteção do Estado de Direito / organizada por Marcelo Labanca Corrêa de Araújo, Gustavo Ferreira Santos, João Paulo Allain Teixeira e Glauco Salomão Leite. – 1. ed. – Recife: Editora Publius, 2025. 346 p. ; PDF – https://drive.google.com/file/d/1KfdRODxpn3Kej6tfpW6KWWrkF9jNb3jj/view
Conforme dizem os organizadores, o presente livro surge em um momento delicado da democracia brasileira em que o Congresso Nacional discute um projeto de lei de anistia àqueles que praticaram atos antidemocráticos que culminaram na invasão aos Poderes no dia 8 de janeiro de 2023. Em resposta, este livro reúne reflexões críticas sobre os limites constitucionais da anistia em regimes democráticos pois o Brasil não aguenta mais golpes e tentativas de golpes em sua história constitucional.
Mais do que um repositório técnico-jurídico, este livro é uma convocação à memória e à responsabilidade democrática. As anistias, quando concedidas fora de contextos legítimos de transição política ou reconciliação nacional, tornam-se instrumentos de apagamento histórico, de estímulo à impunidade. Uma verdadeira espada de Dâmocles que pode cair sobre a democracia. É precisamente essa a preocupação que perpassa por todos os textos aqui reunidos. Anistiar quem, em uma democracia, buscou implementar uma ditadura é, na prática, normalizar o autoritarismo.
Os autores e autoras, juristas, pesquisadores e pesquisadoras de distintas regiões e formações, analisam nos diversos capítulos desta obra o instituto da anistia sob diversas perspectivas, constitucionais, históricas, penais, de proteção internacional e comparadas.
Neste livro, o leitor irá encontrar textos que revisitam o caso brasileiro da Lei de Anistia de 1979 como ponto histórico para o exame do projeto de lei de anistia que está atualmente em tramitação no Congresso Nacional. Há textos que dialogam com experiências internacionais, como a da Espanha, que recentemente debateu o tema ligado ao processo catalão. Há também textos que analisam a anistia sob a perspectiva de proteção de direitos humanos e, também, analisando de que maneira o direito ao protesto pode ser exercido nos limites democráticos.
O objetivo do livro, portanto, é duplo: fornecer fundamentos jurídicos sólidos para o debate público, demarcar posição firme pela inviabilidade jurídica e inconstitucionalidade da anistia a quem tentou o golpe de 2023. Mas, também, este livro tem o papel de registrar, para a história, que houve professores, pesquisadores, juristas comprometidos com o valor democrático, com resistência jurídica e intelectual sólidas para reposicionar o debate da anistia para que o instituto seja interpretado à luz de critérios democráticos, e não o inverso. A Constituição de 1988 não permite o esquecimento dos ataques à democracia, e esta obra é uma afirmação disso: um esforço coletivo para reafirmar os compromissos democráticos da comunidade jurídica brasileira e denunciar qualquer tentativa de instrumentalizar a anistia como salvo-conduto que incentiva novas tentativas de golpes no futuro.
Fiquei muito mobilizado em poder participar da obra, com texto coautoral, junto com minha colega e presidenta da Comissão Justiça e Paz de Brasília, Ana Paula Daltoé Inglês Barbalho, abrindo o sumário.
De minha parte venho abordando o tema em intervenções pontuais, algumas até nesta Coluna Lido para Você. Mais recentemente – https://estadodedireito.com.br/silencio-perpetuo-anistia-e-transicao-politica-no-brasil/, a propósito do livro Silêncio Perpétuo? Anistia e Transição Política no Brasil (República Velha e Era Vargas). / Mauro Almeida Noleto. – 1. ed. – Belo Horizonte, São Paulo: D’Plácido, 2024. Também em https://estadodedireito.com.br/relatorio-da-comissao-anisio-teixeira-de-memoria-e-verdade-da-universidade-de-brasilia/.
Na minha Coluna O Direito Achado na Rua, publicada regularmente no Jornal Brasil Popular, em https://brasilpopular.com/verdade-justica-reparacao-e-garantias-de-nao-repeticao/; muito explicitamente em https://brasilpopular.com/autoanistia-uma-violencia-inconstitucional-e-inconvencionaldo-delinquente-a-fim-gerar-sua-impunidade/; e em https://brasilpopular.com/60-anos-do-golpe-de-1964-memoria-verdade-mas-tambem-justica-razoes-para-o-nunca-mais/; entre outros textos de opinião.
O Sumário do livro dá a medida da qualidade autoral e da abrangência temática nele reunidos:
“A ARTE PODE DURAR” AINDA ESTAMOS TODOS AQUI. Ana Paula Daltoé Inglêz Barbalho, José Geraldo de Sousa Junior
ANISTIA NO JOGO ENTRE PODERES: XEQUE-MATE OU TRAPAÇA INCONSTITUCIONAL?, André Rufino do Vale
ANISTIA COMO PARTE DO GOLPE, Andréa Depieri de Albuquerque Reginato, Gabriela Maia Rebouças
OS PROFANADORES DO REGIME DEMOCRÁTICO E A IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE ANISTIÁ-LOS, Celso de Mello
DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL E ANISTIA NO PÓS-DITADURAS: LEGADOS DA OPERAÇÃO CONDOR NA AMÉRICA DO SUL. Carolina Cyrillo
DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL, REPUBLICANISMO E OS LIMITES DO ANISTIÁVEL NO BRASIL. Daniel Carneiro Leão Romaguera, João Paulo Allain Teixeira
UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA ENTRE ANISTIA, DEMOCRACIA E A CONSTITUIÇÃO DE 1988: A INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO PL 2858/2022 E SEUS SUBSTITUTIVOS. Diogo Bacha e Silva, Júlia Guimarães, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
ANISTIA INCONSTITUCIONAL. Emilio Peluso Neder Meyer
A ANISTIA POLÍTICA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988. Eneá de Stutz e Almeida
A ANISTIA INVERTIDA: O PERDÃO AO ATENTADO DE 08.01.2023 E A TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA. Filipe Cortes de Menezes, Dimas Pereira Duarte Júnior
IDEIAS FORA DO LUGAR: A ANISTIA ENTRE O MACRO E O MICROJURÍDICO. Fernando Facury Scaff
O PERDÃO E O ABISMO: O PL N.º 2858/2022 E A ANISTIA COMO ARTIFÍCIO DE EROSÃO DEMOCRÁTICA. Gabriel de Moraes, Valeska D. Pinto Ferreira e Breno Baía Magalhães
ENTRE O CONTORCIONISMO CONSTITUCIONAL E A DEFESA DA DEMOCRACIA. Glauco Salomão Leite, Luiz Guilherme Arcaro Conci
ENTRE O DIREITO AO PROTESTO E OS ATOS DE DESTRUIÇÃO DA DEMOCRACIA. Gustavo Ferreira Santos
BREVES ANOTAÇÕES SOBRE ANISTIAS E GOLPES: JACAREACANGA, UM LEVANTE MILITAR NO INÍCIO DO GOVERNO JUSCELINO KUBITSCHEK (1956) . Gustavo Siqueira, Andréia Kerber
ANISTIA, A QUEM SERÁ QUE SE DESTINA? UMA ANÁLISE A PARTIR DA CRIMINALIZAÇÃO DAS PESSOAS LGBTIAPN+ EM RAZÃO DE SUAS IDENTIDADES. Ivanilda Figueiredo
ANISTIA PARA GOLPISTAS E TERRORISTAS É INCONSTITUCIONAL.João Ricardo Dornelles
SEM ANISTIA PARA GOLPISTAS E TORTURADORES DE ONTEM E DE HOJE – OS CRIMES CONTRA O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A PRESTAÇÃO DE CONTAS PELOS CRIMES DA DITADURA. José Carlos Moreira da Silva Filho
ANISTIA PARA O GOLPE (GOLPISTAS) É GOLPE CONTRA A ANISTIA!. José Luis Bolzan de Morais
CONTRA A LEI DO GOLPE: É IMPOSSÍVEL PERDOAR UM PECADO ETERNO CONTRA A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA. José Rodrigo Rodriguez
POR QUE QUALQUER ANISTIA PARA GOLPISTAS É INCONSTITUCIONAL. Lenio Luiz Streck
NÃO HÁ ALTERATIVAS PARA AS PENAS APLICADAS AOS GOLPISTAS. Lenio Luiz Streck
A DEMOCRACIA OBRIGA-SE A DEFENDER A SI MESMA. Liana Cirne Lins
ESQUECIMENTO, MEMÓRIA E A DEFESA DA DEMOCRACIA: O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO EM TEMPOS DE CRISE. Liton Lanes Pilau Sobrinho
BASTA DE IMPUNIDADE: ANISTIA PARA GOLPISTAS, NÃO!. Manoel Severino Moraes de Almeida, Luis Emmanuel Barbosa da Cunha
ANISTIA 100% INCONSTITUCIONAL. Marcelo Uchôa
DEMOCRACIA E ANISTIA PARA OS GOLPISTAS DE 2023: BRASIL, DITADURA NUNCA MAIS. Marcos Leite Garcia
O PARADOXO DA AUTODESTRUIÇÃO DEMOCRÁTICA: A INCONSTITUCIONALIDADE DO PL DA ANISTIA QUE VISA O PERDÃO LEGISLATIVO AOS AUTORES DOS ATOS GOLPISTAS DE 8 DE JANEIRO E DOS RESPONSÁVEIS PELOS ATENTADOS CONTRA O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. Maria Lúcia Barbosa, Felipo Pereira Bona
QUAL O LIMITE DA ANISTIA: É POSSÍVEL NEGOCIAR O INEGOCIÁVEL? Mario Cesar Andrade, Margarida Lacombe Camargo
ANISTIA E CONSTITUIÇÃO. Martonio Mont’Alverne Barreto Lima
O OSCAR DE “AINDA ESTOU AQUI”: JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO, SEM ANISTIA. Maurício Gentil Monteiro
A ANISTIA É INCONSTITUCIONAL E POLITICAMENTE INVIÁVEL. Maurício Rands
CRIMES IMPRESCRITÍVEIS SÃO INANISTIÁVEIS. Paulo Calmon Nogueira da Gama
A MÍSTICA DO GOLPE DE ESTADO. Ricardo Evandro S. Martins
ANISTIA, PACIFICAÇÃO E A PERVERSA DINÂMICA ANTICONSTITUCIONAL: A INSUSTENTABILIDADE DE ANISTIAR TORTURAS E GOLPES DE ESTADO. Roberta Camineiro Baggio, Fernanda Frizzo Bragato
O CASO ESPANHOL DA CATALUNHA E A ANISTIA PRÊT-À-PORTER NO BRASIL. Yanne Teles, Marcelo Labanca Corrêa de Araújo.
De modo mais adensado e com repertório que o circunscreve em múltiplas interconexões, o tema recebeu abordagem interdisciplinar avançada na obra que co-organizei – Sousa Junior, José Geraldo de. O direito achado na rua : introdução crítica à justiça de transição na América Latina / José Geraldo de Sousa Junior, José Carlos Moreira da Silva Filho, Cristiano Paixão, Lívia Gimenes Dias da Fonseca, Talita Tatiana Dias Rampin. 1. ed. – Brasília, DF: UnB, 2015. – (O direito achado na rua, v. 7) – acessível integralmente em vários repositórios, incluindo https://dspace.mj.gov.br/handle/1/10574.
Na página do REC (Recife Estudos Constitucionais) – https://constituicaoedemocracia.blogspot.com/2025/05/lancado-livro-sobre-os-limites.html, há uma apresentação do livro com link para que o seu pdf seja baixado (https://drive.google.com/file/d/1KfdRODxpn3Kej6tfpW6KWWrkF9jNb3jj/view), precedido de um comentário: “Mais do que uma contribuição ao debate jurídico contemporâneo, o livro representa um posicionamento acadêmico firme contra o apagamento da memória histórica e a normalização do autoritarismo, reafirmando o papel da comunidade jurídica na defesa da democracia e dos valores constitucionais de 1988”.
Excelente proposta. Precisamos unir e levar o debate para as academias. Estas estão silentes.
A extrema direita não sabe o que é ética, para ela, pouco importa o que pensa as forças progressistas e democráticas do país. Eles vão continuar produzindo mentiras, teses fantasiosas, e procurar o tempo todo manter uma malha de gente sem escrúpulo sustentando as falésias criadas por eles. O livro é muito importante, cheio de boas intenções, pelo nome dos juristas envolvidos nesse projeto percebe-se a seriedade dessa contribuição. Mas estamos vivendo um momento delicadíssimo nas relações políticas que a extrema direita vem imprimindo ao país. Vamos ter que encontrar uma estratégia para buscar anular essa cultura desastrosa que vem se espalhando pelo país afora com muita velocidade.