José “Pepe” Mujica: Hasta siempre, viejo querido!

Por: José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF

O título vem do Programa Trilhas da Democracia Especial (TV247), exibido em 18.05.2025 – Hasta siempre, viejo querido!. A superleve celebrou a memória do ex-Presidente do Uruguai, José “Pepe”, e teve as participações de Daniel Aarão Reis, Jean-Marc von der Weid, José Geraldo de Sousa Júnior, Tarso Genro e Normando Rodrigues. A apresentação foi de Marco Mondaini https://www.youtube.com/watch?v=ErbB16cZ5Mw.

José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai, faleceu em 13 de maio de 2025, aos 89 anos, em sua chácara nos arredores de Montevidéu. Nascido em 20 de maio de 1935, em Montevidéu, José Mujica era filho de um pequeno agricultor de ascendência basca e de uma mãe de origem italiana. Após a morte precoce do pai, enfrentou dificuldades financeiras. Na juventude, envolveu-se no Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros, um grupo guerrilheiro de esquerda inspirado na Revolução Cubana. Durante a ditadura militar uruguaia, foi preso e passou quase 14 anos encarcerado, grande parte em confinamento solitário.

Com a redemocratização do Uruguai em 1985, Mujica abandonou a luta armada e ingressou na política institucional. Foi eleito deputado em 1995 e senador em 2000, pelo partido Movimento de Participação Popular, integrante da coalizão de esquerda Frente Ampla. Entre 2005 e 2008, atuou como ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca no governo de Tabaré Vázquez.

Em 2009, venceu as eleições presidenciais e governou de 2010 a 2015. Seu mandato foi marcado por reformas progressistas, incluindo a legalização do aborto, do casamento entre pessoas do mesmo sexo e da venda regulada de maconha, além de políticas de incentivo às energias renováveis.

Mujica ganhou reconhecimento mundial por seu estilo de vida austero. Recusou-se a residir no palácio presidencial, preferindo sua chácara simples, onde cultivava flores com sua esposa, a ex-senadora Lucía Topolansky. Doava cerca de 90% de seu salário presidencial para instituições de caridade e pequenos empreendedores. Seu modo de vida lhe rendeu o apelido de “o presidente mais pobre do mundo”.

Defensor de uma filosofia de vida baseada na simplicidade e na busca pela felicidade, Mujica criticava o consumismo e valorizava o tempo e as relações humanas acima dos bens materiais. Sua frase “A riqueza é tempo, não dinheiro” sintetiza essa visão.

Estas frases, expressões de sua linguagem simples, direta e profunda, marcada, entretanto, por uma sabedoria prática e crítica ao consumismo, à desigualdade e à política tradicional estão entre as muitas que passaram a circular com intensidade inusitada nas mídias logo da notícia de sua morte, e que se tornaram símbolos de sua filosofia de vida:

“Pobre não é o que tem pouco, mas o que precisa infinitamente de muito.”
“Quando compro algo, não pago com dinheiro. Pago com o tempo da minha vida que gastei para ganhar esse dinheiro.”
“Ser livre é gastar a maior quantidade de tempo da nossa vida naquilo que gostamos de fazer.”
“O mundo clama por mudanças. E as mudanças não virão dos poderosos, mas sim das grandes maiorias.”
“Não sou pobre. Sou sóbrio, leve de bagagem. Vivo com pouco para ter tempo de viver.”
“O poder não muda as pessoas. Só revela quem elas realmente são.”
“Defendo uma humanidade que priorize o amor, a solidariedade, a fraternidade — uma vida com sentido.”
“A política deve ser uma paixão pela justiça, não uma forma de enriquecimento pessoal.”
“Perdemos a consciência de que a vida é o mais importante. Vivemos comprando e jogando fora.”
“A felicidade não está em comprar. A felicidade está dentro de você.”

Elas são a expressão de um percurso marcado pela integridade e coerência: Mujica viveu aquilo que pregava. Após anos como guerrilheiro tupamaro e prisioneiro político, ao assumir cargos públicos, manteve um estilo de vida austero, recusando luxos, inclusive a residência oficial. Isso lhe conferiu grande autoridade moral: ele se tornou um exemplo raro de político que não apenas fala, mas vive de acordo com seus valores.

Mujica foi considerado por muitos intelectuais e líderes internacionais como um dos últimos grandes humanistas da política contemporânea. Em fóruns internacionais — como a ONU, a Rio+20 e encontros regionais — ele se destacou por discursos críticos e filosóficos sobre o modelo de desenvolvimento, consumismo e degradação ambiental.

Mas, sobretudo, ele foi um voz latino-americana, crítica e alternativa, representando um modelo de esquerda democrática, moderada e libertária, distinta tanto do autoritarismo quanto do neoliberalismo. Mujica inspirou uma nova geração de líderes e movimentos em diversos países latino-americanos que buscavam justiça social sem cair em populismo ou corrupção.

Sua figura serviu de ponte entre os valores da esquerda tradicional e os desafios éticos do século XXI. Por isso ele se fez reconhecer como um promotor do diálogo e da paz. Ao contrário de muitos líderes polarizadores, Mujica sempre buscou moderação, diálogo e reconciliação, inclusive com antigos adversários políticos. Promoveu uma cultura de paz e perdão — algo raro, especialmente para alguém com passado guerrilheiro e anos de prisão. Contudo, de modo coerente, sem tergiversar: “É preciso perdoar, mas não esquecer”, dizia, em referência à ditadura uruguaia.

Assim que Mujica será lembrado como: um presidente filósofo e camponês; um guerrilheiro que se transformou em pacificador; um político que recusou os privilégios do poder e colocou o bem comum acima do interesse pessoal; uma voz crítica ao sistema global, defensor do “bem viver” e da sobriedade voluntária.

O Presidente Lula, finalizou uma viagem de mais de 25 horas de vôo e se fez presente, extremamente emocionado às exéquias de Mujica, prorrogadas para as homenagens que o amigo queria lhe prestar. Para além da amizade, um tributo também ao protagonismo na condução de relações bilaterais sólidas que Mujica, como Presidente, estabeleceu com os governos brasileiros, especialmente o próprio Presidente Lula e também Dilma Rousseff, ambos na defesa Defendia a integração latino-americana e o fortalecimento do Mercosul, sempre com destaque para o diálogo histórico entre o Brasil e o Uruguai como parceiros estratégicos.

Presença frequente em fóruns e universidades brasileiras, Mujica sempre manifestou respeito e solidariedade com movimentos populares como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e organizações de juventude e economia solidária. Recebia convites para encontros da sociedade civil, como o Fórum Social Mundial, tendo participado de eventos acadêmicos, fóruns de direitos humanos, economia solidária e movimentos sociais no Brasil. Destacam-se passagens por universidades como a USP, a UFRJ e a Unicamp, onde foi recebido com entusiasmo por estudantes e professores.

Na UnB é inesquecível a sua presença em 2010, Presidente do Uruguai, na inauguração durante o meu Reitorado, do Memorial Darcy Ribeiro (Beijódromo, como Darcy o imaginava e Lelé – João Filgueiras Lima, o arquiteto que o projetou). Mujica representava a admiração e o respeito ao fundador da UnB, uma presença criadora de universidades no continente, como função estratégica para edificar a Pátria Grande, uma América Latina que existe.

Mujica, com o Presidente Lula na UnB: Inauguração do Beijódromo Foto: Ricardo Brasil

José “Pepe” Mujica, uma figura muito querida e respeitada no Brasil, ele é admirado por sua simplicidade, integridade e pela forma como encarnou valores políticos e humanos fundamentais. Tornou-se uma referência moral e afetiva também para o povo brasileiro. Seu legado ultrapassa fronteiras partidárias e nacionais

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)

José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).

*As opiniões dos autores de artigos não refletem, necessariamente, o pensamento do Jornal Brasil Popular, sendo de total responsabilidade do próprio autor as informações, os juízos de valor e os conceitos descritos no texto.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *