A promoção da cidadania nas ruas “Defensoras Populares (DPE-GO/2019)” e a práxis da educação crítica e popular em direitos humanos das mulheres para além dos muros institucionais

Por Estado de Direito

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

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Isabella Silva Fitas. A promoção da cidadania nas ruas “Defensoras Populares (DPE-GO/2019)” e a práxis da educação crítica e popular em direitos humanos das mulheres para além dos muros institucionais. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Direitos Humanos e Cidadania, da Universidade de Brasília. Brasília: UnB, 2024, 108 fls e anexos.

A Dissertação foi apresentada, defendida e aprovada pela Banca Examinadora, formada por mim, presidente, por seu o Orientador e pelos professores Pedro Demo, Universidade de Brasília/PPGDH (Membro Interno); Romilson Martins Siqueira, Universidade Federal de Goiás/UFG (Membro Externo); e pela professora Elen Cristina Geraldes, Universidade de Brasília/PPGE (Suplente, arguidora), que aliás, coordenava o Programa ao tempo em que a candidata foi selecionada e desenvolveu seu trabalho de pesquisa.

Sobre a Dissertação, dizem o seu resumo:

Essa dissertação é fruto da investigação do Curso ‘‘Defensoras Populares’’ (DPEGO/2019) realizado em Goiânia (GO), o qual teve foco a capacitação de mulheres em direitos humanos de gênero. Nesse estudo foi construído um caminho de reflexão da práxis pela Educação Popular em Direitos Humanos, a luz da teoria crítica ‘‘O Direito Achado na Rua’’, de forma decolonial, horizontal e feminista. Inicialmente, levantou-se a hipótese de que a promoção de uma Educação Popular em Direitos Humanos de gênero possui o condão de emancipar as mulheres oprimidas e marginalizadas. O trabalho teve como objetivo geral: conhecer o potencial disruptivo da Educação Popular de direitos humanos e de gênero para o exercício da cidadania, por meio do estudo de caso, de partícipes do curso ‘‘Defensoras Populares’’ (DPE-GO/2019). Já os objetivos específicos incluíram: desenvolver pesquisa empírica, a fim de conhecer as subjetividades de diferentes opressões e para compreender o materialismo histórico pertinente às sujeitas envolvidas; demonstrar, a partir de lentes contra hegemônicas, decoloniais e de interseccionalidade feministas, a historicidade crítica dos direitos humanos, que envolvem o gênero; demonstrar a Educação Popular decolonial e seu caráter disruptivo e crítico; bem como, refletir, à luz do Direito Achado na Rua, as práxis desenvolvidas, no “Curso Defensoras Populares’’ (DPE-GO/2019), para emancipação e rompimento de subcidadania. A fim de fundamentar a pesquisa, os estudos foram baseados nas teorias de autores prestigiados como, José Geraldo de Sousa Júnior, Pedro Demo, Roberto Lyra Filho, Marilena Chauí, Paulo Freire e outros essencialmente relevantes. Com a realização do Estudo de Caso, sob análise com o método da Hermenêutica de Profundidade, foi possível concluir que o Curso ‘‘Defensoras Populares (DPE-GO/2019)’’, revelou para as cursistas uma realidade de direitos de gênero que elas não conheciam. Ademais, instigou, nestas mulheres, o interesse em continuar aprendendo sobre Direitos Humanos. Embora o Curso ‘‘Defensoras Populares’’ (DPE/GO 2019) não tenha promovido a efetiva libertação das sujeitas participantes (considerando que essas mulheres ainda ocupam a mesma posição social) conseguiu, através da promoção da Educação Popular disruptiva, despertá-las para a realidade capitalista e patriarcal, na qual estão inseridas e, ainda, incentivou a disseminação do conhecimento popular nos ambientes em geral.

E Sumário:

MEMORIAL INTRODUÇÃO

1 O COMPROMISSO DO DIREITO ACHADO NA RUA COM A

JUSTIÇA SOCIAL

1.1 O Direito Achado na Rua e a libertação das mulheres

2          A PROMOÇÃO DA CIDADANIA NAS RUAS

3          A POBREZA POLÍTICA E OS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

3.1 A pobreza política das mulheres no brasileiras

4          UMA EDUCAÇÃO POPULAR PARA A EMANCIPAÇÃO DAS MULHERES

4.1 A práxis da educação popular em direitos humanos e de gênero

5          A EXPERIÊNCIA DO CURSO DEFENSORAS POPULARES

(DPE/GO 2019)

5.1 A Defensoria Pública do Estado de Goiás na promoção da

‘‘cidadania democrática’’

6          PERCURSO METODOLÓGICO

6.1 Delineamento da pesquisa empírica

6.2 Método da pesquisa: Hermenêutica de Profundidade

6.3Instrumentos          para     execução         da        pesquisa

6.4 Público alvo da pesquisa

6.5 Considerações éticas para a pesquisa

6.6 Análise de dados

6.7 Descrição das entrevistas

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Referências

Apêndices

A aprovação da dissertação de Isabella Fitas, sem ressalvas, exceto a indicação de ajustes formais para melhor refinamento do texto, me deu dupla satisfação. A primeira, a de ter podido acompanhar, como orientador um projeto relevante, socialmente referenciado e que fortalece a fortuna crítica de O Direito Achado na Rua (Grupo de Pesquisa certificado pelo Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPQ); a segunda por agregar conhecimento e repertório a uma área de estudos e de ação política, na qual, a partir de O Direito Achado na Rua, em condições singulares, me tem sido possível contribuir de alguma forma para a fortalecer.

Assim que, nesse segundo aspecto, depois da publicação do volume 05 da Série O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito das Mulheres, com duas edições publicadas, organizado por mim, por Bistra Stefanova Apostolova e por Lívia Fonseca Dias da Fonseca (https://www.academia.edu/17354044/Livro_O_Direito_Achado_na_Rua_Vol_05_Introdu%C3%A7%C3%A3o_Cr%C3%ADtica_ao_Direito_das_Mulheres), tive ensejo de participar da coordenação de uma pesquisa sobre o tema – Promotoras Legais Populares – cujos resultados estão em livro que divulga (tal o escopo da pesquisa),  Estudo sobre a prática pedagógica das Promotoras Legais Populares do Distrito Federal e Entorno no enfrentamento à violência contra mulheres e meninas e que teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Distrito Federal (FAP/DF). Os resultados dessa pesquisa intentam fazer uma avaliação dessa experiência, em especial da sua execução ao longo de 2018, acompanhando o funcionamento do curso e a atuação do Fórum de Promotoras Legais Populares do Distrito Federal e Entorno, entidade que organiza politicamente as mulheres que se formam no curso de formação de PLPs do DF. O livro agrega a reflexão de outras experiências de PLPs espalhadas pelo Brasil.

Isabella se vale dos achados desse livro, em diálogo com autores e temas, assim como faz interlocução com a rede de estudiosos que dela participam, indicados na sua rica bibliografia, aliás, posta em relevo nos comentários validadores de mais de um examinador de sua dissertação. O livro pode ser conferido em link que inclui em Lido para Você que publiquei: https://estadodedireito.com.br/promotoras-legais-populares-movimentando-mulheres-pelo-brasil-analises-de-experiencias/.

A fonte, entretanto, de que me valho, e também Isabella, conforme seu texto e sua bibliografia, para navegar com segurança nesse tema, é Lívia Gimenes Dias da Fonseca, em A luta pela liberdade em casa e na rua: a construção do Direito das mulheres a partir do projeto Promotoras Legais Populares do Distrito Federal. Dissertação (Mestrado em Direito), Universidade de Brasília – UnB, Brasília, 2012.

Este trabalho, conforme resumo preparado para o Repositório da UnB, trata sobre a prática da educação jurídica popular feminista realizada pelo projeto de Promotoras Legais Populares do Distrito Federal (PLPs/DF). A pergunta que se busca responder é se este projeto pode ser considerado como um espaço de construção de Direitos. No Capítulo 1 é realizado um resgate histórico do projeto de PLPs a partir da história das lutas das mulheres no Brasil o que possibilita percebê-lo como continuidade das lutas por reconhecimento dos Direitos das mulheres presentes na Constituição de 1988. Assim, é apresentado o projeto “Direitos Humanos e Gênero: Promotoras Legais Populares” da Faculdade de Direito da UnB utilizado no estudo de caso. No Capítulo 2 é apresentada a concepção teórica sobre o que é Direito pertencente à linha O Direito Achado na Rua a qual o projeto estudado se vincula. Esta concepção possui como marco teórico a produção de Roberto Lyra Filho que critica as noções de Direito presentes no jusnaturalismo e no positivismo. Para o autor, o Direito é produto de articulações de grupos oprimidos na atuação pela destituição de uma realidade injusta que nega aos indivíduos a sua plena realização. Ao final, é tratado como o feminismo contribuiu, enquanto teoria e prática, para a construção do Direito das mulheres no Brasil. No Capítulo 3 é trabalhada a teoria da pedagogia do oprimido e da oprimida como fundamento da educação jurídica popular que é pressuposto do projeto de PLPs e que possui como marco teórico o educador Paulo Freire. Assim, é enfocada a prática pedagógica voltada para a libertação dos indivíduos e que, dessa forma, busca que estes na transitividade de sua consciência ingênua para a consciência crítica percebam a sua condição como sujeitos históricos. Neste capítulo é apresentado também o método de pesquisa participante utilizado para a realização do estudo de caso. No capítulo 4 é apresentado o pressuposto da ação afirmativa em gênero assumido pelo projeto. Ainda, são apresentados os dados da turma 2011 do curso de PLPS/DF e o método do curso. Desse modo, é avaliado os desafios do processo educativo para a desconstituição da cultura do “silêncio”, da auto-desvalia e do medo da liberdade presentes no grupo de cursistas. Ainda, é demonstrado como o Fórum de PLPs atua como espaço de formação contínua inserida na práxis e no fortalecimento da autonomia e da solidariedade entre as mulheres Assim, no Capítulo 5 é demonstrado o processo de construção do Direito das mulheres pelo projeto de PLPs/DF por meio do relato das oficinas do curso. Por fim, se conclui que o projeto, para além de um curso, se realiza enquanto um movimento social na medida em que, por meio da práxis, as PLPs atuam na sociedade para a destituição das opressões a que as mulheres estão submetidas”.

Outro registro desse percurso inicial, também incorporado per Isabella  está no relato de Carolina Pereira Tokarski, Alguma Coisa Acontece na Faculdade de Direito, publicado no volume Direitos Humanos e Gênero: Promotoras Legais Populares editado pelo Projeto, com apoio da UnB, com registros de orientadores, monitoras/oficineiras e alunas da 5a Turma PLP/UnB.

Para Carolina Torkarski, a partir da constatação do modo empobrecedor que o curso jurídico trazia para a formação acadêmica, era decepcionante constatar a perda do brilho do olhar, da criatividade, da habilidade de urdir soluções novas, carentes de pressupostos deferentes e teorias transformadoras.

Ela e o grupo de estudantes que se mobilizaram para repensar a sua formação, carente de estudos de gênero, juntamente com a expectativa de pensar o jurídico com a mediação do sensível e da solidariedade, implicou uma adesão aos pressupostos da corrente teórico-política constituída ao embalo da crítica epistemológica animando também o campo do Direito na UnB na forma do projeto/movimento O Direito Achado na Rua. Elas também reivindicaram uma outra forma de inserção das estudantes-mulheres no contexto pedagógico emancipatório, direito como legítima organização social da liberdade que é o fundamento de O Direito Achado na Rua, e se lançaram a um experimento de extensão universitária, compartilhando com a comunidade do entorno da UnB, onde escolheram seu campo de trabalho, estímulo para leituras sobre as experiências de educação popular com mulheres, no modelo dos cursos de Promotoras Legais Populares que já existiam em outras partes do país, conduzidos por ONGs, a exemplo do Themis, à época dirigido por Denise Dora, uma das principais formuladoras dessa proposta no Brasil. As alunas leram avidamente o artigo de Virgínia Feix Em Frente da Lei tem um Guarda, do Themis, publicado no livro Educando para os Direitos Humanos. Pautas Pedagógicas para a Cidadania na Universidade, que organizei com colegas do Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos da UnB, no qual Vírginia, àquela altura Coordenadora Executiva do Themis, avalia a estratégia das lutas femininas, inclusive de Promotoras Legais Populares para utilizar o Direito como instrumento de transformação da realidade de exclusão das mulheres e enfrentamento de todas as formas de discriminação derivadas de uma das diferenças fundantes de nossa sociedade: a diferença de gênero.

O projeto PLPs da UnB, enraizado e consolidado institucionalmente, é uma ação paradigmática, reconhecida e premiada. Em 2017 foi Menção Honrosa – A – Educação Formal, do 5º Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos (Prêmio Ibero-Americano de Educação em Direitos Humanos); em 2019 I Prêmio Marielle Franco de Direitos Humanos, na categoria Organização da Sociedade Civil (Câmara Legislativa do Distrito Federal); e nesse 18 de novembro de 2024, recebe Menção Honrosa no IIIº PRÊMIO ANUAL DE DIREITOS HUMANOS ANÍSIO TEIXEIRA, da Universidade de Brasília, pela projeto PEAC Direitos Humanos e Gênero: capacitação em noções de direito e cidadania (Promotoras Legais Populares (PLP) -Faculdade de Direito (FD).

Em sua Dissertação de Mestrado Com quem dialogam os bacharéis em direito da Universidade de Brasília?: a experiência da extensão jurídica popular no aprendizado da democracia, defendida em 2009 na Faculdade de Direito da UnB, sob minha orientação, Carolina Torkarski interpela essa realidade e traz para o centro de sua análise crítica vários projetos de extensão da Faculdade de Direito da UnB e, notadamente, o Projeto Promotoras Legais Populares.

A dissertação, ela mesma, é um registro da experiência pioneira da UnB pode ser conferida no Repositório de Teses e Dissertações da UnB, a partir da sua indexação:

TOKARSKI, Carolina Pereira. Com quem dialogam os bacharéis em direito da Universidade de Brasília?: a experiência da extensão jurídica popular no aprendizado da democracia. 2009. 140 f. Dissertação (Mestrado em Direito)-Universidade de Brasília, Brasília, 2009.

Resumo:          Essa dissertação problematiza como a extensão jurídica popular pode contribuir para a formação de profissionais do direito comprometidos com a passagem de uma cultura jurídica normativista técnico-burocrática para uma cultura jurídica democrática. Analisa os principais aspectos da cultura jurídica técnico-burocrática, hegemônica na formação dos bacharéis em direito, e discute novos caminhos epistemológicos, políticos e pedagógicos para a construção de uma cultura jurídica democrática. Debate o conceito de extensão jurídica popular, bem como as potencialidades desse instrumento políticopedagógico no desenvolvimento de habilidades e competências para uma educação jurídica democrática. No trabalho são analisadas três experiências exemplares de extensão jurídico-popular da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília: o Projeto Promotoras Legais Populares, o Projeto Universitários Vão à Escola e o Projeto Maria da Penha. Dessa análise, observa-se a importância da vivência democrática em contextos sociais concretos (que dialoguem com novos saberes, novas práticas e diferentes agentes) para uma educação jurídica democrática.

Nesse longo período, uma característica bem singular foi ter conferido a se constituir a primeira iniciativa de instalá-lo inteiramente em universidade, pois todas as outras experiências até então haviam sido desenvolvidas em ONGs. A outra característica foi feminilizar a equipe e coordenações gestora e pedagógica do modelo, uma vez assentadas as fortes razões teóricas e políticas que levaram a esse pressuposto.

Antes de prosseguir com a apresentação da Dissertação de Isabella, penso ser importante fazer um outro registro de singularidade. Refiro-me a projeto desenvolvido por mulheres indígenas do Rio Negro, organizadas a partir da Foirn – federação que representa 23 povos indígenas no Brasil, com sede em São Gabriel da Cachoeira (AM). A referência me foi passada pela advogada Renata Carlina Corrêa Vieira, do ISA –Instituto Socioambiental, tendo por marco oficinas de promotoras legais populares indígenas do Rio Negro, com o objetivo de conhecer os direitos das mulheres e promover rodas de conversas, vivências e dinâmicas para o fortalecimento e enfrentamento da violência de gênero e realizar discussões sobre prática de direitos e cuidados das mulheres indígenas.

Já houve uma 1ª Oficina em 2021 e agora em novembro de 2024, se instalou uma 2ª Oficina, tendo por base o livro Cuidados e prevenção no enfrentamento à violência contra mulheres no Rio Negro (DIAS, Carla de Jesus et al. São Paulo/São Gabriel da Cachoeira: Editora Instituto Socioambiental/Foirn/USP-FSP, 2024, 80 p).

Segundo as notas de edição, a publicação foi organizada pelo Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro da Foirn, em parceria com o Programa Rio Negro do ISA e a Faculdade de Saúde Pública da USP, mas os textos e reflexões são fruto de muitas trocas, conversas e aprendizados gerados ao longo dos últimos cinco anos, quando a temática de enfrentamento à violência contra mulheres ganhou força na região do Rio Negro. Participaram desse movimento muitas mulheres e lideranças rionegrinas. Os objetivos deste livreto envolvem as necessidades de: registrar e fazer circular produções e reflexões; formular um passo a passo de abordagens e cuidados para que as mulheres rionegrinas possam enriquecer e fortalecer ainda mais suas formas de enfrentar as violências; bem como apoiar o fortalecimento de uma rede de prevenção, trocas de experiências e estratégias de cuidados coletivos.

Voltando ao trabalho de Isabella Fitas, essas razões e mais as que analisam a fortuna crítica da proposta estão cabalmente desenvolvidas na Dissertação de Mestrado A luta pela liberdade em casa e na rua: a construção do direito das mulheres a partir do projeto Promotoras Legais Populares do Distrito Federal, de Lívia Gimenes Dias da Fonseca. Nessa pesquisa muito bem organizada, Lívia, cujo percurso acadêmico é reconhecidamente identificado com a militância e a avaliação desse programa, o que ela revela em seu trabalho, vai concluir “que o projeto, para além de um curso, se realiza enquanto um movimento social na medida em que, por meio da práxis, as PLPs atuam na sociedade para a destituição das opressões a que as mulheres estão submetidas”.

De Lívia também, em co-autoria sobre o tema com Diego Nepomuceno Nardi e Renata Cristina de Faria G. da Costa, vale conferir Extensão Popular Feminista por uma Universidade Democrática e Emancipatória, no volume 6, número 10 de 2015 da Revista Direito & Praxis. Essa forte participação feminina se manteve também nos apoios, valendo assinalar o Ministério Público do Distrito Federal, por seu Núcleo de Gênero, desde a primeira Procuradora que abraçou a proposta, Alessandra Elias de Queiroga, e por suas colegas que a sucederam e pela Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, pela Diretora Celina Roitmam e pela advogada da Fundação Maria Amélia Costa Pinheiro Sampaio, ela própria antiga estudante-PLP, quando fez seu curso de Direito na UnB.

Desde o memorial, no qual afirma a legitimidade de um lugar de fala, Isabella afirma uma singularidade em seu estudo, ao molde de um estudo de caso (ainda que metodologicamente não o seja), mas que se justifica enquanto condição de possibilidade, a partir do empírico que o caracteriza, para ser teoricamente acrescido ao conjunto de estudos que no âmbito de O Direito Achado na Rua, adensa uma fortuna crítica.

Isabella acentua esse enfoque e a perspectiva dupla – subjetiva e objetiva –  que atribui a seu trabalho:

Desta maneira, foi desenvolvido um Estudo de Caso Empírico, promovendo uma reflexão para o Direito Achado na Rua, sobre o fortalecimento da cidadania por meio da práxis de ensino popular disruptivo em direitos humanos das mulheres de forma feminista, antirracista e decolonial.

A dissertação tem como base teórica os conceitos de Educação Popular e Emancipação de Paulo Freire (1697), o Pluralismo Jurídico de Antônio Carlos Wolkmer (2015) o conceito de Pobreza Política das Mulheres de Pedro Demo (2003), à luz do Direito Achado na Rua, teoria crítica de Roberto Lyra Filho (1986), fortalecida e trabalhada há décadas pelo professor emérito da UnB, José Geraldo de Sousa Júnior, por ser uma ‘‘expressão de uma legítima organização social da liberdade’’ (Sousa Junior et al., 2021, p. 19).

A corrente político-teórica denominada O Direito Achado na Rua tem como proposta a emancipação dos sujeitos, a efetivação da justiça social e a promoção de uma cidadania ativa para os cidadãos, por meio de movimentos sociais que estimulem ações alternativas para a libertação, como por exemplo, a promoção da Educação Popular em Direitos Humanos.

Posto isto, a presente dissertação também pretende prestigiar e evidenciar a importância da promoção da Educação Popular em Direitos Humanos e de gênero. Ressalta-se que existe a ilusão de que a simples promoção e Educação Popular é capaz de gerar mudança efetiva na realidade das mulheres, sendo que na verdade é necessário ir além.  A mudança é de dentro para fora e embora necessite de uma atuação coletiva, também dependerá que cada mulher faça a sua parte. Afinal, a mudança será feita com cada sujeita dentro de sua realidade e que, a partir da consciência individual, será possível fazer a mudança em conjunto, coletivamente.

A Autora desenvolve seu objetivo em seis capítulos assim formulados:

Capítulo 1, denominado O compromisso do Direito Achado na Rua com a Justiça Social, foi abordada a compreensão do ODANR enquanto teoria crítica que corresponde aos interesses da coletividade e que estimula o senso crítico dentro dos sistemas de justiça, visando ampliar as interpretações acerca do que é o direito, para além dos campos normativos. ODANR, portanto, se destaca visto que sobressai dos sistemas jurídicos modelos no Brasil, quebrando o paradigma do positivismo. Com a metáfora poética ‘‘na rua’’ de ‘‘O Direito Achado na Rua’’, o cotidiano dos indivíduos é valorizado, dando protagonismo aos elementos da realidade coletiva que são essenciais para a construção de novos direitos alternativos.

Capítulo 2, retratou sobre A promoção da cidadania nas ruas. Afinal, é preciso repensar e proporcionar um engajamento participante da população, para que atuem como verdadeiros cidadãos, fazendo parte dos processos democráticos e decisivos, de maneira que consigam opinar e reivindicar os direitos individuais e da coletividade a partir de uma consciência crítica. Destacou-se, como achado na pesquisa, que é preciso estimular mecanismos hábeis para a participação dos cidadãos, a começar pela conscientização dos próprios direitos, especialmente por meio de uma educação crítica, porque a cidadania se trata de um complexo processo, no qual haverá muitas contradições e desafios no caminho.

Capítulo 3, refletiu sobre A pobreza política e os direitos humanos em um contexto histórico no Brasil, que diariamente é estimulada dentro dos espaços de poder para a manutenção dos privilégios da elite e para o afastamento das condições dignas das mulheres. Sendo, portanto, a pobreza política é um grande problema, o qual impede que a sociedade tenha condições de se manifestar contra as atrocidades que acontecem no judiciário, no legislativo e no executivo do Brasil (os maiores centros de controle do país). Em tese, o poder deveria ser do povo, mas na prática, o poder permanece nas mãos dos grandes empresários, dos políticos e dos juristas. Mas infelizmente grande parte da população ainda não se despertou para essa realidade. Isso continua acontecendo porque no Brasil não existe uma estrutura que fomente o conhecimento e o senso crítico para que os indivíduos questionem quem eles são e qual é o seu papel na sociedade. Pelo contrário, há, no Brasil, uma enorme estrutura que há décadas aliena e segrega os direitos dos mais necessitados, os deixando à margem da sociedade desigual. No mesmo Capítulo 3, também foi discutido acerca da Pobreza Política das Mulheres que, em sua maioria, vivem em condição de exploração não somente da mão de obra no trabalho, mas também dentro de casa, ao prestar serviços domésticos. Essa condição de dupla jornada obriga as mulheres a viverem uma subcidadania, calcada pelo processo histórico capitalista que impõe regras e que as impede de viver uma vida digna e humana.

Capítulo 4, apresenta a importância da Educação Popular para a emancipação das mulheres que foram, e continuam sendo marginalizadas e manipuladas como objetos dentro da sociedade patriarcal e misógina. Quando as mulheres agem a partir de pensamentos organizados, conseguem ser autônomas nas suas ações, por conseguinte, atuam de maneira consciente, gerando transformação na realidade.

Posto isto, entende-se que a educação somente alcança o seu objetivo quando proporciona mudança na vida das mulheres que sofrem opressões interseccionais por serem diferentes, por não se encaixarem nos padrões eurocentristas.

Capítulo 5, foi retratada a atuação da Defensoria Pública do Estado de Goiás na promoção da cidadania. Destacando que a prestação jurisdicional e social da Defensoria Pública do Estado de Goiás é uma valiosa política de acesso à justiça, que possui uma natureza de direito fundamental no Brasil, que promove soluções judiciais e extrajudiciais, e muito além, que presta um serviço essencial e cuidadoso aos mais necessitados, promovendo a conscientização dos indivíduos sobre os seus direitos, promovendo a educação em direitos humanos e a cidadania na vida de pessoas invisibilizadas. Ademais, no referido Capítulo 5 houve a descrição da Experiência do Curso Defensoras Populares (DPE-GO/2019), a partir de relatos e disponibilização de dados sobre a metodologia do Curso, módulos, temas e interlocução entre Defensoria Pública, coletivo de mulheres e cursistas.

Capítulo 6, detalhou o Percurso metodológico da pesquisa, evidenciando ponto a ponto sobre o método abordado para o Estudo de Caso (Hermenêutica de Profundidade), instrumentos para execução da pesquisa, experiências das sujeitas entrevistadas, considerações éticas da pesquisa, análise de dados, bem como, a descrição das entrevistas.

Nas conclusões, mais importante que a análise sobre o caso estudado, no que já é em si uma valor de pesquisa lembrando Engels, para quem “a descrição verdadeira do objeto é, simultaneamente, a sua explicação”, vale o compromisso de agregar qualidade ao acervo de temas e enunciados que compõem o firme repertório político-epistemológico de O Direito Achado na Rua.

É o que ponho em relevo, a partir das conclusões:

Respondendo então a pergunta-investigativa: a Educação Popular colabora com o Direito Achado Na Rua por conseguir alcançar todas as camadas da sociedade que são afetadas pelas consequências do colonialismo, do capitalismo e do racismo, erradicando o analfabetismo das brasileiras, que, em sua maioria, não conseguem enxergar que são historicamente exploradas.

Assim, essa Educação possui um senso crítico e caráter disruptivo, para que as mulheres reflitam as suas relações e condições sociais enquanto seres humanos. De maneira que a sua promoção efetiva contribui diretamente para a corrente crítica O Direito Achado Na Rua, de Roberto Lyra Filho (1986), que em seu duplo fundamento, traduz um viés acadêmico e do direito não somente como norma, mas como a construção social das mulheres que expressam as suas práticas sociais – práxis, na reivindicação da cidadania de gênero e de direitos humanos.

Através da Educação Popular, O Direito Achado na Rua se fortalece a partir do fomento dos interesses coletivos das mulheres que vão contra os interesses das elites e contra as formas de dominação simbólica, promovendo o diálogo horizontal e conquistando coletivamente a igualdade e a emancipação para todas as cidadãs enquanto participantes políticas. 

Destaca-se, portanto, a característica primordial do Direito Achado na Rua para este trabalho, que nas palavras do professor José Geraldo de Sousa Júnior (2019) : ‘‘…é uma enunciação dos princípios de uma legítima organização social da liberdade. Só é direito o que emancipa, e o que emancipa é que nos põe para fora dos sistemas de espoliação e da redução da dignidade pela desqualificação do trabalho e da redução da identidade pela opressão de gênero e de raça, e formas de supressão de dignidade material da cidadania.’’. A práxis libertadora do Curso ‘‘Defensoras Populares’’ (DPE/GO 2019) proporcionou de fato uma mudança na consciência das participantes, que, hodiernamente estão prontas reivindicar as suas cidadanias e direitos. Essas mulheres podem se considerar conscientemente emancipadas, afinal, não compõem mais a massa manipulada, visto que hodiernamente conhecem os seus direitos.

Embora o Curso ‘‘Defensoras Populares’’ (DPE/GO 2019) não tenha promovido a efetiva libertação das sujeitas participantes (considerando que essas mulheres ainda ocupam a mesma posição social) conseguiu, através da promoção da Educação Popular disruptiva, despertá-las para a realidade capitalista e patriarcal, na qual estão inseridas e, ainda, incentivou a disseminação do conhecimento popular nos ambientes em geral.

Por fim, como achado da pesquisa, destaca-se que a mera promoção da Educação Popular não é suficiente para emancipar as mulheres, haja vista que a educação por si só, em regra, oferece apenas uma nova concepção da realidade em que as mulheres marginalizadas residentes na região Noroeste de Goiânia-GO estão inseridas.

Portanto, não é somente a teoria que terá o poder de proporcionar uma vida mais digna e justa às mulheres, mas sim, será através da teoria aliada as lutas e as reivindicações constantes, por meio de ações emancipadoras dentro de um processo plural e dialético (práxis), como o Curso ‘‘Defensoras Populares’’ (DPE/GO 2019), que as mulheres conseguirão iniciar o seu processo para conquistar a plena emancipação e a justiça social, e, consequentemente, para viver a democracia como verdadeiras cidadãs.

As conclusões me remetem a um marcador importante, considerando que o caso estudado por Isabella – uma ação do NUDEM (Núcleo de Direito das Mulheres) da Defensoria Pública do Estado de Goiás, sob coordenação da Dra. Gabriela Marques Rosa Hamdan , responsável pelo projeto e execução do ‘‘Curso Defensoras Populares’’, o qual teve a sua primeira edição no ano de 2019. O referido Curso teve como objetivo a capacitação de líderes comunitárias por meio da promoção da Educação Popular em Direitos Humanos – tema que moveu a lealdade subjetiva de sua participação como estagiária em programas do órgão.

Cuido da coincidência de resultados em relação a experiência semelhante que desenvolvemos na UnB (Faculdade de Direito), em cooperação com a Defensoria Pública no Distrito Federal. Fiz o registro dessa experiência em https://estadodedireito.com.br/direito-achado-na-rua-e-as-possibilidades-de-praticas-juridicas-emancipadoras/, ao resenhar dois números da Revista do órgão: Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal.  V. 1 n. 3 (2019): Ordenamentos jurídicos, monismos e pluralismos: O Direito Achado na Rua e as possibilidades de práticas jurídicas emancipadoras. José Geraldo de Sousa Junior, Nair Heloisa Bicalho de Sousa , Alberto Carvalho Amaral ,Talita Tatiana Dias Rampim (Editores).  Endereço do link para a edição completa da Revista: http://revista.defensoria.df.gov.br/revista/index.php/revista/issue/view/8/RDPDF%20vol%201%20n%203%202019; e, também em recensão na Coluna – http://estadodedireito.com.br/direito-achado-na-rua-e-as-possibilidades-de-praticas-juridicas-emancipadoras/ – demos a notícia do lançamento da REVISTA DA DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL, v. 1 n. 2 (2019): Ordenamentos jurídicos, monismos e pluralismos: O Direito Achado na Rua e as possibilidades de práticas jurídicas emancipadoras. Editor-Chefe Defensor Público do Distrito Federal Alberto Carvalho Amaral. Brasília, maio a setembro de 2019, p. 1-213.

Com efeito, o dossiê temático, repartido entre o segundo e terceiro números da Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal, marca momento único e destacado de atuação conjunta da Defensoria Pública do Distrito Federal e da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. A partir de inspirações e de aspirações conjuntas, demos início, no segundo semestre de 2019, ao “1º Curso de Capacitação de Defensoras e Defensores Populares do Distrito Federal”, voltado para pessoas pertencentes a grupos sociais vulneráveis (ou vulnerabilizados, enfatizando a dinamicidade dessa relação social), verdadeiras lideranças em suas comunidades e que possuem (ou serão capazes de possuir) capacidade para identificar situações de violência e violações. Em razão desse posicionamento privilegiado, são atores e interlocutores especiais para a luta pelo reconhecimento de direitos e justiça, pois possibilitam caminhos mais céleres para o acesso a órgãos públicos protetivos, inclusive à Defensoria Pública, e permitem que a comunidade tenha certa independência ao ver-se diante de dificuldades jurídicas e sociais.

O curso de capacitação, que se direciona para uma conscientização de direitos, tentando evitar um cenário opressivo e hierarquizado, preferindo a construção conjunta a partir das demandas e da elaboração coletiva, abrange temas como introduções críticas ao Direito e ao sistema judicial e seus órgãos, aos direitos de nascimento, da infância e da adolescência, dos direitos humanos, das pessoas idosas, com deficiência, em situação de rua e outras situações de vulnerabilidade social. Sua metodologia foi elaborada a partir de encontros semanais e da discussão de tópicos específicos relacionados a reconhecimento e reivindicação de direitos, com viés pragmático na emancipação individual, familiar e comunitária. O público-alvo é composto por lideranças comunitárias, mulheres e homens comprometidas e comprometidos com sua realidade social, que estejam abrangidos dentro dos critérios de hipossuficiência econômica que guia a atuação da Defensoria Pública do Distrito Federal, que possuam pelo menos 18 anos, pessoas idosas e com deficiência.

A iniciativa possui, como traço distintivo de outras louváveis experiências em outras defensorias estaduais, a exemplo daquela que é o objeto da dissertação de Isabella Fitas, vale dizer, a conexão umbilical com a Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, o que possibilita amplificar os alcances práticos para uma dimensão pedagógica que articula ensino, pesquisa e extensão para o enfrentamento das desigualdades.

Assim, deve ficar assentado que a defensora e o defensor popular não atuarão como defensoras e defensores públicos, nem são uma longa manus, ou seja, não agem em nome da instituição Defensoria Pública; mas, sim, agem em nome de sua comunidade, em rede, articuladas e articulados e a partir da própria vivência e do conhecimento jurídico voltado para a prática que obtiveram nos cursos de extensão ministrados.

A capacitação volta-se, o que é importante frisar, para aspectos teóricos, metodológicos; mas, especialmente, para a atuação na realidade, com enfoque na modificação e melhoria de mecanismos de inclusão social. É a partir da universidade e dentro das possibilidades emancipadoras que a atuação que a Defensoria Pública possibilita se investe em uma nova metodologia de alcance das populações carentes, com esforços claros de emancipação e reconhecimento da cidadania.

|Foto Valter CampanatoJosé Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55

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