Na UnB uma Cerimônia de Grande Simbolismo: Outorga de Título de Geólogo na modalidade post mortem a HONESTINO MONTEIRO GUIMARÃES

Por: José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF

Neste 26 de julho, a Reitora da Universidade de Brasília, Professora Márcia Abrahão Moura, reuniu a comunidade universitária e representações da cidadania em Brasília para a Cerimônia de Outorga de Título de Geólogo na modalidade post mortem a HONESTINO MONTEIRO GUIMARÃES.

A Cerimônia seguiu-se à deliberação do Conselho Universitário (Consuni) da UnB, realizada em 07 de junho, quando sob aplausos prolongados, de pé e por aclamação, o Conselho máximo da universidade anulou a decisão que desligou Honestino Guimarães da UnB e  determinou lhe fosseoutorgado o diploma post mortem de geólogo.

Conforme a notícia publicada no Portal da universidade – https://noticias.unb.br/institucional/7379-unb-concede-diploma-de-geologo-a-honestino-guimaraes – a decisão fez justiça a um dos nomes mais importantes do Brasil na luta contra a ditadura militar e na defesa da democracia, dos direitos estudantis e da autonomia universitária. Honestino fora expulso da Universidade de Brasília em 1968, antes de concluir a graduação, e depois de detido, foi considerado desaparecido ou morto, desde 1973, quando estava sob a custódia e responsabilidade dos auto-constituídos dirigentes do regime ditatorial instalado com o Golpe Civil-Militar de 1964.

A decisão representa o primeiro registro de diplomação post mortem da UnB. “A Universidade de Brasília sofreu muito com a ditadura militar, quando quase foi fechada. E, depois, em um momento muito difícil, nós perdemos estudantes, perdemos professores e perdemos Honestino Guimarães, estudante de Geologia. Temos esse compromisso histórico com a verdade. Isso representa não só a reparação ao Honestino, mas a tudo que ele representa. Eu, como geóloga formada pela Universidade de Brasília, tenho esse compromisso com meus colegas e com Honestino, que, tenho certeza, seria um excelente geólogo”, destacou a reitora Márcia Abrahão na ocasião.

Essas observações vêm a propósito de iniciativa de membros e interlocutores da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da Universidade de Brasília, que subscreveram e submeteramà Reitora, para a necessária deliberação, “demanda de concessão de diploma de graduação (post mortem) a Honestino Guimarães”.O memorial, subscrito pelos membros da CATMVUnB Daniel Barbosa Andrade de Faria, Fernando de Oliveira Paulino e Paulo Eduardo Castello Parucker, e por Maria Elizabeth Barbosa de Almeida (Betty Almeida), colaboradora da Comissão e mobilizadora da proposta, elatambém uma biógrafa de Honestino Guimarães (Paixão de Honestino. Brasília: Editora UnB, 2017). Um movimento que veio ao encontro de iniciativa do Instituto de Geociências (IG) – unidade na qual Honestino estudava e que aprovou em seu conselho a concessão do diploma –, tendo em seu diretor Welitom Borges, a ação de preparação do processo acadêmico para permitir a avaliação dos registros de integralização curricular apta a validar a concessão do diploma a Honestino.

Assim o reconheceu o decano de Ensino de Graduação da UnB, professor Diêgo Madureira, durante a leitura do parecer que recomendou a aprovação da proposta, ao fundamento de que “O simbolismo desse ato transcende esses aspectos mais diretamente relacionados ao próprio Honestino para compor uma inequívoca mensagem da instituição a toda a sociedade, deixando explícito o compromisso da UnB com a justiça, a democracia e a história, a despeito daqueles que insistem em contestar os fatos de inúmeras formas testemunhados de um período sombrio no nosso país, um negacionismo que precisa ser combatido com todas as forças, sobretudo em respeito a cada vítima, direta ou indireta, da ditadura, a cada mãe que sofre a perda prematura de um filho ou a eterna angústia de seu desaparecimento, a cada pessoa torturada por insistir em fazer valer seu direito de ser livre para discordar, a cada instituição também ferida pelo autoritarismo e a cada ser humano que condena a barbárie”.

Esses fundamentos também tem correspondência nas conclusões estabelecidas pela Comissão da Verdade da Universidade de Brasília (Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da Universidade de Brasília). A exemplo do que já começa a ocorrer em outros âmbitos institucionais, essa comissão  na UnB contribuiu e certamente continuará a contribuir para investigar a repressão que se derramou sobre seus professores e estudantes. Na medida em que as próprias instituições recuperem sua história, colaborarão para a concretização da justiça transicional que admite sim reconciliação, mas implica necessariamente processar os perpetradores dos crimes, revelar a verdade sobre fatos, conceder reparações às vítimas e reformar as instituições responsáveis pelos abusos.

Assim que a CATMV/UnB, cumpreo valioso papel de documentar as dimensões históricas da UnB e para recolocá-la no eixo da memória e da verdade, porque como se pode ver de seu relatório, uma peça de grande valor.  No melhor sentido conceitual de justiça de transição tanto mais que é nítida a percepção, à luz do Relatório, de que o autoritarismo erigiu como alvo, não apenas as pessoas e seus projetos de vida, mas o próprio projeto universitário inscrito na proposta de criação da UnB, vale dizer, o projeto histórico-social-universitário. Cf.Relatório da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da Universidade de Brasília, p.297 (Brasília: FAC-UnB, 2016). Disponível no endereço eletrônico https://www.comissaoverdade.unb.br/images/docs/Relatorio_Comissao_da_Verdade.pdf. (Acesso em 28/1/2024).

Especialmente em relação a Honestino Guimarães, é fundamental conhecer o relatório/voto, do professor da UnB e conselheiro da Comissão de Anistia Cristiano Paixão, no Requerimento de Anistia: 2013.01.72431 Anistiando: Honestino Monteiro Guimarães. Requerente: Juliana Botelho Guimarães (sua filha). Um voto substantivo, conceitual, histórico, sistemático. Alude ao trabalho desenvolvido pela Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB e recupera judiciosamente todas as circunstâncias que culminam na violência infligida ao estudante da UnB, revelando a interrupção letal de um belo projeto de vida. Conclui, fixando: a) Declaração de anistiado político post mortem a Honestino Monteiro Guimarães, oferecendo-se, em nome do Estado brasileiro, o pedido oficial de desculpas a sua família pelas graves violações a direitos humanos praticadas pelo Estado; b) Retificação no atestado de óbito deHonestino Guimarães, para que conste, como causa da morte, a seguinte expressão: “morto (desaparecido político) em virtude de atos de violência praticados pelo Estado brasileiro por motivação exclusivamente política”; c) Remessa de cópia dos autos ao Ministério Público Federal, diante da notícia da prática de crime permanente, para que aquele órgão delibere sobre a possibilidade de instauração de inquérito criminal.

No voto, o relator abre um tópico –  Honestino e a Universidade de Brasília.  Na sua redação salienta que a história de Honestino Guimarães revela a existência, no início da década de1960, de um sistema público de ensino que foi concebido de modo includente. Como observado noperfil biográfico, sua família chegou a Brasília no ano da fundação da cidade. Honestino cumpriusua formação secundária no Centro Integrado de Ensino Médio (Ciem), e dali partiu para a UnB, depois de aprovado na primeira colocação geral no vestibular. Mesmo com toda a atividade política, eleobteve bom rendimento acadêmico no curso de geologia e, quando foi expulso, estava prestes a se formar”.

Em artigo que publiquei na Coluna O Direito Achado na Rua – https://brasilpopular.com/unb-diploma-honestino-ato-de-reparacao-por-dano-a-projeto-de-vida-2/ – recuperei o entendimento estabelecido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, com a inteligência que lhe emprestou o juiz Antonio Augusto Cançado Trindade (sentença de 19 de novembro de 1999, Caso Villagrán Morales y Otros – Caso de losNinõs de laCalle), com a tese da inviolabilidade do “projeto de vida”, vale dizer, da disponibilidade das condições integráveis ao universo conceitual do direito de reparação quando violado, porquanto “o projeto de vida é vinculado à liberdade, como direito de cada pessoa escolher e realizar seu próprio destino (…) O projeto de vida envolve plenamente o ideal da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem) de 1948 de exaltar o espírito como finalidade suprema e categoria máxima da existência humana”.

Em consequência, a criação jurisprudencial da Corte Interamericana, em sintonia com os pressupostos da justiça de transição,da exigência de reparação a danos ou violações ao projeto de vida, não apenas como indenização, mas como restauração da dignidade subtraída, ofendida, reduzida pela violência instituída em situações de exceção e de afronta a legitimidade democrática em países submetidos a sistemas autoritários, que tem se constituído uma categoria cogente dos direitos humanos internacionais.

Em Honestino Guimarães o conteúdo do projeto de vida se integra à defesa intransigente de seu compromisso com um projeto de sociedade democrático e emancipatório. Algo muito nítido num documento que ele elaborou, como denúncia e manifesto, aliás, transcrito no processo de anistia (Requerimento de Anistia: 2013.01.72431. Anistiando: Honestino Monteiro Guimarães. Requerente: Juliana Botelho Guimarães Lopes. Relator: Conselheiro Cristiano Paixão), recolhido por sua mãe Maria Rosa Leite Monteiro no livro Honestino. O bom da amizade é a não cobrança. Brasília: Da Anta Casa Editora, 1998, p. 176-180, denominadomandado de segurança popular, do qual retiro o final: “Daí porque não me ‘entregar’. Não reconheço nem posso reconhecer como “justiça” o grau de distorção a que se chegou nesse terreno. A justiça a que recorro é a consciência democrática de nosso povo e dos povos de todo o mundo”.

A outorga do diploma, nesta cerimônia, autentica também uma trajetória e certifica a memória de um compromisso e a força de um projeto. Honestino, por isso, vive; Honestino, presente!

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).

José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

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