Por: Guilherme C. Delgado (*) – Jornal Brasil Popular/DF
A síntese que ora vai a publico corresponde a uma fala de apresentação no Curso sobre Ensino Social da Igreja, organizado pela Comissão de Justiça e Paz do DF e patrocinado pela Arquidiocese de Brasília, que comporá a Mesa da 2ª Sessão no dia 13 de julho de 2024, juntamente com o Professor Claudio Fonteles, apresentador principal, com ambas as comunicações voltadas aos princípios e fundamentos do Ensino Social, também conhecida por Doutrina Social da Igreja (DSI).
Obviamente, todas essas contribuições estão dirigidas ao resgate da proposta central dos Evangelhos sobre a caminhada de Jesus Cristo, no sentido do desvendar o Reino de Deus presente aqui neste mundo historicamente mutante, cujos sinais precisam ser recolhidos e interpretados em cada época, para comunicar e esclarecer o pensamento social da Igreja em linguagem atual.
II-Às Encíclicas Sociais, destacadamente à primeira delas com esse referencial – “Rerum Novarum” do Papa Leão XII (1891)-, objeto da Primeira sessão do Curso e da sua relação ao Ensino Social da Igreja; sugere-se a imagem natural de um imenso ‘Iceberg’ marítimo. Neste, as Encíclicas Sociais seriam o topo visível de uma estrutura bem maior que o suporta. E nessa estrutura se adensam contribuições dos Papas, Bispos, Conferências Episcopais nacionais e em especial a contribuição especial dos leigos. Estes, pela sua situação e missão especial de permanente interação social no mundo da vida, defrontam-se com desafios específicos, especialmente daqueles e daquelas, que por sua atuação especializada em Pastorais Sociais, ajudam também a construir o pensamento social em sintonia com o seguimento de Jesus no tempo presente.
III- Por outro lado, é necessário inserir o Ensino Social da Igreja no contexto mais amplo do pensamento doutrinal do conjunto da Igreja, cuja expressão maior em termos eclesiológicos se gera nos seus periódicos e multisseculares Concílios.
Em particular, nesta 2ª Sessão didática – pelas Encíclicas que menciona na programação a partir da “Mater et Magistra”(1961) do Papa João XXIII até a Octagésima Adveniens(1971) do Papa Paulo VI-; estão praticamente todas elas demarcadas pelo período e influência do Concílio Vaticano II (25/12/1961 a 8/12/1965). O Concílio reorganizará fortemente o pensamento geral da Igreja, afetando de forma paradigmática o pensamento social da Igreja e sua própria autocompreensão em pelo menos duas Constituições Dogmáticas(pastorais) daí geradas: a)“Lumen Gentium” (Sobre a Igreja – 97 páginas) e b) “Gaudium et Spes ( Sobre a Igreja no Mundo de Hoje – 122 páginas.
Essas Constituições redefinem o pensamento social e o próprio sentido do agir da Igreja- Povo de Deus, em resposta aos sinais dos tempos mutantes, servindo de referencial às Encíclicas Sociais e outros pronunciamentos eclesiais a partir de então.
IV- Tantas contribuições legítimas ao longo da história clamam por razões didáticas, para que se façam sínteses comunicativas, como o fez em 2004 o Pontifício Conselho- Justiça e Paz no seu -“Compêndio de Doutrina Social da Igreja”-, referido na última Sessão durante uma fala também de síntese do Cardeal D. Paulo. O mencionado Compêndio também será objeto da apresentação principal da Sessão de hoje, que abordará sobre princípios e fundamentos da DSI e sua pertinente articulação com a ação pastoral da Igreja; sem prejuízo de outras sínteses citadas na programação do Curso (a exemplo de- ”Encíclicas Sociais: um guia de leitura” op. cit. do Pe. Aquino Junior).
V-O referencial maior de todas as sínteses referidas é a abordagem de um tema inesgotável e permanentemente renovado ao longo da história: o anúncio significativo que Jesus faz no início do 1º Evangelho (Mc. 1,15), reproduzido em Mt. 4,17 e Lc. 17,21) – de que o Reino de Deus já está presente no meio de nós, ou seja no mudo vivido pelas pessoas; e de que é preciso trazê-lo à experiência do dia-a-dia; como o faz com toda pertinência no Sermão da Montanha (Mt. 5.1-11), denominando 9 categorias de seres humanos ou de suas respectivas condições socioeconômicas e espirituais, que os fazem acolhidos pela Graça e partícipes deste Reino: 1-pobres, 2-mansos, 3-aflitos, 4- famintos e sedentos de justiça, 5-misericordiosos, 6- puros de coração, 7-promotores da paz, 8-perseguidos por causa da justiça e 9- injuriados pelo seguimento de Jesus.
VI – O anúncio do Reino de Deus presente no meio de nós (Mc. 1,15) e das várias condições sociais e pessoais que o tornam acessível (Mt. 5,1-11), remete-nos ao seu desvendamento no tempo da história humana, que em cada época, cultura e geografia do mundo apresentam conotações distintas; mas que em todas elas encontrariam essas nove categoria de testemunhas do Reino de Deus presentes e atuantes.
Decorre do exposto, que é necessário atualizar à luz da história da humanidade – antigos e novos desafios que se antepõem à realização aqui entre nós daquilo que Jesus já havia anunciado 120 vezes nos 4 Evangelhos, como constituindo o sentido maior da vida humana: sua sintonia com o Reino de Deus.
VII- O Ensino Social da Igreja em cada época, há mais de um século estilizado em documentos eclesiais específicos e desde sempre ancorado nos Evangelhos, cumpre essa missão: desvendar o Reino de Deus no meio de nós, resgatando sua presença na vida social, com especial destaque à misericórdia às vítimas da opressão social continuamente presentes na história.
Como está pressuposto ou explícito nos Evangelhos, há também a figura dos valores e ídolos contrários ao Reino de Deus, que operando na história humana à maneira dos antigos fariseus, produzem vítimas e injustiças (pressupostas no Sermão das Bem Aventuranças); e que precisam ser superadas pela corrente principal da Justiça Social, ancorada no Projeto do Reino; e que também precisam ser denunciadas e caracterizadas em cada tempo pelo Ensino Social da Igreja. Anúncio e denúncia andam juntos, como faz o próprio evangelista Lucas se reportando ao mesmo Sermão das Bem-aventuranças, que em Lc. 6, 20-26 é apresentado no formato de Bem Aventuranças e Maldições.
*Guilherme C. Delgado, Doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor no Programa de Pós-Graduação em Economia na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília