Carta para o coletivo O Direito Achado Na Rua
Roma, 06 de março de 2024
Por Maria Antônia Melo Beraldo*
Hoje me despeço, por enquanto, da cidade eterna que me acolheu por breves seis meses. Roma, construída sobre sete colinas referenciais (i sette colli di Roma – Palatino, Aventino, Campidoglio, Quirinale, Celio, Esquilino, e Viminale), se apresentou em toda a sua intensidade de cultura, alegria e leveza. Depois desta caminhada transformadora, é muito interessante poder me despedir destas sete colinas, que se tornaram tão familiares, e retornar à colina, como é conhecida a nossa Faculdade de Direito da UnB, que me impulsionou e me possibilitou realizar esta experiência, antes tão sonhada.
Desde o ensino fundamental, já sonhava em poder ter alguma experiência no exterior, seja cursando a graduação completamente fora ou realizando intercâmbio. Após algumas tentativas, e com os longos meses de pandemia, este sonho acabou ficando no fundo da gaveta. Afinal, eu já estava me encaminhando para a segunda metade da graduação e pareciam não haver oportunidades ou ser o tempo apropriado. Contudo, o desejo de poder estudar fora permanecia ali, de modo que eu continuava a acompanhar os editais de mobilidade da UnB, conferindo as vagas disponíveis, os resultados e os colegas aprovados, sempre por curiosidade. Foi então em janeiro de 2023 que, após conferir o edital mais recente, decidi realizar uma última tentativa na graduação.
Com muita surpresa, fui alocada para a Università degli Studi di Roma Tor Vergata, a qual era a minha primeira opção. De forma absolutamente espontânea, mas muito gratificante, tudo foi se ajeitando e este sonho foi se tornando cada vez mais possível e, finalmente, concreto. Depois de meses intensos de preparação e expectativa, logo eu estava embarcando para Lisboa, para seguir em destino a Roma. Depois de quase 10 anos esperando por uma oportunidade como esta, os 6 meses pareceram não ser suficientes para viver a cidade e o país em sua plenitude. O tempo passou veloz e foi suficiente apenas para que eu pudesse compreender, verdadeiramente, como Roma faz jus ao nome de “Città Eterna”. Não apenas pela sua longevidade incomparável, mas pela contradição de uma metrópole apressada que parecia parar o tempo e dar à vida uma nova dimensão de realidade e concretude.
Sem dúvidas, o intercâmbio traz a sensação de que estamos “redimensionando” a vida, principalmente por favorecer uma vivência que vai além do mero aprendizado acadêmico das salas de aula. Conhecer uma nova cultura, uma nova dinâmica social, aprender uma nova língua, aprender sobre novos referenciais e axiomas diversos, dentre tantos outros fatores, torna a experiência tão intensa que parecemos construir um novo mundo ou, ao menos, uma nova visão deste mesmo antigo mundo.
A oportunidade de estudar na Tor Vergata e conhecer a vivência de uma universidade italiana certamente me permite retornar à UnB com uma nova perspectiva sobre o estudo e sobre a nossa FD. No sistema italiano e, especialmente no curso de Giurisprudenza, as aulas são voltadas à exposição do conteúdo e as avaliações são realizadas na forma oral. Neste contexto, os estudantes italianos dedicam-se fortemente a aprender o conteúdo programático, com base nos livros indicados para leitura de base.
Quando comecei a frequentar as aulas na universidade, foi um pouco desafiador compreender este novo modelo. A princípio, imaginei que poderia participar de atividades de pesquisa e extensão, ou que teria oportunidade de participar de projetos na universidade para além da sala de aula. Entretanto, percebi que a participação em atividades extraclasse não é uma realidade de fácil acesso para os estudantes da graduação na universidade a qual frequentei ou, talvez, para estudantes em mobilidade como eu. Sendo assim, minha experiência acadêmica foi bastante voltada a me adaptar ao modelo educacional mais expositivo, e me preparar para as provas orais em italiano, extremamente detalhistas quanto ao conteúdo exigido.
Durante os estudos, foi inevitável me recordar da 1ª aula de Pesquisa Jurídica com o Professor José Geraldo, em março de 2019 (5 anos atrás!), quando ele nos levou ao jardim da FD para destacar que a experiência acadêmica deveria ir muito além das paredes da sala de aula, o que nos permitiria ter uma vivência mais completa de aprendizados na universidade. Foi aí que percebi a diferença relevante promovida pela reforma do ensino jurídico no Brasil, e como esta reforma nos permite ter acesso a um ensino muito mais participativo.
Apesar do sistema italiano ser também muito qualificado, com excelentes universidades e produções acadêmicas, com certeza esta experiência me auxiliou a redimensionar todas as oportunidades que temos na nossa colina brasiliense, a qual, embora seja única, certamente vale por sete.
É neste sentido que, para além do conhecimento adquirido em sala de aula, o intercâmbio foi uma verdadeira imersão. A oportunidade de aprender a língua italiana e conhecer mais da riqueza da cultura local tornou essa experiência, majoritariamente acadêmica, em algo muito maior e inesquecível. Não poderia haver uma forma mais gratificante de retornar à colina para encerrar a graduação, com novas ideias, novas motivações e novas formas de experienciar o estudo e a vivência acadêmica.
Diretamente do aeroporto, escrevo esta carta com a alegria de poder trazer um pouco da poeira destas sete colinas nos pés à nossa colina que, certamente, agora se torna a minha oitava colina. Retorno com o coração repleto do sentido da “dolce vita” italiana, para encerrar o ciclo na UnB e iniciar uma nova fase de vivências, sempre com muita gratidão a todos que tornaram essa experiência possível e muito mais especial.
Ainda em referência à simbologia da colina, um dos cantores mais amados da Itália, chamado Lucio Battisti, tem uma música que acredito traduzir exatamente o sentimento de retornar à oitava colina. Na canção “La Collina dei Ciliegi” (A Colina das Cerejeiras), o cantor fala sobre viver uma vida “luminosa e mais fragante”. Com coragem, atravessar a colina e encontrar o sol. Uma das estrofes mais poéticas diz:
“E respirando brezze che dilagano su terre senza limiti e confini
Ci allontaniamo e poi ci ritroviamo più vicini
E più in alto e più in là
Ora figli dell’immensità”
“E respirando brisas que se espalham por terras sem limites e fronteiras
Nós nos afastamos e então nos encontramos mais próximos
E mais alto e mais longe
Agora filhos da imensidão”
Como na música, foi necessário se afastar para poder retornar de forma mais próxima. E com esta briza de uma terra sem limites e fronteiras, de uma terra eterna, retorno à imensidão da nossa colina da FD, veramente a oitava colina.
De Roma, com amor.
Compartilho aqui alguns registros de dias especiais nas sete colinas, com o inesquecível céu azul do outono e inverno italiano, que lembra a amplitude do céu brasiliense. Assim como de alguns entardeceres que remetem ao sentido da música Roma capoccia de Antonello Venditti expressar “quanto sei grande Roma quand’è er tramonto, quando l’arancia rosseggia ancora sui sette colli, […] quanto sei bella”.
*Maria Antônia Melo Beraldo é graduanda em Direito pela Universidade de Brasília e integra o Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua. Realizou um semestre de mobilidade acadêmica internacional na Universidade de Roma Tor Vergata, entre os meses de setembro de 2023 e fevereiro de 2024.