A peça é encenada por Hilda Torres, atriz e idealizadora do projeto,com apresentações em Buenos Aires na próxima terça (21), quarta (22) esexta-feira (24)
Há exatos cinquenta anos, em um dos episódios mais violentos do regime militar brasileiro – conhecido como o massacre da chácara São Bento -era assassinada, aos 28 anos, na Região Metropolitana do Recife, a militante paraguaia que lutou contra diversas ditaduras na América Latina, Soledad Barrett Vidma. Contudo, também cinquenta anos depois de seu brutal assassinato, através dos palcos, sua história de vida continua contribuindo para despertar reflexões importantes, notadamente atemporais e necessárias, seja no Brasil ou no mundo. Trata-se do espetáculo teatral Soledad – a Terra é Fogo Sob Nossos Pés, que há oito anos vem lotando plateias em suas circulações nacionais e internacionais e já tem novas datas para apresentações, dessa vez, em Buenos Aires (Argentina).
Depois de passar por cidades como Fortaleza, Rio de Janeiro, São Paulo, Montevideo (Uruguai), Assunção (Paraguai), Havana (Cuba), além de Madrid, Santander, Bilbao, Oruña de Piélagos, Cabezón de la Sal e Torrelavega, na Espanha, nos próximos dias 21, 22 e 24 de novembro a obra desembarca em Buenos Aires, na Argentina, para a conclusão da segunda etapa de sua mais recente circulação internacional. Além das três apresentações, o Grupo Cria do Palco – responsável pela obra –ainda participará de alguns debates sobre “a arte como instrumento de transformação social”, atividade que também contará com a representação de organizações locais e Ñasaindy Barrett, que é filha de Soledad (nascida em Cuba antes de sua mãe vir para o Brasil) e debatedora fixa do projeto.
“Sol”, como era conhecida entre os mais próximos, teve sua trajetória desenhada em meio à luta sociopolítica de sua família. Seu avô, o renomado jornalista e escritor espanhol, natural de Torrelavega, Rafael Barrett, foi uma grande inspiração ideológica para ela. Quando nasceu, seus pais e irmãos mais velhos já eram militantes e dedicavam suas vidas quase que integralmente à luta contra ditaduras em toda a América Latina. Os exílios políticos fizeram parte da sua vida desde muito nova, com menos de um ano de idade enfrentou o seu primeiro, na Argentina. Aos 17 anos, em mais um exílio, dessa vez no Uruguai, Soledad foi sequestrada por um grupo neonazista e teve suas duas pernas marcadas com a suástica, através de uma navalha. Ela negou-se a gritar palavras em saudação a Hitler e por isso sofreu essa brutal violência.
Com isso, ao invés de se intimidar, Soledad passou a se dedicar ainda mais a militância. Imediatamente foi para Moscou estudar teorias comunistas. Depois de um ano foi novamente para a Argentina e em seguida para Cuba, onde treinou táticas de guerrilha, casou e deu à luz a sua única filha, antes de vir para o Brasil e ser entregue à morte pelo seu então companheiro, conhecido por todos como Daniel, masque, na verdade, era o Cabo Anselmo – o infiltrado dos órgãos de repressão mais conhecido do país. Sozinho, estima-se que ele levou à morte aproximadamente metade de todos os mortos e desaparecidos políticos contabilizados pela ditadura brasileira. O fato de Soledad estar grávida dele não foi suficiente para sensibilizá-lo.
A dramaturgia do espetáculo surge a partir da cronologia da personagem, alcançada através de pesquisas de campo, músicas da época, poesias (muitas de ex-presos políticos), cartas, entrevistas sistemáticas, acesso a documentos e o contato com familiares –especialmente as parceiras do projeto, Ñasaindy e Ivich Barrett (filha e neta de Soledad, respectivamente). Vale ressaltar que Ñasaindy, inclusive, além de ter contribuído para esse processo de pesquisa, ainda assina a identidade visual do projeto, cedeu uma de suas composições para a trilha sonora do espetáculo e integra, como debatedora fixa supracitada, a equipe base de circulação da obra. Após o término de todas as apresentações a produção realiza debates, geralmente com temas que envolvam o ativismo artístico encampado pelo grupo.
A peça é encenada pela atriz pernambucana e idealizadora do projeto, Hilda Torres. A direção é da atriz e diretora que nasceu na Argentina, mas foi ainda pequena para São Paulo, Malú Bazán. As duas são responsáveis pela construção da dramaturgia, que toma fôlego a partir de uma costura entre diversos instrumentos de pesquisa e obras poéticas, que datam de 1904 até a contemporaneidade.
Com duração de 60 minutos, o solo desloca o espectador pra uma época aparentemente conhecida, mas pouco entendida e ao mesmo tempo levanta questões da atualidade, proporcionando um espaço de reflexão, provocação e possibilidades, sobretudo nos dias atuais. Trata-se de uma narrativa que traça um ousado “diálogo” entre o passado e o presente, nos levando a perceber que as coisas não mudaram tanto assim.
SERVIÇO:
• 21 de novembro: CCC en la sala Tuñón – 20h30
• 22 de novembro: CCC em la sala Tuñón – 20h30
• 24 de novembro: UTE (Bartolomé Mitre 1984) – 20h
Da Assessoria