[Curadoria de Vital Alves]
1.
vozes comparadas
neste grito, o silêncio marca o seu marca-passo.
dois pra lá, dois pra calar,
mas doido pra falar:
como o barulho da flor
que se abre todinha para o colibri colori-la.
igual ao som das gaitas
que melancolicamente soam saudades.
tal qual a voz do monociclo
que roda, roda atrás de outra roda.
que nem os falares dos pássaros
que se arrebentam pelas nuvens acima.
ou o marulho do mar
que encanta seixos e sereias.
escritinho ao sicsic das bundas da passante
que roçam entre si insinuantes.
idêntico ao retinir das moedas
que enfeitiçam pelo peso e luminiscência.
parecido aos assobios dos ventos
que solam os movimentos e as cores do parque.
exatamente a luz do sol
que esgana a farda do vigilante.
conforme o ronco da amante
que depois do êxtase desmorona.
consoante a locução do idoso
que não levanta o tom nem a pau.
igualzinho a língua áspera da moça
que corre, corre silente pelo corpo suado.
de acordo com a expressão acabrunhada do vendedor de coco
que crê em um mundo mais cristalino.
também o coaxar das rãs
que se querem assanhadas, serelepes pererecas.
tal-qualmente a arrojada caneta do poeta
que escreve o seu mundo em absoluta solidão
num escracho de soturna criação.
2.
sustância
era a força de levantar saca de babaçu
eram a roça e camponês em Di Cavalcanti
era a mosca de lambregar-se no açúcar
era a onça travestida de jaguatiricas
era a coisa ligeira pulando capoeiras
era a moça de levantar a saia na hora h
era a orca de engolir mil cardumes
era a porca de criar tantos filhotes
era a osga que bulia a papada de dar engulho
era a troça por inverter o sentido das coisas
era a porta que não se abria de encrenqueira
era o pé pisando o rabo do cachorro no momento da solenidade
era a morta que fingia permanecer no mundo a mil
era a tosca que caminhava pelos vales da dúvida
era a dor de pintar palavras com rabiscos de cadernos derretidos
era a touca que escondia os cabelos da amante
era a toca por onde o tatu se arremessa para escapar da morte
era o oh de espanto por coisas tão evidentes
era o horror da língua que se enrola no ponto g
era o toque-toque do estranho na casa cerrada
era a porrada que desviava a memória das brincadeiras de infância
era a forma de a vez e a voz se insinuarem pela arte de brincar
era a cor das anáforas desaforadas em cachoeiras
era era era uma vez a sustância de um poema que se sustentava.
3.
a fiação dos nós
ficar em nó
ou em ponto cego
numa mudez explícita
dançar em pó
ou em conto ego
em fOnTe mal resolvida
cantar sem dó
ou em dor de nó na madeira
como se pronuncia o caos
relembrar a vó
e pensar no voo
a cuidar do gosto da memória
amassar o pão de ló
ou esperar como jó
num enjoo só
apertar o cós
ou aprisionar o nó na garganta
em preço e tropeço vis
qual dos nós inventas desata:
o que se quer preso
ou o que se liberta no próprio desato?
a sina dos nós
nos confronta e nos ensina
a tensionar o fio
o nó que em si traz
o seu nó, seus nós,
e seu quebra-nozes.
4.
a trançadeira
as tranças dos cabelos dela
eram trejeitos
de onça menina.
a habilidade e o entrosamento de suas mãos
trançavam sonhos
de moça tigresa.
seixos de Sulamita de seios sexos sestrosos.
posava em sentida teia
em divina ceia
no cântico dos cânticos.
espalhavam-se continhas coloridas
enredadas em fileiras,
criando a sua imagem
à própria imagem.
a trançadeira – Sulamita – debulhava continhos de Ogum
semente a semente
em cântaros de destrancadas histórias.
de(s)rramada em sensualidades
de graciosidades sem desfecho
desata os nós de sua sacralidade.
essa Sulamita, suntuosa, fogosa.
5.
obá
tuturubá
que fruta!
doce
doçura
docinha
até o caroço.
na fonética
então
sumo discurso divino.
ao entoar
tuturubá
dava gosto na língua.
não havia
limite
para alcançá-
la
no mais alto e
isolado
galho.
quando caí
a
– ploft! –
mantinha-se
intacta
em seu amarelo
ubá.
seu som
seu sentido
ensinava a lição
do sabor
do gosto
do gasto
dos gostos.
tuturubá
obá!
6.
língua pra fora
um cachorro de boca aberta
mas não é o que se quer
uma vaca morta
mas não é o que deve ser
um exame médico de amígdala
mas não é isso, que ainda é pouco
um maratonista cansado
mas não é o que se intenciona
a língua embrulhada dos orixás
mas não é o que se encarna
a língua do linguarudo – linguado, solha –
mas não é a que o verbo aspira
a língua do dragão cuspindo fogo
mas não é o que está debaixo dos pés
a língua de einstein
mas não é o que se relativiza
a língua retalhada em pedaços
mas não é o horror que se quer
a língua maligna, histriônica, perversa
mas não é o que se pleiteia
a língua de deus: vai e vive!
mas não é o que se dá no caminho
a língua sedutora da serpente no paraíso
mas não é o que se delineia
a língua de trapo
mas não é o que se solicita
a língua de sapo linguando inseto
mas não é o que se anseia
a língua enrolada de cardíaco
mas não é o que se consulta
a língua pendurada no espeto de pau
mas não é a que se expõe
a língua de babel
mas não é a que se traduz
a língua solta na boca gargarejante
mas não é a que se higieniza
a língua do beijo de língua
mas não é a que se oferece
a língua de sherazade de fios de contos
mas não é com a que se conta e reconta aqui
a língua da banda de rock – kiss se beija –
mas não é a que se insinua
a língua impiedosa do boca do inferno
mas não é a que se barroquiza
a língua que julga com seu veredicto final
mas não é o que se impõe
a língua do fusca que fala
mas não é a que se move em máquina
a língua virtual da internet
mas não é a que se quer sombra e caverna
a língua dos pássaros que encantam
mas não é a que se naturaliza
a língua de quem tem sede e fome
mas não é a que se levanta em levante
a língua do silêncio e da paz
mas não é a que se acomoda
a língua do 171
mas não é a que ludibria e frauda
uma língua, sim, de metros e metros,
ou desmetrificada – tresvairada –?
língua pra fora, livre, aberta pelas palavras.
a língua mexida pelo avesso,
de temores e tremores, língua solta
que salta no precipício da imaginação.
Miguel Luís Fortes Bouéres, nascido em Bequimão – MA, filho de Alcides de Castro Bouéres e Hilda Fortes Bouéres, dos quais recebi profundo afeto, apoio e orientação, a fim de que ainda adolescente mudasse para Brasília onde pudesse ter melhores condições de estudo. Nas décadas de 80 e 90, respectivamente, concluí licenciatura em Letras e bacharelado em Direito, a alcançar, em seguida, a carteira da Ordem dos Advogados do Brasil. Esses ramos de conhecimentos me capacitaram para as profissões de professor e advogado. Ao mesmo tempo, a literatura fora o meu norte, um aroma que me encantava e embalava as minhas fantasias, que dava sentido à minha vida, sobretudo a poesia, cuja potência projetou-me em um mundo de inevitáveis dicotomias: a realidade e a utopia.
Belos poemas, um riquíssimo vocabulário desde a minha infância, ainda persiste por aqueles que amam literatura.
Bravo. Avante não deixe esquecido seus sonhos e livros!!
Todos muito emocionantes!
Muito legal!
O pé de Tuturubá,lembra a infância onde íamos comer dessa fruta..
Muito orgulho de vc.
Mil bjs
Parabéns Miguel pelos lindos poemas!!
Sábias palavras e como sempre,viajo junto com elas.
Que Deus continue te inspirando cada vez mais.
Um abraço
Nane
Caramba, que emocionante.
O Prof Miguel de Bequimão, como ele mesmo dizia, foi alguém que Deus colocou como meu professor no CEM setor leste para, além de ensinar, me orientar sobre o que eu precisava para ser alguém.
Graças aos seus conselhos, hoje sou concursado e bem sucedido na vida.
Obrigado, Prof. Deus te abençoe!