Por João Negrão
Quem esteve em A Gazeta naqueles primórdios da década de 90 veio encontrar um garoto moreno, imberbe, de sorriso doce e fácil, sempre atencioso até o findar da tarde. Dali a noite adentro aquele menino se compenetrava em revelar filmes que compareciam aos borbotões dos repórteres-fotográficos que iniciavam chegar da rua com as imagens que ilustrariam a edição do dia seguinte. Aquele menino era desde então um profissional proficiente.
Do laboratório da Redação de A Gazeta ali na rua Cursino do Amarante, esquina com a Filinto Muller, no bairro Quilombo, aquele menino veio se tornar um dos maiores repórteres-fotográficos de Mato Grosso. Pelas mãos da nata dos fotojornalistas de então, em especial de seu cunhado Jupirany Devillart, mas também de Otmar de Oliveira, Edson Rodrigues e Delcio JB, Fablício Rodrigues se formou e tornou-se um de meus melhores parceiros no cotidiano das reportagens.
Sair para a rua com Fablício naqueles idos da década de 90 era uma saborosa aventura. Não somente porque nossas pautas incluíam a cobertura de conflitos urbanos nos diversos “grilos” que pipocavam naquela “Cuiabá desvairada” de Silva Freire, assassinatos de meninas e meninos de rua, guerra de traficantes e um simples buraco na rua ou uma criação de leões em um velho motel da região do Coxipó.
A emoção também era sair da Redação rumo às pautas com aquele menino e seus sonhos, seus amores, seus relatos de encontros com o sexo, suas desilusões amorosas e de vida, conquistas e reveses que ele relatava ali tudo nu e cru sem filtro, como é próprio dos adolescentes e desprovidos de falso pudor. E eu o tinha como um irmão mais novo e um filho até e me sentia importante por deter dele a confiança que nutria em mim sobre seu crescimento como pessoa e profissional.
Fablício e eu choramos muitas vezes diante de injustiças e crueldades que presenciamos. Ele teve um histórico familiar de luta política progressista. Se não me engano seus pais, em especial a mãe, ajudou na sua formação política e Fablício era aquele menino que chegava em bairros extremamente pobres de Cuiabá, como uma Canjica da vida, e chorava ao ver a miséria humana ali, a poucos centímetros de seus olhos e coração.
Saímos quase que cotidianamente para cumprir pautas que transitavam da beleza de uma cachoeira como a da Chapada dos Guimarães ao terror daquele esgoto fétido que adentrava as casas de moradores desprovidos de toda a dignidade humana, inclusive bebês pré-maturos e insensatez que levava meninas à prostituição.
Aquele era o mundo que Fablício fotografava como quem queria levar ao público uma denúncia atroz, fazer submergir aquela imundície toda para escancarar a podridão das mazelas esprairadas pela periferia cuiabana.
Depois eu e Fablício tomamos rumos diferentes em nossas vidas profissionais, especialmente depois que voltei para Brasília. Ele amadureceu e tornou-se um homem lindo, sem perder seu ar de menino com aquele fascinante sorriso e ar de ingenuidade. Quem o conheceu sabe do que estou me referindo. Seu doce jeito de ser, seu carinho com as pessoas, em especial com os amigos, continuaram ali. Casou duas vezes, tornou-se pai de belas filhas e teve um neto.
De longe acompanhei suas publicações “Da Minha Sacada”, com fotos belíssimas e coloridas de Cuiabá. Ali percebi intensamente que, além de sonhos, Fablício me trazia muitas cores.
Em meus retornos a Cuiabá mantive diversos contatos com ele. Lhe informei sobre meu projeto de livro para falar da minha parceria com ele e outros repórteres-fotográficos com os quais trabalhei. Marcamos alguns encontros frustrados. Infelizmente não tivemos tempo de conversar. Fablício, no entanto, está marcado definitivamente em minhas memórias.
Adeus, amigo, menino que me inspirou para a vida inteira.
Voltei no tempo com seu texto João Negrão, parece que vivi tudo novamente – mesmo que da redação vivemos muito esta época-, lembrando deste menino que nos deixa, mas deixou muitas estórias a ser contada. Parabéns pela homenagem ao amigo!