22ª edição de ‘Toda Poesia’: Uma retrospectiva de quatro décadas de minha vida

Livro de Ferreira Gullar que ganhei aos meus 21 anos, ganho agora, 42 anos depois pela mesma ocasião de meu aniversário

Por João Orozimbo Negrão

Eu tinha 21 anos quando ganhei de aniversário o “Toda Poesia”, a primeira versão da antologia poética do grande poeta maranhense Ferreira Gullar.

Eram os idos de 1979 e eu vendia camisetas com versos de poetas como Gullar, Neruda, Bandeira e João Cabral, entre outros.

A camiseta com trechos de um poema de Gullar (“Homem comum”, viria saber depois) me cativou:

“Homem comum, igual

a você,

cruzo a Avenida sob a pressão do imperialismo.

A sombra do latifúndio

mancha a paisagem

turva as águas do mar

e a infância nos volta

à boca, amarga,

suja de lama e de fome.

Mas somos muitos milhões de homens

comuns

e podemos formar uma muralha

com nossos corpos de sonho e margaridas.”

A partir daí quis saber mais de Gullar e mergulhei em sua poesia, adquirindo primeiro “Dentro da noite veloz” e em seguida “Poema sujo”, para mim as suas melhores obras.

“Homem comum” está em “Dentro da noite veloz”, assim como o está “Por você por mim”, que descreve a Guerra do Vietnã com a mesma força poética que Drummond escaneia a Batalha de Stalingrado, em “A Rosa do Povo” com sua “Carta a Stalingrado”.

Ainda em “Dentro da Noite Veloz” há o célebre e denso poema que dá o título à obra. “Dentro da Noite Veloz”, o poema, traz um lírico e perturbador relato dos últimos instantes de Ernesto Che Guevara na Guerrilha Boliviana, do último combate no vale do rio Yuro até ser levado feriado para a cidade de La Higuera, para depois levar o tiro de misericórdia de um oficial nativo a mando do governo estadunidense.

“Poema Sujo” é uma obra épica, não só por sua narrativa de imenso fôlego. É um poema de um livro inteiro, um poema de quase 120 páginas, a depender da edição. Escrito por Gullar em seu exílio em Buenos Aires, Argentina, em 1975, e publicado no ano seguinte, “Poema Sujo” esquarinha a vida do próprio poeta, sua vivência de foragido da ditadura brasileira, mas especialmente a sua São Luis, a capital maranhense, uma espécie de metonímia do próprio Brasil.

Um de meus sonhos de viagem é percorrer um roteiro a partir das imagens que me trouxe Gullar dos vastos lugares de São Luís do Maranhão. Quase 50 anos depois, muito coisa mudou por lá, mas é meu desejo este passeio neste meu Brasil sãoluisense.

Outro livro que está na primeira edição de “Toda Poesia” é “Na Vertigem do Dia”. Ele praticamente dá início ao encerramento da fase revolucionária (alguns diriam “panfletária”) da poesia de Ferreira Gullar.

A segunda edição de “Toda Poesia” vem incluso “Barulhos”, que considero um livro transitório nas fases do grande poeta. É um livro que ainda mostra Gullar instigante, instigado e instigando, com poemas de conteúdo social e fortes imagens das estranhas e das entranhas dele e de todos nós, inclusive os incautos. São mesmo “Barulhos” – e necessários.

Com “Barulhos” as edições posteriores incorporaram as novas obras de Gullar: “Muitas Vozes” e “Em Alguma Parte Alguma”. Não tinha os dois últimos e nem os li. De 20 anos para cá havia “tomado abuso da cara de Gullar”. Ele, de um revolucionário poeta e militante, tornou-se um reacionário. Coisas da vida.

Agora, 42 anos depois de ser presenteado com a primeira edição em 1981, que infelizmente perdi nos empréstimos da vida, recebo um exemplar da 22ª edição por ocasião do meu aniversário. Este exemplar é mais que um livro: é uma retrospectiva de quatro décadas da minha vida.

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