Dez anos do Papa Francisco

por Padre José Ernanne Pinheiro (*) – Jornal Brasil Popular/DF em 23 de março de 2023

Celebramos, com grande alegria, dez anos do Papa Francisco à frente do governo da Igreja Católica. Dez anos de esforço de fidelidade, cada dia mais, aos primórdios do cristianismo nas pegadas de Jesus de Nazaré.

Quem é o Papa Francisco?

Um argentino, Jorge Mario Bergoglio, o Papa que vinha do “fim do mundo”, como ele mesmo se apresentou ao povo na praça de São Pedro no final do conclave em 2013.Tinha sido bispo, arcebispo e cardeal em Buenos Aires, capital da Argentina. Com algumas características próprias: o primeiro Papa Latino-americano, o primeiro Papa jesuíta. Seus gestos no primeiro contato com o povo já expõem seu modelo original: cumprimenta o povo com um “dom dia”, assume o nome de Francisco para expressar seu modelo à luz do santo de Assis – São Francisco. Com trajes simplificados, não só realiza a benção ao povo de Deus presente como se curva solicitando que este povo ore por ele.E mais. Deixando a moradia oficial do Papa, toma como moradia a pousada Santa Marta para estar próximo dos eclesiásticos que ali habitam. Tem demonstrado uma síntese na sua personalidade: a disciplina jesuítica e a ternura Franciscana, o que ganha a simpatia não só dos cristãos mas da sociedade atual ao estar mais próximo da população, sobretudo dos mais fragilizados – os pobres.

Sua base teológica

Com a boa formação que os jesuítas costumam oferecer viveu seu ministério nos anos imediatamente após o Concilio Vaticano (1962-1965), o grande momento profético da renovação eclesial. Também bebeu das fontes da Conferência de Medellin (1968), momento em que os bispos da América Latina fizeram o esforço hercúleo de refletir o Vaticano II no contexto complexo do nosso Continente. A Conferência de Medellin, com seus 16 documentos, oferece várias propostas para uma evangelização inculturada, inclusive para a teologia da libertação, tentando relacionar a fé com a vida do nosso povo sofrido e injustiçado.

A teologia da libertação deu seus primeiros passos no Peru, com o teólogo Gustavo Gutierrez, se estendendo para toda a América Latina, com traços próprios nos vários países.A Argentina assumiu uma denominação específica: a Teologia do povo, que muito marcou o nosso Papa Francisco. Para tanto, teve auxiliares competentes como o seu professor teólogo Lucio Gera e o filósofoJuan Carlos Scannone que muito o ajudou na sua formulação. Neste contexto, algumas marcas da teologia do povo levaram o cardeal Bergoglio na Argentina a valorizar mais a piedade popular com o estilo que a caracteriza com uma maior aproximaçãodos mais pobres. Caminho que leva o nosso Papa a defender evangelicamente mais tarde a Igreja em saída em sua ação eclesial e seus escritos. Com esta bagagem chega o cardeal Bergoglio ao Pontificado.

Seus escritos especiais

Não tenho condições neste breve espaço, de levantar a grande gama de escritos do nosso Papa. Vamos aos mais significativos e mais importantes com grande recepção da população:

– A EVANGELII GAUDIUM(Alegria do Evangelho)onde o nosso querido Papa já expõe pistas para o plano de governo do seu Ministério papal; nesta encíclica segue a metodologia do ver-julgar-agir onde desenvolve seus principais pressupostos para o Pontificado. Nela qualifica o sistema social e econômico neoliberal como “injusto na raiz”(n.59).

– A LAUDATO SI’ (Sobre o cuidado da casa comum) sobre a ecologia; aí elabora uma teologia ecológica;

–  A FRATELLI TUTTI (Sobe a Fraternidade e a amizade social)…

Além destas três grandes encíclicas acrescento ainda outrasExortações apostólicas para a evangelização específica do momento de Deus da Igreja e da sociedade: A AMORIS LAETITIA (sobre o amor na Família); a GAUDETE E EXSULTATE (sobre o chamado à Santidade no mundo atual); ea Exortação apostólica pós-sinodal: QUERIDA AMAZÕNIA (ao Povo de Deus e a todas as pessoas de boa vontade)…Acrescentaria ainda a recente Constituição PredicateEvangeliumonde  explicita uma grande preocupação com a renovação da Cúria Romana.

Focus principais destes importantes documentos.

Naturalmente sem exclusividade, chamaria a atenção para os mais expressivos, explicitando aspectos mais salientes nestes documentos:

– a justiça socialos pobres (“sonha com uma Igreja pobres para ospobres”),

– a paz (diz que “vivemos uma guerra mundial em pedações”);

– as migrações (não por acaso sua primeira viagem se realizou na ilha de Lampeduza, ponto de chegada dos migrantes africanos na Europa).

Podemos também caracterizar alguns avanços nesta sublime caminhada do Papa Francisco:

– A busca das periferias sociais e existenciais;

– Sua visão para além do Ocidente, dando prioridade, em suas viagens à

Asia e à África. Suas alocuções nestes continentes salienta a colonização ainda presente nos seus povos. Tem convidado cardeais destes continentes para o trabalho do Vaticano, no esforço de tornar a Cúria Romana mais internacional.

Mostra grande preocupação como diálogo inter-religioso, tendo contato com líderes de várias denominações, sobretudo com líderes islâmico-cristãos.

Naturalmente, também limites tem feito parte deste período com desafios enormes. Entre eles: falta de apoio dos governos para levar à prática suas preocupações; a falta de afinidade das Igrejas europeias, nem sempre à altura do momento crucial; resistência conservadora, mesmo entre cardeais, bispos, presbíteros, grupos de leigos/as…

O Papa Francisco tem se empenhado, nos últimos anos, de modo especial com os Sínodos, o sonho com a Sinodalidade de uma Igreja mais comunitária, ao trabalhar juntos em comunhão. Estamos em pleno período do seu maior sonho: o grande Sínodo que teve início em 2021 até 2024, onde a Igreja através das dioceses, Conferências episcopais, Regionais e Continentais procuram escutar o povo para tornar a Igreja mais próxima dos ditames doEvangelho. Esta experiência dos Sínodos periódicos já consta no Concilio Vaticano II, como tentativa de atualizar a ação do Espírito no decorrer da história com seus novos apelos.

Para terminar, alguns traços de sua estreita ligação com o Brasil. O Papa Francisco estima o nosso país, tem muito bom relacionamento com a Conferência Episcopal (CNBB), com as várias expressões eclesiais.

Masdestaco dois momentos:

  1. a) sua presença na Jornada Mundial da Juventude, em 2013, valorizando a missão dos jovens na Igreja. Na ocasião, também uma visita àMãe Aparecida, indo até ao Santuário, expressando grande devoção à Padroeira do Brasil;
  1. b) A valorização das Campanhas da Fraternidade, enviando, a cada ano, uma mensagem para a Igreja do Brasil por ocasião da Quaresma.

Neste ano de 2023, como tema a Fraternidade e a fome, sua bela mensagem pode ser resumida numa frase sua:

“…Com o intuito de animar o povo fiel nesse itinerário ao encontro do Senhor, a Campanha da Fraternidade deste ano propõe que voltemos o nosso olhar para os nossos irmãos mais necessitados, afetados pelo flagelo da fome. Ainda hoje, “milhões de pessoas sofrem e morrem de fome. Por outro lado, descartam-se toneladas de alimentos. Isto constitui um verdadeiro escândalo. A fome é criminosa, a alimentação é um direito inalienável” (Discurso no encontro com os Movimentos Populares, 28/X/2014)

(*) Por José Ernanne Pinheiro é membro da Comissão Justiça e Paz de Brasília e da Comissão do Laicato da CNBB; ex-assessor político (integrou a Comissão da CNBB de Acompanhamento da Constituinte; ex-assessor da CNBB do Setor Leigos e Política.

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