A desumanidade do presidente não pode ser esquecida

Ludmila Cerqueira Correia*

Nos últimos anos, e mais ainda neste 2022, algo tem me incomodado bastante: a expressão “pauta de costumes” relacionada ao governo Bolsonaro, utilizada frequentemente pelos órgãos de imprensa no Brasil para se referir à agenda de direitos humanos, sobretudo às violações desses direitos. São questões sobre: direitos sexuais e reprodutivos; direitos LGBTQIA+ e criminalização da homofobia; igualdade entre gêneros; igualdade racial; reconhecimento da diversidade; genocídio da juventude negra, letalidade policial, execução sumária e punição dos responsáveis; memória, verdade e justiça; educação de crianças e adolescentes; dentre outras.

Vamos pegar apenas uma manchete de 2021 para exemplificar: “Bolsonaro inclui pauta de costumes em lista de prioridades entregue ao congresso. Um dos projetos listados pelo presidente prevê isentar militares de punição em ações cometidas durante operações. Outra quer regulamentar a educação domiciliar de crianças.”1 Essas são pautas da agenda de direitos humanos e não se relacionam com algo individual, como se poderia supor quando se fala em “costumes”.

O que está em jogo quando boa parte da mídia brasileira faz este tipo de escolha? E isso depois de quase quatro anos desse governo cometendo atrocidades. Por que não fazer menção à expressão correta para este tipo de fenômeno bastante evidente no governo Bolsonaro? Estamos falando da ausência de uma “agenda de direitos humanos” e das inúmeras “violações de direitos humanos” cometidas por esse governo.

Ainda em 2019, o Conselho Nacional de Direitos Humanos aprovou um parecer que apontou 36 violações cometidas pelo governo Bolsonaro ao Programa Nacional de Direitos Humanos III2, vigente desde 2009 no Brasil. No mesmo ano, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados apresentou o relatório “Direitos Humanos no Brasil em 2019”3 na 42ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, com 26 itens que mostram a falta de compromisso desse governo com os direitos humanos. Além disso, a Anistia Internacional publicou o relatório “1000 dias sem direitos: as violações do Governo Bolsonaro”4, destacando 32 situações em que esse governo tomou atitudes que ocasionaram perda de direitos de brasileiras e brasileiros, de 01 de janeiro de 2019 até setembro de 2021.

Como se vê, só não vê quem não quer. E como diz o jornalista Franciel Cruz5, essa escolha ocorre porque “muitas vezes amplos setores midiáticos são apenas correia de transmissão da infâmia”. Até quando?

  • Baiana, inquieta, advogada popular e professora universitária na área de direitos humanos.
    1 https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/02/03/bolsonaro-inclui-pauta-de-costumes-em-lista-de-prioridades-entregue-ao-congresso.ghtml. Acesso em: 08/10/2022.
    2 https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/12/12/gestao-bolsonaro-violou-36-vezes-programa-de-direitos-humanos-diz-conselho.htm. Acesso em: 08/10/2022.
    3 https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/noticias/comissao-da-camara-dos-deputados-apresenta-na-onu-relatorio-sobre-violacoes-de-direitos-humanos-pelo-estado-brasileiro. Acesso em: 08/10/2022.
    4 https://anistia.org.br/wp-content/uploads/2021/09/1000-dias-sem-direitos-As-viola%C3%A7%C3%B5es-do-governo-Bolsonaro.pdf. Acesso em: 08/10/2022. 5 Ver: https://twitter.com/fsmcruz/status/1577474166785089536?s=46&t=CkLNYMXNGzfc7c8wRxwhcw

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