por Eduardo Xavier Lemos e José Geraldo de Sousa Junior (*) – JBP/DF
Inauguramos com este texto uma nova colaboração com o Jornal Brasil Popular que vai se denominar Coluna de Justiça e Paz. Em seu conteúdo, animado com a responsabilidade autoral do primeiro subscritor deste artigo, pretende-se dar concretude interpretativa a fatos que contribuam para a realização da política, enquanto “dimensão sublime da caridade” conforme orienta o Papa Francisco. Em suma, materializar a disposição, inscrita no tema que nos move: “Se queres a Paz, trabalha pela Justiça”.
Nesse sentido, essa primeira coluna, mais que tudo é um tributo, a um cidadão brasileiro que, confiando na Democracia Brasileira,em uma confraternização familiar, amistosamente, optou por exercer o seus direitos políticos garantidos pela Constituição Federal. Mais, de exercer o seu dever cívico de exaltar a democracia, celebrando sua livre manifestação política junto de seus amigos e familiares.Marcelo Arruda, assim como a grande maioria dos brasileiros e das brasileiras, confiou que ao reservar o espaço de lazer de uma associação, e, ao exaltar a democracia e sua posição político partidária, em festa com seus próximos, acreditou que seria respeitado em sua intimidade, que, jamais teria sua integridade física ou a própria vida imolados por simplesmente exercer seus direitos fundamentais em um país (em tese) democrático.
De certa forma, o assassinato de Arruda escancara uma série de atentados que estão acontecendo por todo o Brasil, sendo esse caso o mais grave deles.Como percebemos, por todas as regiões do país, candidatos e eleitores, têm tido sua liberdade de manifestação políticarestringida, sendo constrangidos e ameaçados, sofrendo atentados contra a vida e a incolumidade física e psíquica, o assassinato de Marcelo não pode ser interpretado e investigado de maneira isolada, sem contextualizar o que acontece por todo o país nos tempos atuais.
Nesse contexto reforçamos aqui as preocupações de muitos colegas quanto ao açodamento em encerrar as investigações do homicídio e, especialmente, o não aprofundamento do relatório final do inquérito quanto a eventual motivação política e/ou de ódio que teria ocasionado o assassinato.
Notícia com grande repercussão dá conta de que o segurança da Itaipu Binacional Claudinei Coco Esquarcini, tido como o “responsável pelo fornecimento de senhas” das câmeras de segurança na Aresf, a Jorge José da Rocha Guaranho, acusado de assassinar Marcelo Arruda que assim, viu imagens do aniversário da vítima antes de ir ao local e matar o guarda municipal e tesoureiro do PT (Partido dos Trabalhadores), teria cometido suicídio na manhã deste domingo.
Para quem aprendeu a pensar como Sherlock Holmes, mergulhando na mente mais arguta da história da literatura, tal como Conan Doyle dotou o seu personagem, o seu método de pensamento requer atenção e disciplina, um tanto de ceticismo natural, mirada inquisidora, curiosidade e energia, sabendo que quando numa investigação abundam as coincidências, é porque não é coincidência. É necessário investigar mais.
Para Joseph Bell, o médico forense em quem Doyle se inspirou para a sua criação literária, qualquer inquérito, seja forense, científico ou em outro processo de investigação, deve seguir três etapas: observar cuidadosamente, deduzir com astúcia e confirmar as evidências. Tudo que faltou no inquérito e no entorno da ação policial do assassinato de Marcelo Arruda: afastamento da delegada, designação de outra investigadora, aceleramento do procedimento e uma extemporânea ênfase de descaracterizar motivação política do ato criminoso.
Ao nos debruçarmos sobre os termos de encerramento do inquérito, saltou aos olhos depoimentos que confessavam descabidas relações de intimidade do algoz com a vigilância da associação,tendo amplo acesso ao monitoramento de câmeras e inclusive realizando patrulhamentos na associação. Mais que isso, causou estranheza que no relatório final do inquérito policial não foi advertida a nota de premeditação do atentado, tendo por vista que o mesmo teve conhecimento da festa de aniversário após ser informado pela equipe de segurança de que uma festa temática lá acontecia, despertando imediata reação de contrariedade, seguindo-se, ato contínuo, o deslocamento para o ambiente onde se consumou o assassinato de Arruda. Ainda, teria colocado uma música temática eleitoral de seu candidato político e ao chegar na festa, e posteriormente assassinar Arruda, teria proferido as seguintes frases: “Aqui é Bolsonaro, vou matar todos vocês”, “Vou matar todo mundo” “Aqui é Mito”, “Lula na cadeia”.
De fato, causa estranheza que umafesta temática de aniversárioonde uma família e amigos manifestavam seus direitos políticos, acabe por despertar tamanha raiva e ódio, a ponto de dezenas de pessoas serem ameaçadas e a vida de um ser humano ceifada. Como mencionamos, não há como apurar tais fatos isoladamente, eles se situamem um contexto mais amplo, em um tempo-espaço onde estímulos a agressão de adversários políticos tem acontecido constantemente, onde ameaças e constrangimentos tem sido reiterados, sendo Marcelo Arruda a maior das vítimas.
De bombas explodindo, tiros, espancamentos, xingamentos, até espargimento de excrementos naqueles e naquelas que estão por exercer seus direitos políticos assegurados pela Carta Maior,todos eles acontecidos em plena pré-campanha eleitoral do pleito de 2022.Os atentados que estão por repetir-se, acumulados com o assassinato de Marcelo Arruda devem alertar todas e todos, especialmente as autoridades não só por seu crescendo mas pela maneira como estão a intensificar-se. Começaram com agressões verbais, passaram a arremessos de excrementos, posteriormente agressões físicas e agora a morte de uma pessoa, sem que as autoridades busquem as causas e estabeleçam conexões a outros fatos tão graves quanto o de Marcelo Arruda, o que pode estimular novas ações.
A partir desse ponto, medidas maiores tem que ser tomadas, as investigações do homicídio de Marcelo Arruda precisam ser aprofundadaspois, como procuramos demonstrar,os acontecimentos não são desconectados, e assim, não podem ser investigados isoladamente, mas sim trata-se de um todo complexo justificado por uma cadeia de eventos, situados em um tempo que necessita de maior aprofundamento das autoridades, para situar onde, quando, como e porque tais atentados políticos passaram a realizar-se no pleito de 2022.
Nesse diapasão é notório que a regionalização das investigações não permitirá abranger a complexidade dos fatos, uma vez que isolará e descontextualizará o fenômeno. De fato, são atentados acontecidos em diferentes regiões do país e quase que simultaneamente, se fazendo necessária a federalização das investigações para que possa perceber a dimensão nacional dos acontecimentos e, inclusive, a eventual interligação do fato com outros acontecimentos, a comunicação dos autores, o estímulo provocado por grupos organizados, até mesmo a já apontada premeditação. O requerimento da família da vítima para que o Ministério Público requisite a reabertura do inquérito é um passo necessário no interesse da melhor investigação.
É, também, necessário repensar dispositivos penais para que, a luz dos acontecimentos,se faça a readequação do ordenamento brasileiro ao novo contexto, assim adequando dispositivos para a delinquência política, que não é comum, é qualificada, é atípica, portanto mais gravosa, mais intensa, e, que não pode ser equiparada a crime convencional. Valendo ressaltar que não se trata de aventura jurídica, mas sim de situar no tempo o que outras experiências penais exógenas[1] já regulam há bastante tempo.
Ademais, se faz necessário um olhar mais atento da sociedade civil e das autoridades, inclusive com a destinação de uma comunhão de forças e grupos especializados para tratar da violência nas eleições de 2022. Aqui falamos de um verdadeiro agrupamento dos tribunais eleitorais com as procuradorias e as forças policiais, amparados pela sociedade civil organizada, tendo por escopo garantir eleições livres e democráticas no Brasil nesse ano, garantindo a todo cidadão (eleitor ou elegível) o exercício pleno de seus direitos políticos.
Que a morte de Marcelo Arruda não seja em vão!
[1]Exemplo do Código Penal Português em seu art. 132º que dispõe do Homicídio Qualificado, 2- f) Ser determinado por ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica ou nacional, pelo sexo, pela orientação sexual ou pela identidade de género da vítima; ou mesmo do Código Penal Espanhol em seu art. 607 que dispõe De los delitos de lesa Humanidad – En todo caso, se considerará delito de lesa humanidad la comisión de tales hechos:1.º Por razón de pertenencia de la víctima a un grupo o colectivo perseguido por motivos políticos, raciales, nacionales, étnicos, culturales, religiosos, de género, discapacidad u otros motivos universalmente reconocidos como inaceptables con arreglo al derecho internacional.
(*) Por Eduardo Xavier Lemos e José Geraldo de Sousa Junior. Os autores são, respectivamente, presidente e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília.
Parabéns pelo belo artigo deveria mandá-lo para delegada do caso