O Direito Achado no Cárcere Amapaense: uma abordagem a partir do Direito Achado Na Rua.

Publicado na Gazeta do Amapá

“Em visita realizada nesta sexta-feira (24) ao Instituto de Administração Penitenciária do Amapá (IAPEN), a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados (OAB/AP) classificou como “deplorável e insalubre” as condições de reclusão dos internos. A inspeção ocorreu em dois pavilhões, no refeitório e na enfermaria do presídio.” (G1 AMAPÁ)

Atualmente, a situação não mudou muito porque alguns Agentes Penitenciários que formalizaram pedido judicial em virtude da situação insalubre do local de trabalho ganharam na Justiça o direito a receber indenização por insalubridade em virtude de laborarem em um ambiente insalubre, conforme Laudo juntado com a petição inicial, que concluiu – Risco Físico: Paredes com infiltrações, celas com excesso de umidade, ventilação insuficiente gerando calor prejudicial à saúde. Risco Biológico: Contato direto risco biológico através vírus através de secreções dos detentos, fungos pelas condições do ambiente interno do IAPEN, parasitas pelas condições precária de limpeza, bactérias e outros microrganismos. (www.jusbrasil.com.br). Em 2019 foi proferido uma sentença nos autos do nº 002702-94.2019.8.03.0001 (ordem 08) determinando a suspensão das múltiplas demandas sobre a matéria em trâmite. 

Diante desse quadro de comprovação de descumprimento, violação de direitos fundamentais e negação direitos, tais como direito à saúde, ao ambiente asseado que formalmente previstos na Constituição e nas Lei de Execução Penal é possível falar em direito fora da órbita do direito estatal? ou seja, existe direito achado no cárcere Amapaense?

Defendemos que existe direito achado no cárcere Amapaense, apesar dos defensores da teoria monista ou unitária do direito descartarem tal possibilidade. A nossa defesa se baseia em uma concepção de direito que já existe há mais de 30 anos, o Direito Achado na Rua, que é definido de forma bastante precisa pelo Professor José Geraldo de Sousa Júnior como: 

O Direito Achado na Rua‖, expressão criada por Roberto Lyra Filho, designa uma linha de pesquisa e um curso organizado na Universidade de Brasília, para capacitar assessorias jurídicas de movimentos sociais e busca ser a expressão do processo que reconhece na atuação jurídica dos novos sujeitos coletivos e das experiências por eles desenvolvidas de criação de direito, a possibilidade de: 1) determinar o espaço político no qual se desenvolvem as práticas sociais que enunciam direitos ainda que contra legem; 2) definir a natureza jurídica do sujeito coletivo capaz de elaborar um projeto político de transformação social e elaborar a sua representação teórica como sujeito coletivo de direito; 3) enquadrar os dados derivados destas práticas sociais criadoras de direitos e estabelecer novas categorias jurídicas (SOUSA Jr., 2008, p.193) (LEMOS, P. 43)

Por outro lado, a teoria monista prega a ideia que só há direito se ele for positivado, ou seja, se estiver escrito, sacramentado na lei, conforme demostra Lemos:

“O monismo jurídico é a concepção, consolidada ao longo da modernidade, segundo a qual o Estado é o centro único do poder e o detentor do monopólio de produção das normas jurídicas. Enquanto sinônimo de direito estatal, o direito encerra-se nos textos legais emanados do poder legislativo. Nesse contexto, a lei vale pelo simples fato de ser a lei, de modo que sua legitimidade advém da mera observância dos procedimentos previamente 13 estabelecidos, isto é, das normas que regulamentam o processo legislativo.” (CARVALHO in WOLKMER; VERAS NETO; LIXA, 2010, p.14 apud LEMOS, 2012, p. 12)).

Eduardo Xavier Lemos entende que pelo caráter prático, bem como o humanismo dialético, que propunha uma visão de direito que servisse às ruas e à população e estivesse atenta à produção jurídica que os grupos sociais desenvolviam em sua práxis, harmoniza-se com a ideia de pluralismo jurídico, {o qual é definido como}:

“Para começar há de se designar o pluralismo jurídico como a multiplicidade de práticas existentes num mesmo espaço sociopolítico, interagidos por conflitos ou consenso, podendo ser ou não oficial e tendo sua razão de ser nas necessidades existenciais, materiais e culturais.” (WOLKMER, 2001, p.219).

Percebe-se, assim, uma forma de compreender o fenômeno jurídico que se distancia da figura central do Estado. Aqui se compreende o direito como manifestação independente da imagem estatal, pois ele surge da expressão e pode ou não ser oficial, permanecendo com seu caráter autêntico e legítimo. (LEMOS, 2012, P.15).

Após apresentar o fundamento teórico na qual se firma a nossa convicção passaremos aos aspectos práticos que envolvem o descumprimento, violação de direitos fundamentais e negação direitos. Ao menos teoricamente a Constituição e a Lei de Execuções penais “asseguram” os direitos das pessoas presas e mesmo privados de liberdade que o preso deve manter seus direitos de cidadão e deve ter acesso a educação, saúde, assistência jurídica e trabalho para remissão da pena. 

Mas como podemos notar na reportagem de 2014 produzido pelo G1 Amapá esses direitos não são cumpridos pois as celas apresentam condições insalubres para convivência humana pela presença de parasitas, bactérias e outros microrganismos. Cabe ainda destacar que segundo informações obtidas do Dr. João Matos da, Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Macapá, o Instituto Penitenciário não dispõe de uma equipe de saúde como estabelece a Portaria Interministerial n. 1.777/2003, editada pelos Ministérios da Saúde e Ministério da Justiça que define que presídios com mais de 100 presos devem ter permanentemente uma equipe de saúde vinculada ao SUS, trabalhando por 20 horas semanais e destinando-se ao atendimento de 500 presos. Logo, se um presídio tem lotação de 1000 presos, serão necessárias duas equipes naquele mesmo nível de dedicação. (SILVA). Segundo informações obtidas no portal do Estado do Amapá esses serviços são prestados pela Secretaria de Saúde do Amapá, através de um acordo de cooperação técnica firmado com o Instituto Penitenciário, desde abril de 2018.

 O principal argumento utilizado para defender “o direito achado no cárcere” provém da dissertação de mestrado com o tema Direito Achado na Rua, pluralismo jurídico, teoria crítica dos Direitos Humanos e a luta por direitos no presídio regional de Pelotas defendida pelo Professor Mestre em Direito Eduardo Xavier Lemos na Universidade de Brasília em 2012, que ao final de seus estudos concluiu que: 

Tem-se aqui, comprovada nos depoimentos dos apenados, a característica apresentada nos variados grupos teóricos trabalhados, que é a luta por direitos dos sujeitos sociais oprimidos, no caso, os aprisionados no presídio regional de pelotas, a partir do processo de negação de direitos, do soterramento de sua voz e de suas garantias. Acaba, assim, a acender-se uma nova chama por direitos. (LEMOS, p.139)

Portanto, diante do descumprimento, da negação, da violação dos direitos formalmente previstos na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Execuções Penais e amparado em uma pesquisa jurídica de caráter empirista é que defendemos que existe o Direito achado no Cárcere. Essa posição foi sustentada na concepção do Direito Achado na Rua na sua face pluralista como uma maneira de emprestar a “minha voz” e a voz dos idealizadores dessa teoria tão pujante aos excluídos, desvalidos e oprimidos do Instituto Penitenciário do Amapá, como forma de ecoar aos quatro ventos as suas reivindicações por mais dignidade, humanidade e justiça no sistema carcerário Amapaense, pois como já disse o professor José Geraldo de Sousa Júnior: 

[…] é fundamental afirmar: pertencendo ou não a organizações criminosas, os presos, em sua condição de exclusão, conservam uma reserva inalienável de cidadania, que deve encontrar formas de reconhecimento e de exercício (SOUSA Jr., 2006, p.3). (LEMOS, p.118).

Convidado
Antero da Gama Machado
Mestrando do Minter IFAP/UNB

​JOÃO GUILHERME LAGES MENDES é professor universitário da UNIFAP, Graduado pela UFPA; Mestrando da UnB, Desembargador do TJAP e Vice-Presidente e Corregedor Eleitoral do TRE/AP

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