O que não falei sobre Brasília, o tempo dirá por mim¹

Certa vez, contaram-me a história de um seringueiro, filho de pessoas escravizadas, que sentia uma inexplicável atração pelo Norte do Brasil. Que durante suas andanças não entendia muito bem o porquê, mas sabia que era para lá que deveria seguir. Seguiu. E se tornou um mestre espiritual.

Essa mesma mística parece ter guiado o padre São João Bosco a indicar um lugar, próximo ao lago, entre os paralelos 15 e 20 do hemisfério sul, onde seria a Capital do Brasil. Aqui na cidade dos planos conheço um cigano que não se enganou.[1] Pronunciou na leitura: “a cabeça pensa onde pisam os pés”.[2] Uma profecia? Por que pensar com os pés em Brasília?

Por que a cabeça pensa rodeada de vermelho, rosa, laranja, amplo, aberto, a noite, iluminado céu de Brasília? Céu de Brasília, traço do arquiteto, gosto tanto dela assim![3]

Se falar do céu de Brasília é clichê, deve ser dos clichês mais bonitos.

Mas mais bonitos que ver florescer os ipês? Roxo, rosa, amarelo e finaliza com o branco, a cerejeira do cerrado.[4]

Mas mais bonitos os ipês ou as margaridas? Em Brasília as margaridas marcham!

A cabeça pensa onde pisam os pés. Então serão as marchas? Os protestos? As greves? Os breques?

Será andar entre os pilotis, estar nos sindicatos, deitar no gramado infinito da esplanada?[5]

Crescer na Colina? Caminhar na UNB?[6] E como essa, descentralizar Brasília?

É com certeza para pensar plural, escutar com todos os sotaques, viver no mesmo dia com tanta gente cultural e regionalmente autêntica, diferentes entre si, magicamente conectadas. É para viver, candango!

Candango, palavra musicada: Oi você, que vem de longe caminhando há tanto tempo. Que vem de vida cansada carregada pelo vento. Oi você, que vai chegando, vá entrando tome assento.[7]

Brasília, também musicada: Legião Urbana, Natiruts, Móveis Coloniais de Acaju.

Brasília de GOG, do Brasil com P.

Brasília de Ellen Oléria, Flora Matos, Bia Ferreira: cota não é esmola.[8]

Brasília da UNB, a pioneira.[9]

Brasília de Darcy Ribeiro, d’o povo brasileiro.

Brasília da NAIR. Brilhante, luminosa, cheia de luz.

Brasília de Direito Achado na Rua, do direito como liberdade, a mais marginal das poesias que pude encontrar bem no meio da rua. E são muitas poesias na rua:  Não tem lei que cale as ruas.[10]

Brasília dos movimentos sociais, coletivamente organizados na busca por liberdade.[11]

Brasília de ocupações: música na piscina, Vila Telebrasília (aqui tem história, faixa na entrada[12]), Acampamento Terra Livre, livre e atemporal.

Brasília de minhas amigas e amigos de todos os cantos. Em todos, encantos.

Brasília candanga, de quem escolha estar e se deixa ficar.

Brasília das oportunidades, mas das desigualdades.

Norucongo.[13] Por isso, Brasília, há de ser permanente palco planalto da incessante luta por libertação e liberdade.

(Então não é mística, é liberdade? É liberdade mística?)

 Ah, minha Brasília! Brasília nossa!

Quase que me sinto em casa em meio a suas asas[14]: sinto sem quase.  

De São José do Rio Preto para Brasília, 21 de abril de 2022.

REFERÊNCIAS

[1] Música Brasília, de Sérgio Sampaio.

[2] Frase dita pelo Prof. José Geraldo em uma das aulas na disciplina “O Direito Achado na Rua”.

[3] Música Linha do Equador, de Caetano Veloso e Djavan.

[4] Samantha Braga Guedes.

[5] Meilliane Pinheiro.

[6]  Danielle Almada Rodrigues.

[7]  Poema Vento de Maio, de Torquato Neto.

[8]  Música Cota não é esmola, de Bia Ferreira.

[9]  Artigo “As universidades e seu papel para a promoção da cidadania e a defesa dos direitos fundamentais”, Márcia Abrahão Moura e Mônica Nogueira. Volume X da Série “O Direito Achado na Rua”.

[10]  Um dos muros citados em Descobri que as formigas gritam, artigo de Raquel Bartholo no livro Cuidadania – Construir coletivamente o igual no diferente.

[11]  Referências das aulas com Prof. José Geraldo na disciplina “O Direito Achado na Rua”.

[12] Idem.

[13]  Termo utilizado pelo Prof. Isaac Roitman para explicar a gritante desigualdade do DF: Lago Sul com IDH maior que da Noruega, Estrutural com IDH menor que o Congo. Disponível para leitura em: https://www.abc.org.br/2014/02/11/norucongo-no-quadrilatero/.

[14] Música Brasília, de Sérgio Sampaio.

Por Luara Borges Dias, advogada, Direito do Trabalho

Publicado em LBS Advogados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *