Na primeira metade da década de 80 eu troquei correspondência com Salvador Ribeiro.
Quem é Salvador Ribeiro?
A mim é um dos grandes poetas goianos, quiçá do Brasil!
Conheci Salvador na antiga Escola Técnica Federal de Goiás, onde estudei. Me veio pelas mãos de um certo Junior.
Pausa para falar de Junior. Parênteses.
Anísio Junior, formado lá em Agrimensura, como Salvador, Junior foi meu vizinho de bairro, meu amigo incondicional, foi o grande mentor intelectual de minha adolescência e juventude, uma influência extremamente positiva para minha formação geral. O cara que me compartilhou tudo que admiro de muito bom que carrego até hoje na minha existência. Junior continua, desde sempre, um mar de bondade, de sensibilidade e amor espalhado numa única pessoa até hoje, mais de 40 anos de amizade, ainda que interrupta por espaços e tempos.
Fecha parênteses.
Voltemos a falar de Salvador Ribeiro.
Acompanhei a vida poética dele em vários momentos, especialmente quando organnizei, com amigos, incluindo a querida Alice, irmã do Junior, evento cultural na escola Bárbara S. no Jardim Novo Mundo, em Goiânia, e ele nos levou seu “Poema Cartaz” vitorioso em concurso naquele ano (não me lembro qual).
Só sei que estávamos nos estertores da ditadura militar e nosso evento sofreu um atentado, tendo como vítima justamente aquele poema-cartaz de Salvador Ribeiro. Destroçaram o cartaz do poema.
Depois fui para Mato Grosso, me integrei a uma forte luta política por lá, enfrentando latifundiários, a UDR e a TFP e os poemas de Salvador Ribeiro foram meus alentos, minhas inspirações de luta.
Trocávamos correspondências e ele me enviou seus poemas.
Dentro do que pude os publiquei, especialmente num jornal de massas que editadava, o Mutirão, e depois num jornal comercial que passei a ser chefe de Reportagem e editor.
Estive em Goiânia recentemente e tentei contato com o Salvador. Ele, no entanto, está de cerrta forma incomunicável devido a infermidade. Meu amigo Junior intermediou uma conversa com a Maria, irmã dele.
Meu propósito, a informei, é publicar o Salvador Ribeira. Á exceção de uma única antologia da qual ele participou – “Vento Novo”, resultado de um dos vários concursos poéticos do qual ele participou – Salvador é um poeta inédito.
Na minha humilde opinião, a poesia goiana e brasileira não pode prescindir dos textos de Salvador Ribeiro.
A poesia de Salvador Ribeiro e sua presença física, sua serenida compelida me fez bem para sempre. Saudades dele.
Espero que Maria e seus irmãos entendam que está aqui um admirador de Salvador Ribeiro que quer esse grande poeta sendo admirado também por outros amantes da poesia.
Enquanto isso, compartilho com vocês os poemas que Salvador Ribeiro me enviou no período em que trocamos correspondências.
NA HORA DA VIDA
é para que se faça o amor
decerto
que um homem limpa, sem medir, o sal
do rosto, a roça
na agricultura do tempo (planta) seu corpo
semente semptre nova.
para que se faça o amor
decerto
é que alguém resgata, sem pedir
licença sua vida pouca
e já não espera a parte que lhe cabe
com a mão na boca.
para que se faça o amor
decerto
é que alguém faz sinais
escreve nomes
e no chão aceso das guerrilhas
deixa uma gota de sangue.
para que se faça o amor
decerto
os namorados caminham
sob os ventos de um verão ferido
e como num postal, reascedem
as invisíveis tardes de domingo.
para que se faça o amor
decerto
é que nem semprese dá a outra face.
é que se morre.
é que se nasce.
ALFABETO
não mais que o essencial :
o cerne dessa árvore,
mesa partilhada.
ou a pele
como um clarão sobre lençóis
convidando para o amor.
(o corpo é a residência
sem vigas e tapumes
residência imediata
onde guardamos a esperança
a cólera e o riso).
não mais que o essencial
o coração a bater
por exemplo
a noite interrompida.
os pássaros buscam o território
da manhã
o homem caminha
e vai compondo
as vogais do sonho
e do chão,
alfabeto vivo
sem lição.
O que Somos, Não
em verdadee
recebemoss herança
muito avara:
uma cartilha
que ensina o medo
seus relhos
e haveres.
em verdade
nosso quinhão é bem farto:
hectares de fome
e gastos protelados
porém
nossos slogans
são outros
nossos gritos
roucos
e loucos
densa
é flor da vontade
dentro de nossas mãos
ao longo do sangue
e seus domínios
LIÇÃO DE ARTESANATO
por exemplo
ofício de oleiro
é modelar o barro,
seus dedos
a lavadeira, por
exemplo, sabe cantigas do sol
e vai clareando a água
da roupa.
lavrador guerrilheiro
. Poeta o ofício do homem
é tecer em fios e flor
do dia/ e respirá-la
inda que a lição de amor seja breve
e rara;
GUERRILHEIRA
(para m. lúcia petti)
o vôo mais rente
a rosa mais trágica.
a brasa que move
a queimadura mágina
II
Cassarão os aramados,
esse punhal de pranto
essa vereda de mágoa.
arranca o meu sangue
borda as lanças, os fuzis do sol.
Arranca o seu sangue
rega essa trilha clara
e civil, semovente
flor de cqctus.
Brande essa viola de pólen,
arranca um solo sol-
idário
para a manhã mais simples,
que nascerá de teu corp
e não será provisóeria.
Perspectiva camponesa
soletras a luta, a luz
crua
o dia
agrário.
como um gume
de arado
vai tua mão
teu olhar aceso
passando a fio da enxada
as plantações do medo
no gume dos arados
as coisas mínimass
argila
a vida viva
apenass
O SONHO, AS FERRAMENTAS
O nome do mundo
é duro e contundente
e nenhuma língua soletra
essemruído incessante
e completo.
em todo lugar esstá o homem
em suass veias arde
um sangue de fogo e neve e canções
e fuzis
os arrozais do vietnã florescem
entre pantanos e sucatas de guerra
como presença eles florescem
no chade cicatrizes entreabertas
que se repetem na américa
lá está o homem
em toda parte está o homem
com seu farnel de esperança
e ferramentas prontas.
porque o amor
não é um cálculo exato, equação
logarítmica.
é um homem uma mulher um unção
e faze-se junto ao mar, na relva
no mais fundo chão
de incêndio
o íntimo lençol da noite
transitória
tudo pode mudar
a terra pedregulha um pedaço de horta
o barro organizaado é uma casa
muitas vozes juntas um canto de celebração.
as ferramentas.
tudo pode mudar:
os andaimes e a vida.
POEMA DE SOLETRAR COM A MÃO
ah esse gresto de soletrar
a pedra
e dela extrair
a palavra impura
e rar
como sal na língua
esse gesto de soletrar
claridade e extrair
da paixão
essa chama de crepitar incerto
esse afeto desmedido
que abastece a vida
esse gesto de não estar só
e se inscrever na ciranda dos homens
Inda é necessário o encanto
de uma estrela caindo
na madrugada dos olhos
mesmo que a dor do amor
não seja rasa e breve.
Inda é necessário
esse gesto de soletrar e sangue
inventando pássaros
esse mergulho em lança.
urânio invisível
que faz explodir
o sol subjugado
da desesperança.
VIGÍLIA
ponta de luz:
a golpes de sabre
não se
fere
o que fora/
ou dentro
arde.
a sede dos tristes
por exemplo.
ou
um chão salpicado de sol
feito primavera
nos olhos do camponês.
a golpes de sabre não se
ferre a fé a utopia e a lúcida
poesia
escrita no gume dos arados.
ah coração
campo impreciso por
onde transitam mulheres
e algemas,
roçado de ervas
prontas.
queima esse ramo,
esse mel
agora
– que amor
não é um incêndio
póstumo
CANÇÃO DA RAIZ NECESSÁRIA
quero a canção mais simples
um homem um cavalo um arado
o ventre da terra
cada sulco é uma canção
um graveeto, um grão de argila
o suor do rosto.
quero a cação
belae necessária: o pão
acesso em cada
mesa.
quero a canção mais simples
a terra vestida de musgo e folhagem
cheiro de mel e cinzas,
nos roçados do amro.
quero a canção
bela e necessária: o lavrador
amanhando a terra
sua, acesa como um pão
na mesa.
Quero a canção da gente humilde
que sabe soletrar apenas
a palavra luta.
quero a canção primavera sem míssil
quero a canção dos arames despedaçados
e das raízes que não desistem.
quero a canção do vento ondulando os trigais
e os cabelos
de meninos sem fome.
quero a canção dos nascimentos
e dos caminhos
visíveis.
Fantástico. Trabalhamos juntos na prefê de Gyn. Grande Salvador! Grandes poemas! 🥂