Por José Geraldo de Sousa Junior
Participei, nesta semana (dia 8/11), no espaço da Comissão Justiça e Paz de Brasília, de mais uma Conversa de Justiça e Paz, evento mensal que se realiza já há quatro anos, antes presencial e, na conjuntura, de forma remota.
Com meu colega Daniel Seidel, recebemos, uma segunda vez, o padre Júlio Lancelotti. Em ambos os encontros a motivação foi o lançamento da mensagem do Papa Francisco, para o Dia Mundial dos Pobres, neste ano de 2021, marcado para o dia 14 de novembro.
O Dia Mundial dos Pobres é uma celebração católica romana, comemorada no 33.º domingo do Tempo Comum desde 2017. Foi estabelecido pelo Papa Francisco em sua Carta Apostólica Misericordia et Misera, emitida em 20 de novembro de 2016 para comemorar o fim do Jubileu Extraordinário da Misericórdia. A cada ano o Papa nos convoca a abrir a nossa sensibilidade para compreender as exigências dos pobres, enquanto esses estejam entre nós e, como anuncia o Evangelho, com a palavra de Jesus: «Sempre tereis pobres entre vós» (Mc 14, 7).
É por isso que pensar nos pobres com disponibilidade sensível, é ter em mente o modo como o Padre Lancelotti exercita a sua vocação pastoral, na mais espontânea e misericordiosa disposição de fraternidade: “Sinto-me humanizado. Eu sinto que estou do lado que Jesus gostaria que eu estivesse”.
Tal como o padre Júlio, com seu avental de serviço e sua marreta simbolizando romper com os obstáculos do egoísmo e da indiferença que desumanizam, assim também deveríamos nos sentir. Para melhor atender ao apelo do Papa Francisco:
“Faço votos de que o Dia Mundial dos Pobres, chegado já à sua quinta celebração, possa radicar-se cada vez mais nas nossas Igrejas locais e abrir-se a um movimento de evangelização que, em primeira instância, encontre os pobres lá onde estão. Não podemos ficar à espera que batam à nossa porta; é urgente ir ter com eles às suas casas, aos hospitais e casas de assistência, à estrada e aos cantos escuros onde, por vezes, se escondem, aos centros de refúgio e de acolhimento… É importante compreender como se sentem, o que estão a passar e quais os desejos que têm no coração. … Os pobres estão no meio de nós”.
Tarefa árdua. Apesar de muito reconhecimento – só em 2021, o padre Júlio recebeu pelo menos três reconhecimentos: o prêmio Zilda Arns, criado pela Câmara dos Deputados em 2017 para reconhecer pessoas e instituições que trabalham ativamente em defesa dos direitos das pessoas idosas; o 7º Prêmio Dom Paulo Evaristo Arns, da Prefeitura de São Paulo, tendo alcançado um número recorde de indicações – 15.598 de um total de 16.643, seguindo um processo de escolha feito por meio de um edital de chamamento público, com um formulário online aberto à sociedade civil; e agora em novembro, o Colar de Honra ao Mérito, a mais alta honraria da Assembleia de SP por sua ação em face da pandemia de Covid-19 e pela defesa de direitos humanos.
Não obstante, há sempre vozes ainda insensíveis que não compreendem a dimensão solidária dessa disposição de humanizar-se, ocultando-se por trás de biombos escamoteadores das frases feitas e das posturas higienizadoras quando não criminalizadoras. Para elas vale a admoestação do ex-Presidente Mujica: “Os setores proprietários dizem que não se deve dar o peixe, mas ensinar as pessoas a pescar. Mas quando destroçamos seu barco, roubamos sua vara e tiramos seus anzóis, é preciso começar dando-lhes o peixe”, ou pelo menos orientar as dotações do orçamento para implementar políticas públicas.
É a que exorta o Papa em sua mensagem: “É decisivo aumentar a sensibilidade para se compreender as exigências dos pobres, sempre em mutação por força das condições de vida. Com efeito, nas áreas economicamente mais desenvolvidas do mundo, está-se menos predisposto hoje que no passado a confrontar-se com a pobreza”.
Daí que o padre Júlio, com o Papa, conforme a sua mensagem, ponham em causa, para além da mobilização das consciências, “o desfio que os governos e as instituições mundiais precisam de perfilhar, com um modelo social clarividente, capaz de enfrentar as novas formas de pobreza que invadem o mundo” pois “se os pobres são colocados à margem, como se fossem culpados da sua condição, então o próprio conceito de democracia é posto em crise e fracassa toda e qualquer política social”. Por isso o Padre Júlio, no mesmo dia, em sessão convocada pela Câmara dos Deputados para marcar a Fraternidade e Amizade Social: 1 Ano da Carta Encíclica Fratelli, tenha reivindicado a taxação de grandes fortunas e garantia de água (potável) para os pobres e carentes.
Um carão nos indiferentes, artífices do descarte das periferias sobrantes, mas também uma inspiração que o Papa Francisco talvez tenha encontrado no ano passado quando telefonou pessoalmente para o padre Júlio, ouvindo dele que manter-se sempre junto dos pobres é humanizar-se com eles.
- * José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.
Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.
Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).
- Artigo publicado originalmente no jornal Brasil Popular