Pesquisadores e populações tradicionais pedem investimentos em outros modelos

Foto: Divulgação

As mudanças seriam no sistema de produção de comida em Mato Grosso. Eles pedem mais espaço e incentivos para a agroecologia, uma prática livre de veneno e coletiva.

O direito à comida saudável vem sendo retirado do prato dos mato-grossenses, o estado integra a triste estatística dos 19 milhões de pessoas que dormem sem sequer ter feito uma refeição completa ao longo do dia. Para mudar essa vergonhosa realidade, um dos caminhos apontados  pelos participantes da Primeira Semana de Agroecologia de Mato Grosso foi a transformação no modelo atual.  A conclusão é que não falta comida, mas faz-se necessário criar caminhos para o aumento da agroecologia, com base na agricultura familiar, diversificada e livre de agrotóxicos. 

O agro tem se mostrado pouco “pop” em sua própria casa, Mato Grosso, o maior produtor de grãos e carne do país. Para a  professora e pesquisadora Irene Maria Cardoso,  do Departamento de Solos e Centro de Tecnologia  Alternativa da Zona da Mata, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), já ficou provado que o atual modelo “agroquímico”, não cumpre o direito básico e universal à alimentação.  

Maria Cardoso ministrou a palestra ”Agroecologia e o direito à alimentação:  segurança e  soberania alimentar”, tema  considerado em 2021 pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma prioridade mundial. No dia 16 de Outubro representantes de governantes de todo o planeta irão debater justamente as mudanças necessárias para enfrentarmos a fome que cresceu durante a Pandemia do Novo Coronavírus. Superar a fome global até 2030 é um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU e para isso mudanças sistêmicas são imprescindíveis. 

“Antes de mudarmos, precisamos entender um pouco  como funciona o modelo atual de agricultura hegemônico.  Quem é que colocou a agricultura na encruzilhada?  Quais são as bases? O Agronegócio não é um negócio, mas um jeito de se fazer agricultura.  Mas, desse jeito não cumpri  o direito à alimentação.”,  destacou  a  professora , que fundamentou sua palestra, citando a obra “A  Agricultura  está em uma encruzilhada”,  relatório escrito  por  400 cientistas e publicado pela  Global Report . 

A pesquisadora afirma que o  agronegócio foi o responsável por mudar o jeito milenar de produzir comida,  base das sociedades humanas. “Trata-se de  um modelo agroquímico  implementado após a 2ª Guerra Mundial, na chamada Revolução Verde, apoiado pela  ciência e pelas  políticas públicas em todo o mundo.”, explica Maria Cardoso. Esse pacote incluiu a mecanização, os fertilizantes, os agrotóxicos,  as sementes híbridas e transgênicas e a  irrigação no campo. 

Além da fome, o atual sistema gera a degradação e o envenenamento do meio ambiente e das pessoas. “O resultado desse modelo atual de agricultura são epidemias como a de câncer. Também temos a destruição do Cerrado que tem gerado uma grave crise hídrica e a violência no campo. Para superarmos tudo isso e alcançarmos a soberania alimentar, os governos precisam alocar recursos para a população que mais precisa de alimentos. Precisamos investir em outros modelos como a agroecologia e a agricultura familiar”, diz Lúdio Cabral,  médico e deputado estadual, um dos idealizadores dos debates  virtuais, que começaram dias 04 e serão finalizados dia 10 de outubro, com um ato da sociedade civil pelas águas,  às margens do Rio Bugres, em Barra do Bugres.  

Segundo dados do governo federal o valor do crédito rural em 2021 foi de R $251 bilhões de reais, destes R $5 bilhões são para uso direto dos grandes produtores rurais. Recentemente, o Coordenador da Frente Parlamentar Mista da Agricultura Familiar, o deputado federal Heitor Schuch (PSB-RS) listou desafios do setor em uma audiência pública no Congresso Nacional. Segundo Schuch falta crédito rural,  assistência técnica,  garantia de preços mínimos, regularização fundiária, e a necessidade de compensar o produtor que atua com a agricultura orgânica.

Para Cláudia Alves de Araújo,   gestora dos núcleos de coletores  da Associação Rede de Sementes do Xingu (ARSX), também precisamos valorizar os saberes tradicionais. “Esse não é um conhecimento científico, embora ele esteja aí e reproduzido há dez mil anos. Mas é fundamental para nós nos reconectarmos”, diz. “Mas, essa mudança depende de um pacote de políticas públicas que incluiu até a mudanças dos currículos das universidades e na própria pesquisa”, diz.             

O  acesso à terra no Brasil, um  país que nunca fez a reforma agrária, também foi debatido. “Há uma concentração muito grande de 84% dos estabelecimentos e em torno de 25% das terras não mãos de poucos. No Brasil mais de 70% das terras são cultivadas com três produtos: cana-de-açúcar soja e milho e a gente já pode começar a perguntar para quê tanto de açúcar”, conclui Cláudia.

A agroecologia é um caminho praticado por povos indígenas e populações tradicionais há milênios, mas sem  valorização  e incentivos têm sido perdidos, denuncia Typju Myky,   líder indígena de Brasnorte, a 587 quilômetros da capital mato-grossense.  “A gente tá aí realizando várias atividades para ficar bem a partir desse curso de agroecologia porque antigamente os mais velhos  já tinham esse conhecimento de como trabalhar a terra. Mas, os mais velhos faleceram e é a partir deles que a gente aprende. Estamos retomando muitas coisas apenas agora, com apoio das universidades.”,  conclui Typju,  que mostrou um vídeo intitulado “ Nossos Alimentos”,  exibindo imagens da Aldeia Japuíra em Brasnorte.  

Sem guerra 

A proposta dos grupos não é trocar o agronegócio pela agroecologia, mas sim aumentar a escala das práticas mais  saudáveis e inclusivas. “A questão  central não é  defender  o abandono dos atuais sistemas alimentares  corporativos  (e suas cadeias produtivas ), mas sim  trazer elementos  que possibilitem  avaliá-los  de forma crítica, a fim de reduzir essa hegemonia, abrindo espaço  para outros sistema  mais adequado – a agroecologia”, explica Nina Paula Laranjeira, pesquisadora do Núcleo de Alimentação Sustentável e Produção Agroecológica.

Nina defendeu que é preciso  agir coletivamente com novas ações e resistência. “Precisamos reconstruir  um projeto  para o campo, para os povos  do campo, das florestas  e das águas, relacionando-os com a cidade e  com a base  na agroecologia, é essa a urgência”, diz. 

A construção de um novo modelo também foi apontado como fundamental para enfrentarmos a fome e reduzirmos os problemas de saúde pública. Para Wanderlei Pignati, médico e pesquisador  do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador (NEAST) da Universidade Federal de Mato Grosso e Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o agronegócio deve ressarcir as pessoas pelos danos ambientais e de saúde. O estado também precisa financiar a transição para um novo modelo mais saudável e inclusivo de cultivo de alimentos.  

“O Nosso papel seria vigiar a aplicação destes investimentos. Você tem uma grande miserabilidade no nosso Estado de Mato Grosso e somos campeões em acidentes de trabalho em termos proporcionais. É uma vergonha estarmos em situação de insegurança alimentar e ainda vivermos essa contaminação sistêmica. Todos esses produtos químicos vão para o solo e os alimentos. Mas não podemos ficar só com o passivo ambiental. Precisamos empreender uma vigilância do desenvolvimento e não mais ficar apenas contando as vítimas. Precisamos questionar onde o governo investe, pois só a agroecologia pode combater a situação atual.”, disse o pesquisador.

Os povos tradicionais  também cobraram mudanças nas políticas públicas. “ Temos que ir à frente e à luta, sem medo de represália.    Porque os fazendeiros fazem isso e não estão   nem aí à saúde.   Temos que lutar por outras políticas públicas e  cobrar dos grandes representantes do poder público, como  governadores, deputados, dentre outros  políticos,  para nos defender.  Hoje  só uma minoria se beneficia e a maioria fica a ver navios”, conclui  Vanda Alves, liderança da Comunidade Quilombola Jejum, de Poconé, a cem quilômetros da Capital.

Dia do Rio Bugre

Neste domingo (10.10), Dia do Rio Bugre, a partir das 11h, o Comitê Popular do Rio Bugre realizará grande ato de protesto contra a destruição do Pantanal.  O evento será coordenado por Isidoro Salomão. Segundo o coordenador,  um dos objetivos  do ato  é denunciar a  falta de água na cidade de Barra do Bugres e região.   Além  disso,  pedir  a  Nossa Senhora do Pantanal  para que cuide do rio.  Contato (65) 99989-1485 (Salomão) .

Da  Assessoria de Imprensa da 1 º Semana da Agroecologia de Mato Grosso

Juliana Arini e  Everaldo Galdino

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *