Área que em 2014 foi alvo da Polícia Federal em investigação de venda ilegal de lotes da reforma agrária, voltou a ser ocupada por grileiros e seus pistoleiros
Por João Negrão
Valdomiro de Oliveira é um homem marcado para morrer. Liderança de agricultores familiares no Norte de Mato Grosso, ele é o fundador da Associação dos Pequenos Produtores Rurais Planalto (Assoplan), a entidade que organiza 240 famílias na resistência contra latifundiários que invadiram suas terras num assentamento de 115 mil hectares em Itanhangá, município que fica na região Médio-Norte de Mato Grosso, a 475 quilômetros de Cuiabá.
O conflito de terras naquela região de terras férteis vem de décadas, com o enfrentamento entre acampados, grileiros e garimpeiros. Nos últimos anos a área passou a ser cobiçada por latifundiários plantadores de soja. A briga pela terra ganhou notoriedade nacional quando, em 2014, a Operação Terra Prometida, da Polícia Federal, desbaratou uma quadrilha que vendia ilegalmente lotes destinados para a reforma agrária.
As famílias representadas pela Assoplan foram algumas das vítimas do golpe que tinha a participação de dois irmãos do então ministro da Agricultura no governo de Dilma Rousseff, o hoje deputado federal e um dos líderes da bancada ruralista, Neri Geller. Odair e Milton Geller, conforme apurou a Polícia Federal, seriam “laranjas” de Neri. Ele negou as denúncias, mas o processo continua.
Passados quase sete anos, os grandes latifundiários voltaram a tomar conta das terras e expulsaram os acampados que já haviam sido assentados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e aguardavam a titulação dos lotes. As famílias que sobram no local estão confinadas numa pequena área ilhada pelas plantações de soja e sob constante ameaça de morte pelos jagunços dos latifundiários.
Sob a mira de armas de grosso calibre, mulheres, crianças e idosos são até proibidos de se movimentarem no local, enquanto os homens adultos saem para buscar trabalho na cidade ou em fazendas vizinhas. Até uma horta comunitária criada para alimentar as famílias foi destruída pelos pistoleiros a mando dos grileiros.
Valdomiro conta que no processo da invasão os latifundiários destruíram tudo: escola, posto de saúde, barracão da associação e até a igreja. As casas construídas com recursos do Incra tiveram que ser abandonadas pelas famílias sob a mira das armas dos pistoleiros. Confira vídeos no final do texto.
“O grande latifundiário hoje está dominando o Incra”
Originalmente eram 1.149 famílias que ocupavam lotes de 100 hectares cada. Os plantadores de soja invadiram praticamente todos os terrenos. A maioria deles havia sido alvo da Operação Terra Prometida e inclusive presos pela Polícia Federal. “Agora eles retornam impunemente, com os olhos fechados desse atual governo. O Incra deixou de ser um órgão da reforma agrária e apoio aos pequenos agricultores e virou braço dos latifundiários”, denuncia Valdomiro de Oliveira.
Fábio Bento Machado é o atual presidente da Assoplan. Esta semana ele apresentou denúncia na Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania do governo de Mato Grosso e na Procuradoria da República em Cuiabá. O caso está nas mãos da procuradora Denise Slhessarenko. Vítima de ameaças e emboscadas, Fábio é outro também jurado de morte.
“O Incra é agora órgão dos grileiros. Os latifundiários invasores, além de ameaçar nos matar, tenta corromper nossos companheiros. ‘Ou aceitam dinheiro e saem fora ou será o caixão’, dizem eles”, denuncia Fábio Machado. “Tudo isso que estamos passando é culpa do Incra, que deixou invadirem nossas terras e não toma providência nenhuma”, acrescentou.
A impunidade dos grileiros está estimulando outras invasões de assentamentos por todo Estado de Mato Grosso, denuncia Valdomiro de Oliveira. “A agricultura familiar está perdendo para o agronegócio neste governo. Antes tinha espaço para todos, embora as grandes áreas sempre foram do agronegócio. Agora as pequenas propriedades estão desaparecendo. O culpado é o Incra”, agregou. “O grande latifundiário hoje está dominando o Incra”, enfatizou.
Atualmente em Mato Grosso existem 528 assentamentos de agricultores familiares sob a responsabilidade do Incra. Há outras centenas de áreas de responsabilidade do Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat). Ao todo são mais de 27 mil famílias aguardando a titulação de seus lotes. Fora as outras que aguardam assentamentos. As lideranças de agricultores familiares denunciam que tudo está paralisado. Enquanto isto os latifundiários se armam cada vez mais para tomar as terras dos pequenos agricultores.
Secretário vai averiguar a denúncia
Segundos os líderes dos pequenos agricultores, a Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania deve fazer uma visita técnica no assentamento de Itanhagá na próxima semana. A secretaria, por meio do secretário adjunto de Direitos Humanos, advogado Kennedy Dias, vem mantendo contato com lideranças do grupo de trabalhadores instalado dentro do projeto Itanhangá, conforme as lideranças.
Ainda segundo as lideranças, o secretário adjunto de Direitos Humanos Kennedy Dias será acompanhado de técnicos da secretaria. “A reunião vai contar ainda com a participação de representantes da Defensoria Pública do Estado e da Pastoral da Terra. Outros convites foram expedidos, inclusive para o procurador da República, Gustavo Nagomi, que possivelmente enviará um representante ao local”.
Confira abaixo os vídeos em que os posseiros denunciam os latifundiários:
É triste morar num país em que a pilitica do governo é voltada apenas para alguns que comem, bebem, tem acesso a tudo e ainda jogam fora comida etc, enquanto o pequeno produtor rural que só quer um pedaço de terra para o sustento da sua família, é alijado de qualquer prerrogativa de subsistência e ainda vive sobre a égide do medo de ter a sua vida ceifada por aqueles que podem tudo, tomam tudo, se sentem donos de toda a terra existente, e com a proteção de um governo genocida que acha a Reforma Agrária um crime! Quero o meu país de volta…
Excelente reportagem!