REVISTA HUMANIDADES. Autores: Vários. Editora UnB. N 64, dezembro de 2020.
A revista está disponível impressa na loja e no site da Editora UnB, e digitalmente, para acesso livre: https://www.editora.unb.br/Acessolivre.php
Conforme a Apresentação de sua editora Inês Ulhoa: “Ninguém que tenha noção da importância da vida dos outros pode permanecer alheio ao que ocorre em nosso país, testemunhas que somos da grave iniquidade daqueles que ocupam os lugares de decisão do Estado diante dos desafios que a pandemia trouxe aos brasileiros”.
Ainda segundo ela: “A Universidade de Brasília, assim como outras instituições brasileiras, assumiu um papel fundamental neste cenário de perplexidades, demonstrando uma visão acurada de nosso momento histórico, enfrentando as inúmeras demandas que esse processo requereu. De fato, logo no início da pandemia, a UnB, no sentido de proteger a comunidade acadêmica, suspendeu as atividades presenciais e criou o Comitê Gestor do Plano de Contingência da Covid[G1] -19 para realizar ações, orientações acerca de ocorrências relacionadas à Covid-19 na UnB, em consonância com as diretrizes da Organização Mundial de Saúde, buscando contribuir para a redução dos efeitos nefastos dessa doença na população do Distrito Federal e do Brasil[G2]” .
Ela continua na Apresentação: “Diante dessa realidade inescapável e à luz de uma reflexão sobre a pandemia, seu impacto e os sentidos metafóricos a ela atribuídos em uma explosão de narrativas pelas redes sociais e veículos da imprensa, a revista Humanidades, em compromisso com a memória de tempos históricos, publica esta edição especial dando vazão à percepção dos sentidos diante da nossa dor e da dor dos outros. Foram muitos textos recebidos, pelos quais agradecemos a todos que se dispuseram a escrever. Narrativas, versos, artigos acadêmicos, ensaios, contos, crônicas, relatos testemunhais: recebemos mais de cem colaborações dessas diversas tipologias textuais. Infelizmente, seria impossível publicar todas as contribuições. Porém, temos a certeza de que os textos aqui publicados representam muitas narrativas sobre a vivência e experiência em um tempo inteiramente novo e fora do contexto de muitos brasileiros”.
Textos inéditos revelam o espanto e a dor de brasileiros diante de um cenário inesperado e assustador. Conforme a nota editorial, “foram muitos textos recebidos, pelos quais agradecemos a todos que se dispuseram a escrever. Narrativas, versos, artigos acadêmicos, ensaios, contos, crônicas, relatos testemunhais: recebemos mais de cem colaborações dessas diversas tipologias textuais. Infelizmente, seria impossível publicar todas as contribuições. Porém, temos a certeza de que os textos aqui publicados representam muitas narrativas sobre a vivência e experiência em um tempo inteiramente novo e fora do contexto de muitos brasileiros”.
Disso Dá conta o Sumário da edição, compreendendo os artigos e ensaios:
Pesquisa Social UnB: saúde e condições de trabalho remoto em meio à pandemia da Covid-19 – Lucio Rennó, Michelle Fernandez, Ana Maria Nogales, Janaina Penalva, Ronaldo Pillati e Jhames Sampaio
Uma pandemia neoliberal – Alfredo Saad Filho
Manifesto agrestino pernambucano: “Temos o direito de viver!” –Ingrid Silva de Melo e Diogivânia Maria da Silva
Se essa rua (ainda) fosse minha…: reflexões sobre o brincar em tempos de pandemia –Rebeca Azambuja, Ana Luiza Batista e Gabriela Mietto
Do abraço ao toque digital: mídias e pandemia – Vanessa Moraes
Pandemia, autorrelação e a crise da gestão dos alimentos – Mariana Paolozzi
Lições da pandemia para o mundo do trabalho – Gabriela Neves, Lucilia de Almeida Neves Delgado e Mauricio Godinho Delgado
Arte e promoção de saúde em tempos de COVID-19 – Flávia Mazitelli de Oliveira, Daniela da Silva Rodrigues e Josenaide Engracia dos Santos
A vida como valor absoluto – Uribam Xavier
Reflexões sobre o futuro e o direito pós-pandemia – José Geraldo de Sousa Junior
Antropoceno: a importância da implantação da cultura da inovação no contexto social contemporâneo – Rodolfo Augusto Melo Ward de Oliveira
Do pessimismo ao neorrealismo: uma passagem em meio ao assédio pandêmico –Rafael Reginato Moura
Humanidade e pertencimento: lições em tempos de pandemia – Maria Ivoneide de Lima Brito, Margô Gomes de Oliveira Karnikowski e Zaíra Nascimento de Oliveira
Solidariedade em tempos de Covid-19 – Wladimir Porreca
Pandemia: o que tememos e o que seremos – Marcos Cesar Danhoni Neves
Adaptação e o impacto socioeconômico no combate à Covid-1 – Marcos Mourão Santa Brígida, Tiago Duarte da Silva, Vitória Carolina Farias de Oliveira, Raquel Soares Casaes
As torturas do silêncio – Elen Geraldes, Georgete Medleg e Kênia Figueiredo
De pandemia em pandemia: antipolíticas do luto – Sávio Barros
A cultura popular embala os pequenos brincantes do Ensino Infantil – Leandro Costa da Fonsêca e Isabel Haialy Pereira da Silva
O ambiente da pandemia – José Domingues de Godoi Filho
E ainda, Contos, Crônicas e Poesias:
Resumo da ópera: pandemia e pandemônio – Jorge Antunes
A Bolha – Matheus Zucato Robert
Que país é esse? Colonizado e periférico ou protagonista? Isaac Roitman
Diário da peste – Fernando Fiorese
2020: o ano da reconstrução – Neila Conceição Cunha-Nardy
Tempo invisível – Rodrigo Cristalino Bezerra da Silva
A súbita intimidade com os aplicativos, ou a adolescência das máquinas – Hilan Bensusan
Que fim levou a New Age? – Angélica Torres
Solene momento pela alma dos mortos – Josafá de Orós
Guerra e paz – Elieni Caputo
Pericentral – Francisley da Silva
O ovo da serpente – Osvaldo Duarte
Plinto – Joba Tridente
Estou em boa companhia, ao contribuir, a convite da edição, com o texto Reflexões sobre o Futuro e o Direito Pós-Pandemia.
Em meu texto, que sintetiza várias manifestações que tenho feito a partir desse tema, entre elas, por todas, as que balizam o livro que organizei juntamente com meus colegas de UnB Talita Tatiana Dias Rampim e Alberto Amaral, a pedido do nosso editor Plácido Arraes (Editora D’Plácido), “Direitos Humanos e covid-19: grupos sociais vulnerabilizados e o contexto da pandemia” (lançamento neste primeiro trimestre de 2021).
No fundo, sempre pensando que um futuro que pode começar hoje, se a pandemia e a quarentena revelam que são possíveis alternativas, que as sociedades podem se adaptar ou inventar novos modos de viver quando isso é necessário, se se pode, como exortou o Papa Francisco na Evangelii Gaudium, redescobrir a política como dimensão sublime da caridade (n. 205), “só com uma nova articulação entre os processos políticos e os processos civilizatórios”, será possível alternativas para uma nova humanidade.
Trata-se de uma mobilização sensível e criteriosa do jurídico na direção a que apontam os estudos do extraordinário Cidadania e Inclusão Social. Estudos em Homenagem à Professora Miracy Barbosa de Sousa Gustin, tal como se oferece no precioso texto de Márcio Túlio Viana – Os não-lugares do Direito: uma pesquisa em classe com trabalhadores de rua (p. 367-376). Com riqueza de estilo e intensidade narrativa, o querido mestre faz o direito andar nas ruas para recuperar nas histórias de vida, os projetos frustrados, do gritador, dos malabaristas, da mulher do cabide, as filha dela, do engraxate, tipos sociais a se reimpregnar do humano.
Assim, numa emergência composta de impulsos de exceção, o Jurídico é chamado a se constituir como arena de resistência ao processo de desdemocratização e de desconstitucionalização em curso no País e à banalização da vida pela ação de governança absolutamente incompetente para agir no enfrentamento à pandemia.
Estarão os juristas à altura das expectativas civilizatórias que os desafiam? Repito a questão: estarão os operadores e os agentes políticos à altura das expectativas civilizatórias que os desafiam, no plano do Direito? Nessa quadra dramática de interpelação a um paradigma civilizatório, serão alcançados nos seus misteres para, com a tempestade que desaba sobre o mundo, limpar “a maquilhagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso «eu» sempre preocupado com a própria imagem; (e deixar) a descoberto, uma vez mais, aquela (abençoada) pertença comum a que não nos podemos subtrair: a pertença como irmãos”, como exorta o Papa Francisco em seu exemplar distanciamento social na grande praça de São Pedro, totalmente vazia? Será o Direito, realmente Direito se, como exortou Francisco, não for “capaz de resgatar, valorizar e mostrar como as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns (habitualmente esquecidas), e operar para realizar e ser instrumento por meio da eficácia horizontal dos direitos humanos?
Indiquei, no âmbito da construção do projeto O Direito Achado na Rua e com Antonio Escrivão Filho, em nosso livro Para um Debate Teórico-Conceitual e Político sobre os Direitos Humanos, várias aplicações e fundamentos de teoria e de práxis para orientar e recuperar formas de resistência e de transponibilidade às exceções, mesmo no Supremo Tribunal Federal, para lembrar com Victor unes Leal, a necessidade que tem a jusrisprudência, inclusive do STF, de andar nas ruas, para que o promessa do Direito, nelas achado, não se torne promessa vazia.
Pois, se é verdade, conforme diz o Papa Francisco (Mensagem para o IV Dia Mundial dos Pobres, em 15 de novembro de 2020), de que essa “pandemia chegou de improviso e apanhou-nos impreparados, deixando uma grande sensação de desorientamento e impotência”, a experiência histórica e política do agir responsável não podem ser um improviso: “Não nos improvisamos instrumentos de misericórdia. Requer-se um treino diário, que parte da consciência de quanto nós próprios, em primeiro lugar, precisamos duma mão estendida em nosso favor”, como agir misericordioso ou como agir por vocação política no interesse do bem comum.
Para o Papa Francisco, sob essa perspectiva, é preciso resgatar a caridade como dimensão sublime da política porque ela representa a abertura de “caminhos de esperança”. Na Carta Encíclica Fratelli Tutti sobre a Fraternidade e a Amizade Social (São Paulo: Edições Paulinas, 2020), o Papa Samaritano exorta: a “recente pandemia permitiu-nos recuperar e valorizar tantos companheiros e companheiras de viagem que, no medo, reagiram dando a própria vida. Fomos capazes de reconhecer como as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns que, sem dúvida, escreveram os acontecimentos decisivos da nossa história compartilhada”.
“Caminhos de esperança”, diz o Papa. Talvez, também, indica Boaventura de Sousa Santos (em seu recente livro que acabo de receber e que comecei a ler pra você O Futuro começa agora. Da pandemia à utopia, São Paulo: Boitempo, 2021), descortinar “entre o medo e a esperança”, possibilidades credíveis para “o começo de uma nova época, de um novo modelo civilizacional”.
José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito e colabora com o Expresso 61. É graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Titular, da Universidade de Brasília, Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55
- Publicado originalmente no site Estado de Direito
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