Parte da história de ex-presos do PIC, um dos maiores centros de repressão e tortura do Brasil

Pelotão de Investigações Criminais da Batalhão de Polícia do Exército, em Brasília, foi uma espécie de “trevo” do aparato de terror do Estado durante a ditadura militar instalada em 1964

 

Por João Negrão

 

O Pelotão de Investigações Criminais (PIC), aqui em Brasília, foi um dos maiores centros da repressão política do Brasil durante a ditadura militar instalada em 1964. A maioria dos relatos de prisões e torturas são feitas de locais do Rio de Janeiro e São Paulo, especialmente. Foi ali naquele estado que se verificou a maior quantidade de casos de prisões, torturas, assassinatos e desaparecimento de presos políticos. Mas o PIC do 1º Batalhão de Polícia do Exército (PE) na capital da República não fica nada a dever aos centros de repressão do Sudeste do país.

O PIC de Brasília funcionava como uma espécie de “trevo” do aparato repressor do Estado naquele final dos anos 60 e até a segunda metade dos anos 70. Nos primeiros anos da década de 70, o pelotão era, em boa parte dos casos, o destino final dos caçados pela ditadura especialmente no Distrito Federal. Depois ele passou a receber presos vindos de Goiás, Bahia, Tocantins (antigo norte de Goiás) e Pará. Dali, após intensa sessão de torturas, e a verificação da relação com a direção das organizações, eram levados para julgamento em Juiz de Fora (então sede da Justiça Militar sob a jurisdição estava Brasília) ou para interrogatórios em São Paulo ou Rio de Janeiro, onde acabam condenados ou desaparecidos.

A reportagem ouviu e gravou imagens com seis ex-presos políticos, cinco dos quais que passaram pelo PIC, instalado no BPE do setor Militar Urbano. Suas entrevistas em vídeo vão sendo publicadas ao longo deste texto. São eles: o jornalista Hélio Doyle, que pertenceu à Ala Vermelha, uma dissidência do Partido Comunista do Brasil (PC do B); a médica Maria José Conceição, a Maninha, que foi da Ação Popular, outra dissidência do PC do B; o servidor público Rogério Dias, que militava na ALN (Ação Libertadora Nacional), dissidência do Partido Comunista Brasileiro (PCB); a médica e professora da Universidade de Brasília (UnB), Ivonete Santiago de Almeida, sem militância organizada na época; o advogado José Oscar Pelúcio, então membro do comitê regional do PCB; e o jornalista Moacir de Oliveira Filho, que era do PC do B.

Á exceção de Moacir de Oliveira Filho, que foi preso em São Paulo, mas veio para Brasília e continuou sendo perseguido, os demais passaram pelas celas e câmaras de tortura no PIC. Maninha, Hélio e Ivonete foram presos praticamente no mesmo período. Hélio e Maninha, que eram casados, foram detidos pela segunda vez e levados nesta ocasião para o porão da sede do Ministério do Exército, na Esplanada dos Ministérios. Hélio havia sido preso antes pela Polícia Federal. José Oscar também passou por lá e relata bárbaras torturas. Rogério, depois de sofrer horrores no PIC foi enviado para o Batalhão de Infantaria Leve de Juiz de Fora (MG), onde foi novamente torturado. Depois foi condenado e cumpriu pena de três anos.

Confira abaixo a entrevista da Maninha, na qual relata sobre a sua prisão, a perseguição que sofreu na sequência e as sequelas psicológicas que permaneceram:

O PIC existem em todos os batalhões de Polícia do Exército espalhados todo o Brasil. Ele é uma unidade de infantaria e sua função original é cumprir missões policiais contra praças e oficiais dentro das demais unidades do Exército, com o objetivo de “assegurar o respeito à lei, ordens, bem como o cumprimento dos regulamentos militares”. Suas atribuições incluem ainda “prevenir o crime”, “efetuar investigações rotineiras no âmbito do Exército”, “controle de trânsito nas áreas militares”, “segurança de instalações militares e oficiais”, “escolta de altas autoridades e comboios militares”, entre outras.

Confira a entrevista do jornalista Hélio Doyle, na qual ele descreve as prisões que sofreu no PIC e no DOPS da Polícia Federal:

Apesar dessas atribuições quase que exclusivamente no âmbito do Exército, no período do regime militar (1964/1985) os PICs foram empregados na repressão política, fazendo parte do conglomerado que envolviam os aparelhos policiais das outras Forças Armadas,  (a Polícia da Aeronáutica e a Polícia do Batalhão Naval), os serviços secretos das três forças (CIE – Centro de Informações do Exército; Cenimar – Centro de Informações da Marinha; e o Cisa – Centro de Informações da Aeronáutica). Compunha ainda a estrutura repressiva no âmbito das Forças Armadas o Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), subordinado ao Exército.

O advogado José Oscar e o jornalista Moacir Filho foram presos no DOI-CODI de São Paulo, comandado pelo então major Carlos Alberto Brilhante Ustra, que gostava de pessoalmente torturar os prisioneiros. José Oscar conta que passou por diversas sessões de tortura nas mãos de Brilhante Ustra. “Ele me destruiu todo. Mesmo no dia que eu ia ser libertado, o Brilhante Ustra me chamou de volta para eu levar ‘uma lembracinha’ para casa. Me torturou de novo”, conta ele na entrevista em vídeo logo abaixo. “Quando não estava torturando, Brilhante Ustra estava ensinando outros militares a torturuar”, conta José Oscar.

Confira a entrevista do advogado José Oscar:

Moacir Oliveira Filho viveu horrores nas mãos dos comandados do não menos famigerado delegado Sérgio Fleury, outro ícone da crueldade dos porões da ditadura. Moacir lembra que o PIC recebeu muitos presos da Guerrilha do Araguaia, entre eles o ex-deputado José Genoíno. No vídeo abaixo ele conta como foi sua prisão, as perseguições que sofreu e o ambiente político da época em Brasília.

Confira a entrevista com Moacir Oliveira Filho:

O PIC em Brasília era o principal órgão de caça, prisão, tortura e eliminação dos inimigos do regime militar na capital federal. Mas não era o único. Havia ainda o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), da Polícia Federal, que era uma espécie de “centro de triagem”. Havia ainda o porão do Ministério do Exército na Esplanada dos Ministérios, já mencionado. Além de Hélio Doyle e Maninha, passaram por lá José Oscar e Rogério Dias.

Confira a entrevista com Rogério Dias:

Conforme os relatos da maioria dos entrevistados, mesmo após as prisões, eles continuavam sendo perseguidos e vigiados, no que acaba se transformando em outro tipo de tortura. “A gente continuava sendo vigiada e recebíamos frequentes visitas de policiais e militares. Não foram poucas  as constantes ameaças de novas prisões”, conta a médica e professora Ivonete Santiago de Almeida.

Confira a entrevista com a médica e professora Ivonete:

Ivonete, Hélio, José Oscar, Rogérios e Maninha são alguns dos que sobreviveram aos horrores do Pelotão de Investigações Criminais em Brasília. Há outros que a reportagem não consegui contatar. Muitos não tiveram a mesma sorte. Há registros de inúmeros assassinatos e desaparecimentos de presos políticos que passaram por lá. Conforme relatos neste sentido de ex-prisioneiros, investigações de advogados e familiares, de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil, a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília e, especialmente, a Comissão Nacional da Memória e da Verdade, instituída pelo governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

Um de seus presos desaparecidos foi o estudante e presidente da Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília (UnB) Honestino Guimarães. A UnB, aliás, teve praticamente todas as suas lideranças estudantis e também de docentes, presas e torturadas no PIC. O Hélio Doyle  e a Maninha estão entre eles. Ela inclusive era muito amiga, uma “Maninha” de Honestino e por isso recebeu dele o apelido.

A repressão na UnB foi muito forte. A universidade sofreu nada menos que quatro invasões do Exército e em todas elas eram presos alunos e professores à frente da resistência. Durante quase dez anos (19761985), a universidade viveu sob intervenção militar, tendo como reitor imposto um oficial da Marinha, o capitão-de-mar-e-guerra José Carlos de Almeida Azevedo. Ele perseguiu professores e alunos, cassado contratos e matrículas. Com tantos episódios assim, a UnB criou sua própria Comissão da Verdade, batizada de Anísio Teixeira, um dos fundadores mais perseguidos da instituição.

 

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