Escravocrata de usina destruidora no Pantanal é empossado secretário ambiental em Poconé (MT)

Ademir Zulli, que comandou pistoleiros contra este repórter na década de 90, é herdeiro do grupo empresarial que escravizou por duas décadas a comunidade de Chumbo, no município pantaneiro

Por João Negrão

O nome dele é Ademir Zulli, postulante a vereador ano passado e que teve a candidatura indeferida. Antes presidente da Câmara local, ele perdeu o mandato e tornou-se inelegível por cometer irregularidades no exercício do cargo. Na última quinta-feira (2), Ademir foi empossado secretário municipal do Meio Ambiente da prefeitura de Poconé, cidade mato-grossense que é o principal portal da parte norte do Pantanal. É ali que tem início, do lado de Mato Grosso, a famosa rodovia Transpantaneira que vai dar na margem esquerda do rio Paraguai, na parte de Mato Grosso do Sul. Poconé é também, junto com o vizinho Nossa Senhora do Livramento, o município com maior número de remanescentes de quilombos naquele estado.

Zulli é herdeiro de um dos maiores grupos empresariais de Mato Grosso, dono de usinas de produção de álcool e de vastas lavouras de cana-de-açúcar. Uma de suas empresas, a Alcopan, manteve por 20 anos toda a comunidade quilombola de Chumbo sob o regime de trabalho escravo. Esta história foi retratada no filme “Chumbo”, cuja resenha escrevi e está publicada aqui: https://www.brasil247.com/blog/chumbo-e-o-horror-da-escravidao-imposta-pelo-latifundio-a-uma-comunidade-quilombola-inteira-no-pantanal.

Após uma série de denúncias da imprensa local, o Ministério Público Federal em Mato Grosso conseguiu o fechamento da usina, que além da prática do trabalho escravo, contribuía para a destruição do meio ambiente. Mas seus proprietários não foram devidamente punidos e permaneceram com suas lavouras.

Três décadas atrás, em meados dos anos 90, este repórter denunciou o Grupo Zulli pelo uso de trabalhadores nordestinos em situação de trabalho escravo. Durante a apuração, em uma fazenda na região de Cangas, em Poconé, eu e minha equipe do jornal A Gazeta, onde fui repórter e editor, fomos expulsos do local por pistoleiros comandados pelo próprio Ademir Zulli. Sob a mira de pistolas e carabinas, fomos perseguidos por alguns quilômetros, até um posto policial na confluência das rodovias MT-060 e MT-451. Para o nosso azar, os PMs, aos quais pedimos ajuda, ficaram do lado dos pistoleiros e nos obrigaram, sob a mira de armas, a entregar máquina fotográfica com o filme, gravador com fita e as anotações.

Mas antes, durante a perseguição inicial pela MT-451, pedi ao repórter-fotográfico Délcio JB para rebobinar o filme e colocar outro na máquina. De minha parte, arranquei a parte da apuração do meu bloco de notas e troquei a fita do gravador com os depoimentos dos trabalhadores. Escondi tudo no assoalho do carro da reportagem. No dia seguinte, quando a matéria foi manchetada pelo jornal, recebi a visita ameaçadora de outro capanga do Grupo Zulli, que foi prontamente expulso da Redação pelo Chicão, uma espécie de “faz-tudo” que havia no jornal, apoiado pelo “Paraíba”, o porteiro brabo da recepção matutina.

Ademir Zulli é um desses representantes de famílias de exploradores de trabalhadores quilombolas e indígenas em Poconé e em outras regiões do Pantanal mato-grossense. A exemplo dos latifundiários de outros espaços do vasto território de Mato Grosso, que detonam o Cerrado e a Amazônia e ameaçam agricultores familiares e comunidades tradicionais indígenas e quilombolas com suas armas químicas e tradicionais, parte considerável de fazendeiros pantaneiros são cruéis na exploração humana e na degradação do meio ambiente. São os responsáveis diretos pelos desmatamentos e incêndios no Pantanal, sem falar nos desvios e aterros em mananciais, o que desequilibra o ecossistema local.

São eles, de todos os cantos, latifundiários (que atendem pelo eufemístico “agronegócio”) e escravocratas, que dominam a política de Mato Grosso, um estado que, em plena terceira década do século 21, ainda impera a escravidão e a “lei do 44”.

8 Replies to “Escravocrata de usina destruidora no Pantanal é empossado secretário ambiental em Poconé (MT)”

  1. E assim que se faz jornalismo. Não podemos esquecer nunca. Denunciar sempre. As vítimas e os chicotes são os mesmos. Precisamos enfrentar os inimigos de sempre. Enfrentaremos.

  2. Esse filme eu não assisti, e não perco meu tempo em assistir, porque eu conheço muito bem a realidade. Tudo mentira.

    Eu trabalhei lá por muito tempo na ALCOPAN, desde 1994 a 2012 em operação, permaneci após a falência de 23/08/2012 até fevereiro 02/02/2019, nunca presenciei, como nunca ouvi falar que aconteceu isso de alguem ter corrido atrás de ninguém com armas, quase me aposentei lá, lá não existia capangas nenhum, guardas eram sem armas, somente uniformizados e bem treinados, sempre teve um encarregado de segurança, para orienta-los, a empresa possuía alojamentos pra quem quisesse ficar alojar, nos alojamentos possuia ventiladores de teto, ou de paredes, camas beliches de alvenaria, com colchão, travesseiro e fronhas novas, gratuitamente, no alojamento também possuía
    bebedouros com água gelada, varios chuveiros quentes e frios, quem preferisse morar no distrito do chumbo(cidade), moravam de aluguel de kitinet por conta própria, mesmo assim a empresa ainda fornecia colchão, fronha e travesseiro novos gratuitamente, comida era transportadas em caminhões baú e em caixas térmicas, água gelada nas frentes de serviços, todos os EPI’S e garrafa termicas gratuitamente, possuía CIPA, PCMSO, AMBULATORIO MEDICO, MEDICO DO TRABALHO 2 VEZES POR SEMANA, e em tempo integral 1 TEC. DE ENFERMAGEM E 1 ENFERMEIRO DO TRABALHO, 2 TECNICOS DE SEGURANÇA DO TRABALHO, uma NUTRICIONISTA. Possuía carro a disposição para dar assistência médica, para trazer doentes ao hospital ou pronto socorro.
    Se um dia ela voltar a funcionar, voltarei trabalhar lá novamente. O Sr.
    Ademir Zulli só trabalhou lá de 1994 até começo de 2001, a empresa entrou em recuperação judicial em 2009, em 2012 e teve um pedido de falência aceito, pelo Juizo da 4.a vara civil de V.Gde em 22/08/2012.

    1. NOTA DO EDITOR: meu caro Manoel, fui testemunha ocular dessa história (ou ao menos parte dela). Não dá para brigar com fatos. Tanto foi verdade que a usina foi obrigada por ação do Ministério Público Federal a fechar suas portas depois de tanta atrocidade verificada. Está lá no processso, com documento, fotos e outras provas.
      Quanto ao filme, lhe recomendo assistir. Talvez lhe traga luz sobre o tema.
      Ademais, fico feliz que você tenha vindo aqui trazer a versão de seus antigos (?) patrões (?).

  3. Excelente matéria que denúncia o que pouco se publica no país é no MT. Usina é plantação de Cana no MT e crime. Deveriam estar preso e não se tornando Secretário do Meio Ambiente. Adeus Pantanal.

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