20 Anos das Promotoras Legais Populares – PLPs, do Distrito Federal e Entorno

Por: José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF

As Promotoras Legais Populares do Distrito Federal e Entorno (PLPs/DF) promoveram nesse 8 de novembro, no NPJ – Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Direito da UnB e Polo de Extensão da Universidade de Brasília, em Ceilândia, onde o projeto está instalado e desenvolve suas principais atividades, uma bonita, afetiva e memorialista celebração de seus 20 anos.

Matéria especial no site do CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria, conta um pouco mais sobre a história e a importância desse projeto. https://www.cfemea.org.br/index.php?view=article&id=11069:20-anos-das-promotoras-legais-populares-do-df-e-entorno&catid=562.

Mas uma visita à página do Projeto PLP na internet –https://plpunb.blogspot.com/p/atuacao.html – revela de modo bem completo a fortuna crítica do projeto Promotoras Legais Populares do Distrito Federal e Entorno.

Ali vamos encontrar que ele é inspirado na experiência produzida há mais de 25 anos no Brasil pela União de Mulheres de São Paulo e pela Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, do Rio Grande do Sul.

No Distrito Federal, as PLPs surgiram em 2005 e se estruturaram como projeto de extensão vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Atualmente, para além do projeto de extensão, as PLPs/DF também se identificam como um coletivo auto-organizado de mulheres que lutam pelo fim das opressões de gênero, raça e classe.

Uma das principais formas de atuação das PLPs consiste na oferta de um curso anual de formação de Promotoras Legais Populares, que conta com o apoio da Universidade de Brasília (UnB), do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz).

O curso é voltado para mulheres de perfis econômico, social e cultural diferenciados e promove a formação das mulheres em noções de direito, gênero e cidadania a partir do método da educação popular. Assim, o curso se propõe a ser um espaço no qual as mulheres possam debater sobre suas realidades e construir sentidos sobre o direito e a sociedade a partir da categoria de gênero.

Também em https://www.cfemea.org.br/index.php?view=article&id=11069:20-anos-das-promotoras-legais-populares-do-df-e-entorno&catid=562, vamos poder conhecer que originado na década de 1990, o projeto é realizado em diversos estados e em vários formatos com apoio de Universidades, organizações feministas e instituições não governamentais, como promotor de processos emancipatórios por meio da prática da educação popular feminista. A primeira turma formada foi no Rio Grande do Sul, por iniciativa da Themis em 1993, organização feminista de Porto Alegre, em seguida em 1994, foi a vez de São Paulo, com a União de Mulheres de São Paulo. O projeto promove a formação de mulheres líderes comunitárias que orientam outras mulheres sobre direitos, acesso à justiça, combate à violência de gênero e discriminação.

Estive na celebração pelos meus vínculos estreitos com o projeto da UnB, do qual, aliás, fui o primeiro coordenador, em 2005, por convocação de alunas do curso de direito da da UnB, que queriam uma prática extensionista capaz de interpelar o dogmatismo positivista que frustrava suas mais utópicas expectativas de uma atuação jurídica de apoio à cidadania e aos direitos humanos, muito ausente quando não com viés redutor, limitando teórica e politicamente a sua formação.

Contei um pouco dessa fase em https://estadodedireito.com.br/a-promocao-da-cidadania-nas-ruas-defensoras-populares-dpe-go-2019-e-a-praxis-da-educacao-critica-e-popular-em-direitos-humanos-das-mulheres-para-alem-dos-muros-institucionais/ , ao resenhar o trabalho acadêmico de Isabella Silva Fitas. A promoção da cidadania nas ruas “Defensoras Populares (DPE-GO/2019)” e a práxis da educação crítica e popular em direitos humanos das mulheres para além dos muros institucionais. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Direitos Humanos e Cidadania, da Universidade de Brasília. Brasília: UnB, 2024, 108 fls e anexos.

Trouxe registros desse percurso inicial, com referência a estudo de Carolina Pereira Tokarski, Alguma Coisa Acontece na Faculdade de Direito, publicado no volume Direitos Humanos e Gênero: Promotoras Legais Populares editado pelo Projeto, com apoio da UnB, com registros de orientadores, monitoras/oficineiras e alunas da 5a Turma PLP/UnB.

Para Carolina Torkarski, uma das alunas líderes da mobilização que levou à institucionalização do projeto na UnB, a partir da constatação do modo empobrecedor que o curso jurídico trazia para a formação acadêmica, era decepcionante constatar a perda do brilho do olhar, da criatividade, da habilidade de urdir soluções novas, carentes de pressupostos deferentes e teorias transformadoras.

Ela e o grupo de estudantes que se mobilizaram para repensar a sua formação, carente de estudos de gênero, juntamente com a expectativa de pensar o jurídico com a mediação do sensível e da solidariedade, implicou uma adesão aos pressupostos da corrente teórico-política constituída ao embalo da crítica epistemológica animando também o campo do Direito na UnB na forma do projeto/movimento O Direito Achado na Rua. Elas também reivindicaram uma outra forma de inserção das estudantes-mulheres no contexto pedagógico emancipatório, direito como legítima organização social da liberdade que é o fundamento de O Direito Achado na Rua, e se lançaram a um experimento de extensão universitária, compartilhando com a comunidade do entorno da UnB, onde escolheram seu campo de trabalho, estímulo para leituras sobre as experiências de educação popular com mulheres, no modelo dos cursos de Promotoras Legais Populares que já existiam em outras partes do país, conduzidos por ONGs, a exemplo do Themis, à época dirigido por Denise Dora, uma das principais formuladoras dessa proposta no Brasil. As alunas leram avidamente o artigo de Virgínia Feix Em Frente da Lei tem um Guarda, do Themis, publicado no livro Educando para os Direitos Humanos. Pautas Pedagógicas para a Cidadania na Universidade, que organizei com colegas do Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos da UnB, no qual Vírginia, àquela altura Coordenadora Executiva do Themis, avalia a estratégia das lutas femininas, inclusive de Promotoras Legais Populares para utilizar o Direito como instrumento de transformação da realidade de exclusão das mulheres e enfrentamento de todas as formas de discriminação derivadas de uma das diferenças fundantes de nossa sociedade: a diferença de gênero.

Depois, em sua dissertação de Mestrado, Com quem dialogam os bacharéis em direito da Universidade de Brasília?: a experiência da extensão jurídica popular no aprendizado da democracia, defendida em 2009 na Faculdade de Direito da UnB, sob minha orientação, Carolina Torkarski interpela essa realidade e traz para o centro de sua análise crítica vários projetos de extensão da Faculdade de Direito da UnB e, notadamente, o Projeto Promotoras Legais Populares. A dissertação, ela mesma, é um registro da experiência pioneira da UnB pode ser conferida no Repositório de Teses e Dissertações da UnB, a partir da sua indexação.

Na página do Projeto já indicada, há uma seleção importante de livros, artigos, monografias, dissertações e teses que se voltaram para a identificação e a análise crítica do significado desse modelo emancipador de formação de mulheres em gênero e em direitos humanos. Basta ver alguns de seus desdobramentos notáveis: a institucionalização em Águas Lindas – GO, do projeto Vez e Voz, para enfrentamento de tráfico de pessoas, com o grande protagonismo da Promotora Legal Rosa Maria, recentemente falecida e por seu ativismo homenageada na celebração. Sobre o Vez e Voz, ver https://estadodedireito.com.br/sonhos-que-viram-pesadelos-o-trafico-de-pessoas-e-a-zona-do-nao-ser/, livro originado da monografia de Sabrina Beatriz Ribeiro, Sonhos que Viram Pesadelos: o tráfico de pessoas e a zona do não-ser. Salvador: Editora Segundo Selo, Coleção Monografias (Direito), 2025. Sabrina, ex-PLP desenvolve atualmente dissertação de mestrado sobre essa experiência. Ver também o debate no Forum Social Mundial Temático Justiça e Democracia: https://www.youtube.com/watch?v=3z_4_I_iLao. Sobre Rosa Maria, confira-se o vídeo https://www.youtube.com/watch?v=KaT3sUwW-RE&t=3193s.

Outro importante desdobramento foi a criação em Brasília do Forum de Promotoras Legais Populares, que opera como um espaço político de agregação das promotoras legais populares formadas no projeto em apoio a sua atuação social. O Forum tem logrado assegurar cadeiras no Conselho de Defesa de Direitos da Mulher do Distrito Federal

Acho importante oferecer ao leitor um catálogo desse rico material de análise que forma a fortuna crítica do Projeto.

Livros:

SOUSA JUNIOR, José Geraldo; FONSECA, Lívia Gimenes Dias; BAQUEIRO, Paula de Andrade (Org.). Promotoras Legais Populares movimentando mulheres pelo Brasil: análises de experiências. Brasília: Universidade de Brasília, 2019, v. 1, 336p.

APOSTOLOVA, Bistra Stefanova; FONSECA, Lívia Gimenes Dias; SOUSA JUNIOR, José Geraldo (Org.). Introdução crítica ao direito das mulheres. Brasília: CEAD, Fundação Universidade de Brasília, 2014, v. 1, 210p .

Artigos:

COSTA, Bruna Santos; LIMA, Fernanda Truite Pereira; MENDES, Juliana Manhães; SENRA, Laura Carneiro de Mello; SANTOS, Luna Borges Pereira; RABELO, Mariana Cintra; COSTA, Renata Cristina de F. G. Direito, emancipação e cidadania: a experiência do projeto Promotoras Legais Populares no embate à violência contra a mulher e na transformação de realidades. Revista Participação. N. 15. Revista do Decanato de Extensão da Universidade de Brasília. UnB. Brasília, 2009.

COSTA, Alexandre Bernardino; FONSECA, Lívia Gimenes Dias da; SOUSA, Nair Heloísa Bicalho de; BICALHO, Mariana de Faria. O Direito Achado na Rua: 25 anos de experiência de extensão. Revista Participação. Revista do Decanato de Extensão da Universidade de Brasília. n. 18, UnB. Brasília, 2010.

FONSECA, Lívia G.D.; COSTA, Renata; SANTOS, Bruna; BORGES, Luna. Direitos humanos, gênero e cidadania:a experiência emancipatória das promotoras legais populares no Distrito Federal, Brasil. Revista Punto Género, editada por el Núcleo de Investigación en Género y Sociedad Julieta Kirkwood de la Facultad de Ciencias Sociales – Universidad de Chile, 2011.

DUQUE, Ana Paula Del Vieira; WEYL, Luana Medeiros; SOUSA, Lucas Ferreira Cacau de; JORGENSEN, Nuni Vieira. Promotoras Legais Populares: Repensando Direito e Educação para o empoderamento das mulheres. Revista Direito e Sensibilidade, vol. 1, n. 1, 2011.

DUQUE, Ana Paula Del Vieira; LIMA, Anna Beatriz Parlato de; CUSTÓDIO, Cíntia Mara Dias; WEYL, Luana Medeiros; SOUSA, Lucas Ferreira Cacau de; JACOBSEN, Luiza Rocha; JORGENSEN, Nuni Vieira. Direito e Gênero: o Projeto Promotoras Legais Populares e sua orientação à emancipação feminina. Revista Direito E Práxis, vol. 2, n. 1, 2011.

WEYL, Luana M. Combater a Feminização da Pobreza com Empoderamento Feminino – A Experiência do Projeto de Extensão Universitária: “Promotoras Legais Populares” da Universidade de Brasília. Anis. XI Congreso Iberoamericano de Extension Universitaria. Santa Fé, Argentina, 2011.

GIMENES DIAS DA FONSECA, Lívia; DE FARIA GONÇALVES COSTA, Renata Cristina; NEPOMUCENO NARDI, Diego. Extensão Popular Feminista por uma Universidade Democrática e Emancipatória/Feminist Popular Extension towards a Democratic and Emancipatory University. Revista Direito e Práxis, v. 6, p. 143-171, 2015.

Monografias:

SANTOS, Thalita Najara da Silva. Yalodês: mulheres negras na encruzilhada do direito achado na rua: a centralidade racial nas Promotoras Legais Populares do Distrito Federal. 2018. 97 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito)—Universidade de Brasília, Brasília, 2018.

MENDONÇA, Cristiane Terra. Debate de Gênero e de Direitos: O Projeto De Extensão Promotoras Legais Populares/DF como instrumento de transformação social. Monografia (Bacharelado em Direito), Universidade de Brasília, Brasília, 2016.

COSTA, Juliana Barbosa da. Mulheres Latino-Americanas em Luta por Direitos: Aproximações entre o Projeto Promotoras Legais Populares do Distrito Federal e o Pensamento Feminista Latino-Americano. Monografia (Bacharelado em Direito), Universidade de Brasília, Brasília, 2015.

CORREIA, Ana Elisa Banhatto. Primeira edição do Curso a Distância “Introdução crítica ao Direito das Mulheres”: uma experiência de educação popular jurídica e feminista. Monografia (Bacharelado em Direito), Universidade de Brasília, Brasília, 2015.

TOKARSKI, Carolina. A extensão nos cursos de direito à luz do humanismo dialético: a experiência do Projeto Promotoras Legais Populares. Monografia (Bacharelado em Direito),

Universidade de Brasília, Brasília: 2007.

Dissertações de mestrado:

FONSECA, Lívia Gimenes Dias da. A luta pela liberdade em casa e na rua: a construção do direito das mulheres a partir do projeto Promotoras Legais Populares do Distrito Federal. 2012. 171 f. Dissertação (Mestrado em Direito)—Universidade de Brasília, Brasília, 2012.

TOKARSKI, Carolina Pereira. Com quem dialogam os bacharéis em direito da Universidade de Brasília?: a experiência da extensão jurídica popular no aprendizado da democracia. 2009. 140 f. Dissertação (Mestrado em Direito)-Universidade de Brasília, Brasília, 2009.

O projeto PLPs da UnB, enraizado e consolidado institucionalmente, atualmente coordenado pela Professora Lívia Gimenes Dias da Fonseca (depois de mim e antes dela, pelas professoras Bistra Stefanova Apostolova e Talita Tatiana Dias Rampin),T é uma ação paradigmática, reconhecida e premiada. Em 2017 foi Menção Honrosa – A – Educação Formal, do 5º Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos (Prêmio Ibero-Americano de Educação em Direitos Humanos); em 2019 I Prêmio Marielle Franco de Direitos Humanos, na categoria Organização da Sociedade Civil (Câmara Legislativa do Distrito Federal); e nesse 18 de novembro de 2024, recebe Menção Honrosa no IIIº PRÊMIO ANUAL DE DIREITOS HUMANOS ANÍSIO TEIXEIRA, da Universidade de Brasília, pela projeto PEAC Direitos Humanos e Gênero: capacitação em noções de direito e cidadania (Promotoras Legais Populares (PLP) -Faculdade de Direito (FD).

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)

José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).

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