A democracia é o SUS e o SUS é a democracia: Contextos de Desafios

Por: José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF

Convidado pelo Conselho Nacional de Saúde, participei agora na segunda semana de setembro de Oficinas de Formação para o Controle Social no SUS, um evento que reafirma a participação social como força motriz para garantia do direito à saúde

https://www.gov.br/conselho-nacional-de-saude/pt-br/assuntos/noticias/2025/outubro/a-democracia-e-o-sus-e-o-sus-e-a-democracia

Conforme matéria publicada em 10/09/2025 e atualizada em 11/09/2025 -https://www.gov.br/conselho-nacional-de-saude/pt-br/assuntos/noticias/2025/outubro/a-democracia-e-o-sus-e-o-sus-e-a-democracia, a Assessoria de Comunicação do CNS, ofereceu uma boa síntese do evento.

Foto de Natália Ribeiro – CNS Ascom

A matéria publicada põe em relevo o engajamento da sociedade civil em espaços como os conselhos de saúde, que é crucial para garantir que a saúde pública não seja vista apenas como um bem de consumo, mas como um direito humano inegociável. Foi a partir dessa premissa que conselheiras e conselheiros nacionais de saúde conduziram os debates promovidos pela Oficina de Formação para Controle Social no SUS do Projeto Participa+.

O encontro foi realizado nos dias 8 e 9 de setembro, em Brasília, e propôs discussões sobre como a participação popular na gestão das políticas públicas de saúde, por meio dos conselhos e conferências, pode atuar como uma barreira contra a cooptação e o alijamento dos movimentos sociais. Reflexões sobre como uma “verdadeira participação social impede que as decisões sobre as políticas públicas sejam tomadas em “gabinetes” e por “egos”, sem o diálogo e a escuta da população”, foi destaque na fala de José Geraldo de Sousa Júnior, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), que apresentou aos participantes uma análise sobre os contextos nacional e internacional e os desafios da democracia.

O professor destacou que o atual contexto mundial, marcado pela ascensão de megacorporações e o recrudescimento de ideologias autoritárias, coloca em risco os direitos sociais e a soberania dos países. “A intervenção sobre as leis nacionais, o monopólio da tecnologia e a desregulação do campo dos direitos coletivos são estratégias que visam minar a autonomia dos povos”.

Foto de Natália Ribeiro – CNS Ascom

 

Iniciativa conjunta do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e do Centro de Educação e Aconselhamento Popular (Ceap), por meio da Comissão Intersetorial de Educação Permanente para o Controle Social do SUS (CIEPCSS/CNS), o Projeto Participa+ completará dez anos em 2026. Ao longo dessa trajetória produziu inúmeros materiais que consolidam as tecnologias sociais da participação social.

Minha participação na abertura da oficina, incumbido do tema gerador Análise de contextos nacional e internacional e os desafios da democracia, foi pedagogicamente acolhida no debate com os conselheiros, especialmente pela moderação do painel conduzida pela presidenta Fernanda Magano, por Sueli Barrios, coordenadora da CIEPCSS/CNS, e por Valdevir Both. Para eles, “como resultado dos dois dias de diálogo, desafios e soluções foram elencados para formar uma agenda de trabalho que alcance o território. O fortalecimento dos conselhos locais de saúde por meio da formação de conselheiros foi apontado de forma unânime como uma ferramenta eficiente. Para os participantes, os elementos que mais impactam o exercício da participação e do controle social do SUS refere-se ao aparelhamento e a cooptação dos conselhos de saúde; a interferências de partidos conservadores nas políticas de saúde; a crise de confiança nas instituições; a responsabilidade política das entidades quando fazem indicações para os conselhos; e o financiamento adequado para o SUS”.

Os dois outros temas geradores apresentados nos turnos da Oficina foram O direito humano à saúde no contexto da democracia atual Modelo de atenção e organização das ações e serviços.

Para a presidenta do CNS, Fernanda Magano, foram muito importantes as trocas que a atividade proporcionou, em especial neste momento em que a 18ª Conferência Nacional de Saúde está sendo convocada. “Estamos aqui pela política pública da saúde e é importante destacar isso, que a gente possa fazer esse movimento dentro do CNS, da importância e valorização do SUS para os outros conselhos”.

Para além dos aspectos já destacados como questões postas na minha intervenção, a Oficina foi uma oportunidade para recuperar minhas contínuas incidências no tema do direito à saúde.

Principalmente desde a perspectiva de O Direito Achado na Rua, sua concepção e prática, a linha de pesquisa e grupo de investigação que coordeno na UnB, conforme, por exemplo, Introdução Crítica ao Direito à Saúde – https://estadodedireito.com.br/introducao-critica-ao-direito-a-saude/, neste caso referido à Série O Direito Achado na Rua, vol.4: Introdução crítica ao direito à saúde. Organizadores: Alexandre Bernardino Costa, José Geraldo de Sousa Junior, Maria Célia Delduque, Mariana Siqueira de Carvalho Oliveira, Sueli Gandolfi Dallari. Curso de Extensão Universitária a Distância. Brasília: Universidade de Brasíla/CEAD-CEAM-Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos e FIOCRUZ, 2009.

Nessa obra, quarto volume da Série O Direito Achado na Rua – Introdução Crítica ao Direito à Saúde, abre-se o contexto de uma concepção que capta o Direito em movimento ao impulso do social, indicamos desde logo, que no caso específico do direito à saúde, não se pode perder de vista o quanto a articulação de movimentos sociais, sobretudo nos anos 1980, contribuiu para a criação dessa ideia no imaginário do Direito, constituindo a arquitetura de um sistema de proteção à saúde sólido e eficaz.

Com efeito, o movimento social pela reforma sanitária se configurou como um dos mais fortes protagonistas durante o processo constituinte que desaguou na Constituição de 1988 e teve, na 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília, em 1980, um momento de definição de novas diretrizes para o sistema de saúde no Brasil.

Nesse processo, construiu-se a ideia de um sistema de saúde no Brasil (depois traduzido na Constituição), na representação de um Sistema Único de Saúde (SUS), baseado na descentralização das ações e serviços de saúde, com direção única em cada esfera de governo, atendimento integral e universal com prioridade para as atividades preventivas e participação social para a definição e o controle das ações do sistema.

Pode-se dizer ter sido essa experiência, carregada de ampla participação política dos sujeitos sociais e presença ativa na esfera pública – a rua – para formar opiniões, o fator que conduziu o problema da saúde, até aí visto apenas como uma carência da vida cotidiana, para integrá-lo à categoria de direito social positivado, inscrito na Constituição sob a designação geral de “saúde direito de todos e dever do Estado”.

É isso que dispõe hoje a Constituição (artigo 196), erigindo a saúde em direito garantido por meio de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos e ao acesso igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

Para mim, enquanto compromisso de co-organizador da obra, permaneceu a lealdade trazida nesse enunciado, de tudo quanto se expressou na mobilização social traduzida pelo Movimento Sanitarista brasileiro quando esboçou, na 8ª Conferência Nacional de Saúde, a concepção e o desenho de um sistema que veio íntegro para a Constituição de 1988. E de minha parte com a gravidade de ter participado da construção do modelo, integrante que fui do primeiro painel Saúde como Direito Inerente à Cidadania e à Personalidade, logo após a abertura com a presença do Presidente da República, expondo o tema A Construção Social da Cidadania, anais p. 61-69.  (http://www.ccs.saude.gov.br/cns/pdfs/8conferencia/8conf_nac_anais.pdf). Conferir a propósito, a edição digital https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/39282/2/O%20Direito%20Achado%20na%20Rua.pdf).

Também, em https://estadodedireito.com.br/direitos-humanos-e-covid-19/, a propósito de Direitos Humanos e Covid-19. Grupos sociais vulnerabilizados e o contexto de pandemia. Organizadores: José Geraldo de Sousa Junior, Talita Tatiana Dias Rampin e Alberto Carvalho Amaral. Prefácio de Boaventura de Sousa Santos. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2021; e na sequência, atendendo ao interesse editorial,  https://estadodedireito.com.br/direitos-humanos-covid-19-vol-2-respostas-sociais-a-pandemia/, sobre Direitos Humanos & Covid-19, vol. 2. Respostas Sociais à Pandemia. José Geraldo de Sousa Junior, Talita Tatiana Dias Rampin, Alberto Carvalho Amaral (orgs.). Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2022.

Na Oficina, como também na linha orientadora de minha percepção do processo democrático e dos desafios permanentes que a partir dele se coloca para a cidadania,  o que a propósito se estabeleceu na 8ª Conferência Nacional de Saúde (17 a 21 de março de 1986). De fato, lembrou Valdevir Both durante a Oficina, lendo inclusive um trecho, tendo participado do Painel Saúde como Direito Inerente à Cidadania e à Personalidade, pude desenvolver o tema A Construção Social da Cidadania, no qual afirmei: “A armação, num documento constitucional, de uma estrutura de organização de poder e de direitos, resultará apenas num arcabouço formal se as forças sociais deixarem de responder consciente e mobilizadamente às indicações e referências de seu respectivo projeto histórico emergente, âmbito em que se localiza a possibilidade concreta de um efetivo poder popular. A esfera de poder das chamadas organizações populares de base, em arranjo constituinte, não materializa apenas uma experiência recente de organização dos movimentos sociais na direção de um papel determinante, ativo e soberano de seu próprio destino. No processo de reconhecimento de suas formações contra-institucionais e contraculturais, as classes e grupos emergentes, por meio de novas formas organizativas, estabelecem novas quotas de libertação no conjunto da sociedade” (Anais, Brasília: Centro de Documentação do Ministério da Saúde, 1987, pp. 61-67).

Também tomo como referência para inserir no processo democrático o princípio participativo, na retrospectiva que fiz em meu depoimento para https://www.youtube.com/watch?v=_aGQVP5yN-w&t=1761s, Cebes – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – Cebes: Vídeo do Seminário Cebes 40 anos: Democracia e Saúde. Eixo temático ‘Crise Política, Golpe Institucional e impactos sobre a Democracia e os Direitos Sociais’.

Na Oficina, como fêcho do enunciado gerador, valeu poder recuperar os principios, fundamentos, pilares e enunciados da educação popular para o SUS. Com efeito, a Educação Popular em Saúde (EPS), no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), consolida-se como uma política nacional e um campo de práticas e saberes que articula saúde, participação social e emancipação cidadã. Seu marco normativo é a Política Nacional de Educação Popular em Saúde no SUS (PNEPS-SUS), instituída pela Portaria GM/MS nº 2.761/2013.

São Princípios da Educação Popular para o SUS: o Diálogo – Reconhecimento de que o conhecimento é produzido na interação entre saberes populares e saberes técnico-científicos; a Amorosidade – Relações de cuidado, respeito e solidariedade na produção da saúde; a Problematização – Leitura crítica da realidade e dos determinantes sociais da saúde; a Construção compartilhada do conhecimento – Horizontalidade, valorizando experiências de vida e práticas comunitárias; a Emancipação – Fortalecimento da autonomia individual e coletiva; e o Compromisso com a transformação social – Atuação voltada para justiça social e equidade.

Em resumo, a Educação Popular no SUS é uma pedagogia da participação e da vida, que conecta saberes e práticas para fortalecer o direito à saúde, a democracia participativa e a emancipação social.

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)

José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).

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