Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito
Jair Reck. Por uma Educação e Sociedade do Bem Viver: Rumo a uma Abordagem Holística e Sustentável. Tese apresentada a Universidade de Brasília–UnB, como requisito parcial para promoção na carreira docente de titular. UnB/Planaltina (FUP), 2025, 263 fls.
A Titulação se estabeleceu desde o diálogo interpelante com a Banca Examinadora formada por mim que a presidiu e pelos professores Valdo José Cavallet – UFPR- Titular; Antônio Dari Ramos – UFGD- Titular Losandro Antônio Tedeschi – UFGD- Titular; Marcelo Ximenes Aguiar Bizerril-– UnB- Suplente e Odorico Ferreira Cardoso Neto- UFMT- Suplente.
De acordo com o resumo, a tese
concentrou-se na filosofia do Bem Viver como uma alternativa holística e sustentável aos modelos dominantes de desenvolvimento e educação, buscando caminhos para uma sociedade maisjusta e em harmonia com a natureza. Estruturada em duas partes, a pesquisa inicialmente estabelece as bases teóricas e filosóficas do Bem Viver, investigando suas raízes em saberes ancestrais e milenares de povos originários da América Latina e de outras regiões, e contrastando-as com as lógicas do colonialismo histórico e do neocolonialismo capitalista contemporâneo. Analisa-se o conceito de Bem Viver (Sumak Kawsay/Suma Qamaña/tekoá-porã) e sua aplicação prática nos Estados Plurinacionais da Bolívia, Equador e além destes, destacando princípios como coletividade, direitos da Mãe Terra, espiritualidade integradora e equilíbrio socioambiental. A primeira parte também conecta o Bem Viver às Epistemologias do Sul e a campos como a ecologia política, a agroecologia e o Ecossocialismo, apresentando-os como contrapontos ao paradigma eurocêntrico e desenvolvimentista. A segunda parte da tese foca na aplicação destes princípios no contexto educacional e social brasileiro. Realiza-se uma crítica àsinstituições escolares e universitárias atuais, apontando seu caráter frequentemente reprodutivista e alienante, e propõe-se uma educação cooperativa, criativa, ecológica e contextualizada, comprometida com o Bem Viver. São examinadas as potencialidades e desafios para transformar o Bem Viver em políticas públicas, analisando exemplos como a experiência pedagógica da UFPR Litoral e a consonância dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e do sistema educacional brasileiro (pós-Constituição de 1988) neste, a política de educação do campo e as perspectivas na relação com a filosofia do Bem Viver. Portanto, reafirmando a urgência de adotar o Bem Viver como horizonte para superar as crises contemporâneas, enfatizando a necessidade de mudanças culturais, políticas e institucionais profundas, baseadas na participação social, na valorização da diversidade epistêmica, da sabedoria ancestral e no respeito a todas as formas de vida.
Dividida em duas partes, na primeira, depois da Introdução e de Notas Iniciais oferecendo o Objetivo Geral e os Resultados Esperados, a Tese percorre um roteiro analítico à exaustão que logo exibe a perspectiva não só epistemológica do Autor mas sua inserção política inteiramente desvelada no trabalho, que se exibe no Sumário:
PRIMEIRA PARTE
POR UMA EDUCAÇÃO E SOCIEDADE DO BEM VIVER: RUMO A UMA ABORDAGEM HOLÍSTICA E SUSTENTÁVEL
1 COMPREENSÕES E RESISTÊNCIAS DAS SOCIEDADES MILENARES E ANCESTRAIS
2 COLONIALISMO DE ONTEM, O NEOCOLONIALISMO CAPITALISTA E A
RESISTÊNCIA DOS POVOS SUBJUGADOS
2.1 As novas formas de neocolonialismo contemporâneas
2.1.1 Novos colonialismos
2.1.2 Recolonização planetária
3 O CONTRAPONTO SÓCIO-EPISTÊMICO AO NECOLONIALISMO DESDE O SUL GLOBAL
3.1 Para além da decolonialidade e das epistemologias do sul: a contracolonialidade
3.2 José Martí: Um Pioneiro do Pensamento Contracolonial na América Latina
3.3 Complementaridade Contracolonial entre a filosofia do Bem Viver e a filosofia Ubuntu
4 O BEM VIVER DESDE O ESTADO PLURINACIONAL DA BOLÍVIA, EQUADOR E PARA ALÉM
4.1 Conceitos de bem viver na Bolívia, Equador e para além
4.2 Algumas das principais características da filosofia do Bem Viver
4.2.1 Coletividade, comunidade e os direitos da Mãe Terra
4.2.2 Vida plena e espiritualidade integradora
4.2.3 Sustentabilidade e Equilíbrio
5 O ESTADO PLURINACIONAL DA BOLÍVIA, EQUADOR E PARA ALÉM
5.1 Características dos Estados plurinacionais
5.1.1 Reconhecimento da plurinacionalidade
5.1.2 Democracia radical, autonomia indígena e governança
5.1.3 Cosmovisão andina na política plurinacional
5.1.4 Direitos sociais e econômicos
5.1.5 Perspectivas de superação do desenvolvimento capitalista e o mundo do trabalho
6 A NECESSIDADE URGENTE DA HUMANIDADE VOLTAR-SE PARA O HORIZONTE DO BEM VIVER – NA PRÁXIS DO REENCONTRO COM A NATUREZA E SUAS ALTERIDADES
7 ECOLOGIA POLÍTICA E AGROECOLOGIA, HERDEIRAS E CAMPO FÉRTIL DOS SABERES E FAZERES ANCESTRAIS: CAMINHOS INTEGRADORES DA PRÁXIS DO BEM VIVER, HORIZONTE PARA UMA VIDA COMUM E SAUDÁVEL
7.1 Bem Viver e Ecossocialismo: ConvergênciaseDiálogos
REFERÊNCIAS
SEGUNDA PARTE
DA EDUCAÇÃO E SOCIEDADE QUE TEMOS: MIRANDO-SE NO HORIZONTE DA FILSOFIA DO BEM VIVER 8 POR UMA EDUCAÇÃO COOPERATIVA, CRIATIVA, ECOLÓGICA, COMPROMETIDA COM O BEM VIVER
9 COMO A INSTITUIÇÃO ESCOLA/UNIVERSIDADE TRATAM DA QUESTÃO DO SENTIDO-SIGNIFICADO DA APRENDIZAGEM E OS DESAFIOS DA IMPLEMENTAÇÃO DA FILOSOFIA DO BEM VIVER
10 PRINCÍPIOS DO BEM VIVER, SEUS FUNDAMENTOS, COM BASE EM FILOSOFIAS INDÍGENAS E DEMAIS CULTURAS QUE PROMOVAM UMA EDUCAÇÃO PARA UMA VIDA HARMONIOSA
11 BEM VIVER, PRINCÍPIOS E VALORES PARA VIVENCIAR EM TODAS AS
FASES DA VIDA EDUCACIONAL – ALGUMAS APROXIMAÇÕES
11.1 Educação integral, holística-comunitária
11.2 Educação ambiental, sustentabilidade intracultural e intercultural
11.3 Cultura se cooperação e solidariedade para o Bem Viver
11.4 Autocuidado e bem-estar coletivo para o Bem Viver
11.5 Participação comunitária, autonomia, cidadania crítica e ativa
11.6 Relação entre o saber e o fazer na práxis do Bem Viver
11.7 Ética do cuidado com o(a) outro(a) e a cultura da paz
12 PARA IMPLEMENTAR NA PRÁXIS, OS PRINCÍPIOS, VALORES E FUNDAMENTOS NA BUSCA PELO BEM VIVER, ALGUMAS ESTRATÉGIAS PODEM SER ADOTADAS
12.1 Aprendizagem baseada em projetos e problemas da realidade nas/das comunidades
12.2 Educação experiencial voltadas para o Bem Viver
12.3 Uso de tecnologias educacionais
12.4 Conexão com a cultura local
12.5 Avaliação formativa e autêntica
13 COMO TRANSFORMAR O BEM VIVER EM POLÍTICAS PÚBLICAS, ALGUMAS PERSPECTIVAS
13.1 Revisão do conceito de desenvolvimento para o Bem Viver
13.2 Políticas ambientais para o Bem Viver
13.3 Democratização da tomada de decisões para o Bem Viver
13.4 Educação intercultural para o Bem Viver
13.5 Economia solidária e cooperação para o Bem Viver
13.6 Direitos humanos e da natureza em equidade para construção do Bem Viver
13.7 Saúde comunitária e medicina tradicional para o Bem Viver
13.8 Exemplos práticos
14 PRÁXIS POLÍTICA-PEDAGÓGICA DE INTENCIONALIDADE EMANCIPATÓRIA, O CASO DA UFPR LITORAL
14.1 Especialização em Alternativas para uma Nova Educação – ANE
15 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE DO BRASIL-SUS COM FUNDAMENTO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 – SUA CONEXÃO COM A BASE DE VALORES DA FILOSOFIA DA PRÁXIS DO BEM VIVER
16 O SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO DESDE A CONSTITUIÇÃO DE 1988
E A FILOSOFIA DO BEM VIVER
16.1 A educação e a práxis do Bem Viver no Brasil
17 EDUCAÇÃO DO CAMPO: POSSIBILIDADE DE UMA POLÍTICA PÚBLICA EMANCIPATÓRIA
18 ALGUNS DESAFIOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO BEM VIVER NAS POLÍTICAS PÚBLICAS E REFLEXÕES EM ABERTO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANEXO – Uma Vida Dedicada à Educação Como Processo Emancipatório: Reflexões e Memórias das Vivências Político-Pedagógicas
O arranjo analítico da tese, à luz do sumário, por si indica a satisfação do requisito de ineditismo, mérito e originalidade da tese apresentada. Num primeiro plano, o trazer para fundamento teórico do trabalho, considerando a realidade empírica analisada, experiências brasileiras, o bem viver (Sumak Kawsay/Suma Qamaña/tekoá-porã) e sua aplicação prática nos Estados Plurinacionais da Bolívia, Equador e além destes, destacando princípios como coletividade, direitos da Mãe Terra, espiritualidade integradora e equilíbrio socioambiental), tão espontâneo na realidade andina desde o imaginário dos seus povos originários e ancestrais.
Referi-me a isso, entre outros escritos, em https://estadodedireito.com.br/chaninchay-rondando-en-los-pueblos-por-justicia-seguridad-y-buen-vivir/, para inferir das origens e das culturas constitutivas de Abya Yala e dos Andes, especificamente, as condições que regulamentaram sua interação e ordem social através de instituições originarias as quais inferem princípios e valores que sustentam suas normas, práticas e costumes, os mesmos que com a conquista e subsequente imposição do Estado baseado num “direito tradicional positivo”, fazendo que essas práticas e conhecimento da justiça indígena sejam subordinada por um sistema jurídico ocidental positivo através da inserção de categorias artificiosas como a coordenação desde a perspectiva unívoca e hegemônica.
E como contribuição para adensar conhecimentos que se fundem nessa categoria, o poder localizar as potencialidades e desafios para transformar o Bem Viver em políticas públicas, analisando exemplos como a experiência pedagógica da UFPR Litoral e a consonância dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e do sistema educacional brasileiro (pós-Constituição de 1988) neste, a política de educação do campo e as perspectivas na relação com a filosofia do Bem Viver.
Muito particularmente o poder abrir perspectivas pedagógicas para estabelecer pautas para uma educação emancipatória, enfatizando a necessidade de mudanças culturais, políticas e institucionais profundas, baseadas na participação social, na valorização da diversidade epistêmica, da sabedoria ancestral e no respeito a todas as formas de vida, condição, aliás, que Jair Reck recupera de seu percurso, tal como ele já experimentara enquanto reflexão, em texto de 2005 – Por uma educação libertadora: o ideário político-pedagógico do educador cubano José Martí. Cuiabá: EdUFMT – como modo de realizar, tal como coloca o bispo Pedro Casaldáliga, na Apresentação, disposição com a qual que “educadores e militantes deveriam retomar a força transformadora da educação integral como o primeiro serviço à formação das pessoas e dos povos da Pátria Grande”.
Assim que Jair, na tese finaliza com desafios para Implementar o Bem Viver nas Políticas Públicas. De fato, para ele, a implementação do Bem Viver enfrenta obstáculos estruturais e culturais. Entre eles, destacam-se: a influência de grandes corporações, sobretudo do setor extrativista; o conflito entre o modelo capitalista e a cosmovisão indígena; e a resistência à mudança de mentalidade, tanto na sociedade quanto nos governos, ainda guiados por paradigmas de crescimento econômico tradicional.
Transformar o Bem Viver em política pública exige abordagem sistêmica, com mudanças profundas culturais, políticas e institucionais. É um processo de longo prazo, dependente de participação social ampla e do reconhecimento dos saberes indígenas e de outras culturas que cultivam práticas sustentáveis.
Se bem caiba ao Estado corrigir falhas do mercado e promover mudanças estruturais, a principal responsabilidade, entretanto, é da sociedade, que, a partir das comunidades, deve organizar-se de forma igualitária para alcançar equidade e equilíbrio. O Bem Viver requer integração com a natureza, compromisso intergeracional e sintonia com todas as formas de vida.
Para uma sociedade do Bem Viver, é necessário superar a lógica capitalista e seus mecanismos ideológicos, promovendo uma cultura de paz baseada em cooperação, solidariedade, respeito e diálogo. Devem-se valorizar as diferenças e buscar soluções pacíficas para conflitos, visando uma dimensão integrativa, regenerativa e ecossocialista.
Práticas sustentáveis devem permear produção, consumo e gestão ambiental, respeitando limites planetários, garantindo equidade e combatendo discriminações. É essencial ampliar a democracia participativa e fortalecer o protagonismo comunitário.
A educação deve ter abordagem holística, voltada à compreensão crítica da realidade e ao compromisso com a superação de injustiças, englobando dimensões emocionais, políticas, ecológicas, econômicas e sociais, pautada na ética do cuidado.
Ao mesmo tempo, relações solidárias e cooperativas devem fortalecer redes comunitárias, reconhecendo e valorizando a diversidade cultural, étnica, religiosa e de gênero. É preciso também fomentar consciência ecológica desde a infância, priorizando as comunidades locais e seus saberes tradicionais.
Portanto, promover o Bem Viver requer transformação profunda das estruturas psíquicas, sociais, ecopolíticas e econômicas. É um caminho de esperança que pode levar a comunidades saudáveis, equilibradas e sustentáveis, onde a economia sirva à vida, à felicidade e ao respeito pela natureza.
Em sua arguição, o professor Antonio Dari Ramos, sintetizou a tese de Jair Reck, numa metáfora sensível e elegante: A vida que pulsa a partir das margens. Retenho uma passagem do belo comentário que ele enviou por escrito ao final da defesa:
O texto Por uma educação e sociedade do bem viver: rumo a uma abordagem holística e sustentável, que ora analiso, é vida que pulsa a partir das margens, um grito contra as injustiças e em favor de um mundo novo. Nele, Jair Reck expressa, a partir de sua militância tanto nos movimentos sociais quanto na educação formal, sua convicção e crença numa humanidade despojada de outras pretensões que não a de viver bem, em harmonia consigo mesma e com a natureza. Por ser expressão do modo de pensar e viver de Jair, ele não é composto apenas de palavras, mas de experiências pessoais calcadas em um intenso compromisso com a dignidade humana. Convivi mais diretamente com Jair entre 1989 e 1994, e sempre o vi extremamente solidário e abnegado, ao mesmo tempo profundamente inquieto, sonhador, comprometido politicamente com o pensamento libertário e revolucionário, além de indignado com os rumos que a humanidade toma em direção à morte, o que conserva ainda hoje, como se vê no texto apresentado.
O texto é provocativo, repleto de utopias que valorizam as experiências dos povos tradicionais, especialmente africanos e indígenas, mas também da UFPR, de projetos educacionais, do SUS, do MST e da Licenciatura em Educação do Campo, tomados como caminhos para a superação das mazelas coloniais ainda presentes entre nós. Mais do que apoiar-se em teorias de gabinete ou, como diz, em filosofias abstratas, Jair busca inspiração nos saberes tradicionais de grupos humanos que foram e continuam sendo silenciados pela colonialidade, reconhecendo que sua práxis filosófica pode ser a chave para tal superação, hipótese que ele apresenta e conclui com êxito ao longo do trabalho
O texto repete, direta ou indiretamente, que as comunidades tradicionais não são comunidades do passado. Elas se reinventam constantemente. Sua ancestralidade aponta para um futuro, não para o passado, de modo que o teko porã é uma bússola a ser perseguida para superar os traumas do colonialismo reiterado. Quanto a isso, há que se reafirmar que todos os povos indígenas foram e são vítimas do colonialismo e sofrem violências de todos os tipos, porém muitos deles continuam resistindo às investidas de seus agentes. No Mato Grosso do Sul, isso não é diferente, mas o esbulho territorial os torna dependentes do capitalismo para o atendimento de suas necessidades básicas. O problema é que seu acesso ao capitalismo se dá a um preço que está acabando com eles próprios e com o sentido mesmo da existência, de modo que a taxa de suicídio entre eles é mais de dez vezes superior do que entre o restante da população brasileira, num evidente sintoma da perda de sentido da vida. Sua situação de confinamento territorial é, certamente, a principal causa.
A resistência ao colonialismo praticada ao longo da história por quilombolas e povos indígenas, negando-se a serem colonizados, é o que leva Antônio Bispo a se dizer contracolonial e não decolonial, uma vez que acredita que os quilombos não foram colonizados. Isso é expresso na tese de Jair, à página 49, quando ele critica a categoria da “decolonialidade”, devido ao prefixo “de” significar depressão, deterioração. Resta o desafio, então, de articular teoricamente o pensamento decolonial à contracolonialidade.
Apesar do pertinente comentário do Prof. Dr. José Geraldo de Sousa Junior, no momento da banca de defesa desta tese, sobre o fato de a ciência ser uma criação moderna, carregando consigo todo um conjunto de teorias e ideologias, os intelectuais indígenas com os quais convivo reivindicam o título de ciência para seus saberes. A percepção que demonstram é que, enquanto os saberes acadêmicos são tidos como ciência, os seus ou são escondidos e negados, ou são tratados como de status inferior. É nesse sentido que a leitura desta tese me leva a questionar se a divisão do conhecimento em científico, indígena e popular é a melhor possível. Por outro lado, me leva a pensar sobre os limites de se tomar os saberes tradicionais indígenas, quilombolas e populares como ciência, conformando-os à racionalidade ocidental. Esse é um debate em aberto, mas central quando se pensa no diálogo de saberes, tanto em termos da filosofia do bem viver quanto nas práticas acadêmicas e sociais.
Penso que o fecho da tese dialoga com esse belo comentário. Com efeito, o trabalho refletiu sobre a filosofia e a prática do Bem Viver, evidenciando seu potencial transformador para sociedade e educação. Ao valorizar saberes ancestrais, questionar estruturas coloniais e propor alternativas de convivência, apontou a urgência de mudanças profundas nas esferas políticas, econômicas, educacionais e sociais, visando superar desigualdades e degradação ambiental.
O Bem Viver rompe com visões deterministas, resgatando experiências históricas de reciprocidade com a natureza, solidariedade e diversidade cultural, tratando a natureza como sujeito de direitos. Mostrou-se que a agroecologia, enraizada na ancestralidade, contrasta com o agronegócio, que compromete biodiversidade e convivialidade.
Sua implementação requer esforços coletivos e integrados — interétnicos, intergeracionais, interculturais e transdisciplinares —, reconhecendo a plurinacionalidade e promovendo práticas sustentáveis, inclusivas e emancipatórias. A educação é central nesse processo, devendo estimular consciência crítica, cooperativa e criativa, em oposição à “educação bancária” denunciada por Paulo Freire.
O Bem Viver influencia debates globais sobre sustentabilidade, direitos da natureza e alternativas ao desenvolvimento, como demonstram as constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009). Defende-se a superação do individualismo e da exploração, em favor de formas de vida baseadas na cooperação, comércio justo e harmonia ambiental.
Mais que conceito, o Bem Viver deve ser compromisso coletivo por um futuro ecossocialista, com profundo respeito a todas as formas de vida. Apesar dos desafios, oferece uma alternativa inspiradora para sociedades justas, sustentáveis e inclusivas, com relevância além da América Latina.
Em Jair Reck, as “trilhas” do Bem Viver representam reencontros e novas perspectivas, abertas e emancipatórias, com raízes ancestrais, sempre voltadas à autenticidade e à construção coletiva de horizontes inéditos.