Globalização dos Movimentos Sociais: Uma Assembleia internacional dos povos?

Realizou-se em Brasília, V Seminário de Formação Comunitária em Direitos Humanos – Região Centro Oeste, seguido do Seminário Nacional de encerramento do ciclo de reflexão-ação, construída desde os seminários regionais anteriores, cobrindo o território nacional de incidência.

Sobre o significado político-epistemológico desse projeto, sua coordenação, parcerias e protagonismos, dei notícia aqui na coluna O Direito Achado na Rua, conforme https://brasilpopular.com/mst-formacao-comunitaria-em-direitos-humanos/.

Em síntese, um esforço de construir, na relação entre o acadêmico e o protagonismo social, compromissos sérios de fortalecimento de projetos emancipatórios. Nesse compromisso se inscreve a proposta de formação comunitária em direitos humanos que a Universidade de Brasília realiza em formato de extensão universitária para o setor de direitos humanos do MST, numa parceria com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e com o fomento promovido por emendas parlamentares designadas orçamentariamente pelos deputados federais Orlando Silva e Helder Salomão.

Instalado na UnB, em sua Faculdade de Direito, os participantes estudantes, profissionais da área de direitos humanos e da natureza, pesquisadores e representantes de diferentes movimentos sociais e organizações não governamentais, estabeleceram um debate propositivo sobre temas como: conflitos no campo e as ações do agribusiness; acesso às políticas públicas e à justiça; mobilização e organização social.

A Reitora da UnB professora Rozana Naves, Diretor da Faculdade de Direito professor Alexandre Bernardino Costa e dirigentes governamentais e de organizações sociais, recepcionam os seminaristas. Foto de Julia Zucci Natour

No Seminário Nacional, no espaço do Auditório Esperança Garcia da Faculdade de Direito da UnB, os debates se deram a partir de temas e seus expositores que procuram abrir perspectivas que interpelam o futuro das lutas que convocam o protagonismo dos movimentos.

Ponho em relevo as referências-guia da discussão que se travou: “Movimentos Sociais e as Lutas por Democracia no Século XXI”, com as participações de Ayala Ferreira (coordenadora nacional da área de direitos humanos do MST), Nicolau Dino (Procurador Federal dos Direitos do Cidadão) e professor da UnB, Sheila de Carvalho (Secretária Nacional de Acesso à Justiça) do Ministério da Justiça e também eu, numa mesa com a mediação da professora Talita Rampin uma das coordenadoras do Projeto.

No dia seguinte, a Mesa: “Cenário de Mobilização Comunitária por Direitos Humanos no Brasil”, com o objetivo de apresentação das conclusões dos vários grupos de trabalho por região teve a participação de Efendy Emiliano Maldonado Bravo (UFRGS) e Marina Dermmam (Sul); Mariana Trotta Dallalana Quintans (UFRJ) e Letícia Santos Souza (Sudeste); Edgar Menezes Mota (Nordeste); Alessandra Farias e Anderson Santos (Centro-Oeste); Aldenir Gomes da Silva (Norte), com a mediação do professor Antonio Escrivão Filho, também coordenador do Projeto.

Finalmente, encerrando o Seminário Nacional, em mesa coordenada por Diego Vedovatto, dirigente do MST e mestre em Direito pela UnB, também um das coordenadoras do Projeto, o tema foi “Política Agrária e Sistema de Justiça”, com a participação de Junior Fidelis (Procurador da AGU), Maíra Corací Diniz (INCRA), defensora pública, Fábio Esteves (juiz do Conselho Nacional de Justiça) e Ney Strozake (dirigente da área jurídica do MST) e da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia).

Além de alunos de Programas de Pós-Graduação em Direito (Faculdade de Direito) e de Direitos Humanos e Cidadania (CEAM-UnB), foi marcante no encontro, por sua organicidade, a participação de advogados e de advogadas que formam o setor jurídico do MST, quase todos e todas egressos de turmas especiais de direito para assentados da reforma agrária (PRONERA), o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, uma política do governo federal brasileiro que visa promover a educação e a formação de trabalhadores e trabalhadoras rurais, além de formar educadores para as escolas do campo. Ele busca garantir o direito à educação para a população do campo, contribuindo para a erradicação do analfabetismo e a consolidação da educação do campo.

Advogadas e advogados e professores egressos do PRONERA – Turmas Especiais de Direito para assentados da Reforma Agrária presentes no Seminário Nacional de DHs. Foto de Julia Zucci Natour

O Seminário aconteceu em seguida à realização, também em Brasília, entre 30/05 a 01/06/2025, importante seminário com o objetivo de estabelecer estratégias de incidência política a respeito da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos das Camponesas e dos Camponeses.

Também fiz referência a esse Seminário, a propósito de acentuar, dado o tema, uma nítida mobilização de movimentos, entre eles o MST, que atuam de maneira articulada para fortalecer a luta do campesinato e dos povos do campo no Brasil, buscando ampliar os direitos e resistir aos impactos do agronegócio e do capital sobre os territórios rurais, mas abrindo uma frente de internacionalização, num processo de rede de movimentos, no qual se distingue a Via Campesina. Ver a esse respeito o meu artigo na Coluna O Direito Achado na Rua: https://brasilpopular.com/seminario-nacional-sobre-os-direitos-das-camponesas-e-dos-camponeses/.

A Via Campesina é um movimento internacional de articulação de organizações camponesas, de trabalhadores rurais, povos indígenas e comunidades tradicionais. Ela surgiu como resposta ao avanço do neoliberalismo e do agronegócio, buscando fortalecer a luta dos camponeses e camponesas em todo o mundo.

Como tal, é uma rede global de organizações camponesas, fundada oficialmente em 1993, em Mons, na Bélgica, reunindo movimentos de diferentes países para dar voz aos camponeses e enfrentar o poder das transnacionais e do agronegócio, tendo se consolidado como um ator fundamental na denúncia das desigualdades impostas pelo modelo agroindustrial e em propor alternativas baseadas na agricultura familiar, agroecologia e na defesa dos bens comuns.

Novidade, pelo menos para mim, foi a informação lançada pela dirigente Ayala Ferreira, de uma nova e formidável articulação de movimentos sociais, MST entre eles, para criar uma assembleia global de movimentos.

A articulação chama-se AIP Assembleia internacional dos povos. É uma iniciativa em construção que vem sendo impulsionada por movimentos sociais, incluindo o MST, junto a organizações populares de diferentes países. Ela surge como uma proposta de espaço global de articulação anticapitalista, anti-imperialista, contra o neoliberalismo e pela soberania dos povos, com foco em lutas comuns como direitos humanos, justiça climática, reforma agrária, agroecologia, agricultura familiar, soberania alimentar e democratização da comunicação.

A proposta foi lançada publicamente durante o Fórum Social Mundial 2024 (realizado no Nepal), com participação de movimentos do Brasil (como o MST), América Latina, Ásia e África. Seu objetivo é ser um espaço permanente de deliberação popular, alternativo a instituições como a ONU, o FMI e o G20, vistas como representantes dos interesses do capital global. E a inspiração vem de processos como: Assembleia dos Povos do Caribe (que discute reparação histórica e integração regional); Cúpula dos Povos (articulação paralela a cúpulas oficiais como a Rio+20) e da própria Via Campesina (modelo de organização transnacional de movimentos camponeses).

Além do MST, há envolvimento de Movimentos indígenas (como a CONAIE do Equador e o movimento zapatista no México); de Organizações de direitos humanos (ex.: redes que atuam contra a criminalização de ativistas); de Sindicatos e coletivos urbanos (focos em trabalho digno e moradia) e de Redes ambientalistas (especialmente as ligadas ao ecossocialismo).

Ainda em fase de estruturação, já se prevê a instalação de assembleias regionais preparatórias, de encontros temáticos (ex.: soberania alimentar, justiça climática), e de mobilizações para exercer pressão sobre organismos internacionais (ex.: denúncias na OIT ou Corte Interamericana de Direitos Humanos).

Diferentemente de outros espaços, por exemplo do Fórum Social Mundial que é um espaço plural mas pouco deliberativo, a AIP pretende ter capacidade de ação conjunta, como campanhas globais ou solidariedade a lutas locais (ex.: apoio a palestinos ou contra golpes de Estado).

Com lançamento oficial previsto para 2025, possivelmente durante o Fórum Social Mundial na Colômbia, a nova articulação, que mostra a capacidade das lutas populares e de trabalhadores de se reinventarem, já dá a perceber, por declarações públicas de dirigentes, especialmente do MST, a importância de fortalecer esse processo conquanto a AIP pode ser uma “articulação global dos povos contra o capital”, pois “Precisamos de uma Assembleia dos Povos que una as lutas do Sul Global, porque a ONU não nos representa.” (João Pedro Stédile); ou de que “A solidariedade internacional precisa sair da retórica e virar ação. Por isso, estamos construindo uma assembleia permanente.” (Kelli Mafort (MST e Via Campesina, em eventos como a Conferência Popular por Direitos e Democracia (2023).

Em 2022, a Via Campesina Internacional discutiu a criação de um “espaço global de decisão popular” durante sua VII Conferência Internacional (Espanha), ao mesmo tempo que se procura estabelecer “novas Arquiteturas de Poder Popular”, ambientes nos quais a proposta da AIT vem sendo gestada.

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)

José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).

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