Manifesto pede regulamentação das redes sociais

Por: José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF

Está circulando, lançado por Juristas e ex-ministros, manifesto que pede regras para redes sociais. Com 182 assinaturas de um rol bem expressivo de personalidades públicas, no momento de sua publicização, o documento é endereçado ao Congresso, ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Planalto, pedindo a criação de regras para o funcionamento das redes sociais no Brasil, sob o fundamento de que as plataformas digitais e as redes devem ter uma “regulamentação de funcionamento, como todas as atividades têm e devem ter numa sociedade democrática”.

A regulamentação das redes sociais é um dos temas mais frequentes nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. No Congresso, dois principais projetos discutem a regulação das redes sociais e de plataformas de inteligência artificial. O chamado PL da Regulação das Redes Sociais, que prevê a regulação das redes, já foi aprovado pelo Senado, mas não conseguiu avançar na Câmara nos últimos anos.

O projeto torna crime a promoção ou financiamento de divulgação em massa de mensagens com conteúdo inverídico por meio de conta automatizada, as chamadas contas-robôs. Também prevê mudanças na responsabilização de plataformas por conteúdos criminosos, além de estabelecer prazos para o cumprimento de decisões judiciais.

O teor do documento e das assinaturas que o subscrevem, incluindo a minha, podem ser conferidos em https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/04/24/juristas-e-ex-ministros-lancam-manifesto-que-pede-regras-para-redes-sociais.ghtml.

Há outras iniciativas em curso no Legislativo visando a criação de regras para o uso de ferramentas de inteligência artificial e também no STF, com ações que tratam do Marco Civil da Internet, estas ainda aguardando julgamento. Essas matérias, conforme se resolvam, terão incidência no entendimento sobre a responsabilidade das plataformas.

Também o Governo Federal impulsiona projeto que combate a disseminação de notícias falsas, mas que precisa vencer trâmites do processo legislativo, o mesmo ocorrendo com outro projeto do Governo, pendente de análise, que estabelece mecanismos de segurança para crianças e adolescentes na internet.

Também tramitam no Congresso projetos de interesse de bancadas religiosas, entre eles o que foi proposto em 2024 pelo presidente da bancada evangélica, na sua retórica apresentado com a justificação de que assegura o direito à “livre manifestação do pensamento na internet”. A proposta de Silas Câmara acaba com o anonimato nas redes, traz regras para proteger crianças, e define que as plataformas poderão ser responsabilizadas “civilmente, de forma solidária, por danos decorrentes da manifestação do pensamento de terceiros na internet”. Em todo caso, nesses fundamentos, esse projeto foi assimilado na proposta do Governo.

Na depuração de justificativa de todas essas iniciativas pode-se sintetizar alguns enunciados principais que traduzem o alcance das preocupações em que elas se assentam ou que balizam as discussões dobre esse tema:

  • Responsabilidade das plataformas: definição de padrões mínimos de moderação de conteúdo, transparência sobre políticas de remoção de conteúdo e sanções para plataformas que não cumprem esses padrões.
  • Fake news e desinformação: implementação de medidas para prevenir a propagação de notícias falsas e promover a liberdade de expressão, como transparência sobre algoritmos de recomendação de conteúdo e educação midiática para usuários.
  • Proteção da privacidade: fortalecimento das medidas de proteção da privacidade, incluindo políticas de privacidade mais transparentes e acessíveis, direitos dos usuários sobre seus dados pessoais e penalidades mais severas para violações de privacidade.
  • Liberdade de expressão vs. discurso de ódio: estabelecimento de padrões claros para identificar e combater o discurso de ódio online, protegendo a liberdade de expressão legítima e promovendo uma cultura de respeito e tolerância nas mídias sociais

Em relação ao manifesto, Alfredo Attié, presidente da Academia Paulista de Direito, um de seus subscritores, afirma acreditar que as redes sociais, na verdade, são “redes anti-sociais” que isolam as pessoas e retiram sua capacidade de promover encontros e trocas comunicativas autênticas. Ele afirma que as plataformas digitais devem ter regulamentação de funcionamento, assim como todas as atividades em uma sociedade democrática. Ele destaca a importância de uma lei clara que impeça o uso nocivo das redes e retire delas a capacidade de causar danos às pessoas e à vida social (https://apd.org.br/alfredo-attie-firma-manifesto-pela-regulamentacao-das-redes-digitais/)

Estou com Alfredo Attié, com quem tenho partilhado inciativas com a disposição de mobilizar o social e o institucional em causas de realização democrática de direitos e de cidadania. Por último, com outros juristas, na iniciativa de abrir um canal de entendimento, na Câmara dos Deputados, para buscar preservar o exercício legítimo do mandato popular do Deputado Glauber Braga, que sofre a ameaça iminente de cassação injusta (cf. Coluna Justiça e Paz: https://brasilpopular.com/glauber-braga-e-a-resistencia-democratica-e-necessario-manter-a-luta/).

De minha parte, no diálogo com pesquisadores que se empenham em atribuir densidade ao valor epistêmico de um Constitucionalismo Achado na Rede, que vá além do artifício retórico que emoldura teorias sobre positivação e operacionalização de direitos constitucionais em ambientes digitais, temos sustentado que há uma relação ambivalente das redes e particularmente da internet com a teoria dos direitos fundamentais manifesta a ambição constitucional em rede, que almeja compreender a automação da vida como ameaça e promessa e também pretende oferecer molduras interpretativas que não possuam enquadramentos estagnados das dimensões dos direitos fundamentais na era digital, levantando questões sobre como as fontes de direito podem ser aplicadas e o quanto novas oportunidades para a realização de liberdades individuais e coletivas podem ser criadas no contexto de proteção constitucional.

As sociedades em processo de amadurecimento político-institucional precisam adentrar em camadas analíticas mais profundas do oligopólio tecnológico, para além das discussões sobre políticas de vigilância e armadilhas da desinformação. É fundamental ampliar o debate sobre quem e em quais condições estão os que desenvolvem as tecnologias da informação e da comunicação, como são implementadas e se estes questionamentos dão conta de responder às necessidades de aprofundamento democrático.

Por isso o campo de análise sobre o Direito à Comunicação nos meios digitais dever ter como enfoque a internet e as tecnologias informacionais como principais expoentes de transformação e modificação social, política e econômica. Para tanto, leva-se em conta duas conceituações jurídicas importantes para o desenvolvimento do pensamento de expansão de direitos em torno da luta pela democratização da informação no contexto de controle comunicacional das mídias sociais: a comunicação enquanto bem público e a soberania algorítmica.

A comunicação encarada como bem público implica na luta pela garantia e pelo exercício da dignidade humana inseridas em um conjunto de direitos e liberdades estendidos para além do formato mercadológico e de produção de informações, mas como meio de impactar de forma significativa a construção da compreensão do direito humano à comunicação como bem social e universal.

Veja-se nesse aspecto os trabalhos de Thaisa Xavier Chaves, Constitucionalismo Achado na Rede: um (re)pensar sobre o Direito Humano à Comunicação e a proteção contra novas formas de submissão maquínica. Brasília: Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, 2023 – https://estadodedireito.com.br/constitucionalismo-achado-na-rede-um-repensar-sobre-o-direito-humano-a-comunicacao/. E antes, a ele referido, o estdo original de Paulo Rená Santarém da Silva. O direito achado na rede: a emergência do acesso à Internet como direito fundamental no Brasil. 2010. 158 f., il. Dissertação (Mestrado em Direito, Estado e Constituição)-Universidade de Brasília, Brasília, 2010 (ver também https://www.youtube.com/watch?v=aVgqu53dEic&list=PLuEz7Ct3A0Uj9NU2BYmgSIM0rWv7IRAjK&index=67 – TV 61 O Direito Achado na Rua: O Direito Achado na Rede. Entrevista com Paulo Rená) e, na mesma linha – https://www.youtube.com/watch?v=-_CTtzVPvn4&list=PLuEz7Ct3A0Uj9NU2BYmgSIM0rWv7IRAjK&index=71 (TV 61 O Direito Achado na Rua: Marco Civil da Internet e IA: entrevista Daniel Vila-Nova).

Parte-se então da compreensão de que este direito carece de justificativa e reconhecimento jurídico, político e social, especialmente quando analisado no contexto do controle tecnológico dos processos comunicacionais no âmbito virtual, no que tange aos seus impactos coletivos.

Por isso, a ênfase, conduzida pela edição de jornalismo, na necessidade de criação de um arcabouço jurídico, de caráter teórico-prático, acompanhado de uma agenda política e econômica, que leve em conta a comunicação em uma abordagem centrada no ser humano, na sua diversidade cultural, identidade política e no controle social. Propõe-se, portanto, com o presente estudo, situar o direito à comunicação no campo virtual como dimensão dos direitos humanos sob uma perspectiva decolonial, considerando a teoria crítica do Direito Achado na Rua, como percurso político, teórico e pedagógico de resistência epistemológica.

São exigências ético-políticas do tempo, mas não chegam a ser novidade. Em O Homem sem Qualidades, a magistral e apesar disso incompleta obra de Robert Musil (iniciada em 1931, 1º volume e com o 3º volume interrompido em 1942, com a morte do autor, ele adverte, a propósito (2º volume, p. 15, da edição portuguesa “Livros do Brasil”, de Lisboa): “Actualmente, numa época em que se diz tudo quanto se quer, em que os profetas e os charlatães empregam a mesma linguagem com poucas variantes, variantes estas que um homem ocupado não tem vagar para discernir, em que as redacções são importunadas dia a dia com a descoberta de novos génios, torna-se muito difícil apreciar com exactidão o valor de um homem ou de uma ideia. Na verdade não podemos fazer mais do que servimo-nos do ouvido se queremos distinguir o momento exacto em que os murmúrios, o ruído das vozes e dos pés diante da redação se torna bastante forte para ser tomado pela voz do povo e conseguir que lhe seja aberta a porta”.

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)

José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).

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