Jornalista e escritor, militante comunista histórico, resenha as razões que o levaram a se desfiliar do Partido Comunista do Brasil, do qual foi um dos dirigentes mais queridos e membro do Comitê Central
Por João Negrão – jornalista em Brasília, foi militante do PC do B por 39 anos (de 1979 a 2018).
Chega às minhas mãos com pouco mais de dois meses de atraso a carta na qual o jornalista e escritor Bernardo Joffily escreve expondo as razões de sua despedida do ainda denominado Partido Comunista do Brasil (PC do B).
O atraso – ele assina e divulga o texto em 9 de dezembro do ano passado – já, em si, tem seu emblema: circulou quase que clandestinamente nas fileiras do partido. “Ah, mas” – diria aqui o leitor que me conhece e sabe que o caminho que Joffily trilhou agora eu o fiz quase sete anos antes, lá em 2018 – “você não faz mais parte das fileiras do PC do B”.
Correto, mas quem ainda milita no PC do B, especialmente nas suas bases, contudo também em importantes instâncias de direção – como o Comitê do Distrito Federal e de outros estados – ficou sabendo só agora que Joffily deixou o partido em que militou por mais de meio século.
E por que esse atraso é emblemático? Há, a meu ver, várias razões. A mais escancarada delas é que, ao contrário de tempos anteriores, em que o desligamento de um militante do naipe de Joffily causaria um impacto forte em toda a militância e na direção central, não houve qualquer manifestação por parte do Comitê Central, nenhuma palavra na imprensa partidária.
Afinal, Bernardo Joffily foi membro do Comitê Central do PC do B e um de seus dirigentes mais aguerridos e queridos. Ele não sabe, mas foi uma das minhas inspirações no jornalismo dentro e fora do partido.

O mesmo aconteceu quatro anos antes, como descreve Bernardo Joffily, quando em carta ao Comitê Central ele alerta para o caminho da destruição que o PC do B trilhava. Nenhuma palavra, a não ser um lacônico (chego a imaginar) telefonema da presidenta Luciana Santos.
Lá, como cá, o silêncio e desleixo da direção central para com o incômodo de um militante histórico e respeitado por gerações de comunistas brasileiros abandonar as suas fileiras tem muitos signos. O primeiro sinal é este mesmo: desleixo. Junte-se a ele a preguiça de empreender o debate, de fomentar a luta ideológica, de emular a força material da militância.
Este é o maior sinal da morte de um partido comunista: não fomentar o debate, não promover a crítica e a auto-crítica, não escancarar as possíveis feridas dos trilhos pequenos-burgueses – como a intestina luta de classes – que vão se sedimentando na ideologia partidária, suplantando seu caráter proletário e refutando sua teoria revolucionária, o marxismo-leninismo.
Este é hoje o ainda denominado Partido Comunista do Brasil: uma agremiação política pequeno-burguesa do ponto de vista ideológico e oportunista na concepção política.
Eu gostaria de conhecer o teor do documento que Joffily enviou ao Comitê Central do PC do B quatro anos antes. Na carta de despedida ele menciona apenas um parágrafo:
“A problemática é que nosso glorioso, esplêndido, fantástico Partido Comunista do Brasil, no pórtico da festa do seu centenário, caminha para o cadafalso. E que a cláusula de barreira é apenas é apenas o invólucro formal da sentença de morte que se avizinha – ditada pela concretude histórica, no Brasil e no mundo, deste início de milênio impregnado pelo ‘drama de treva e luz’ de que nos falam Castro Alves e João Amazonas.”
Certamente ele deve ter sido mais profundo lá. Contudo, a julgar pelas palavras acima, expressa a preocupação institucional neste caminho ao cadafalso. É justo, mas a morte política e institucional do PC do B tem raízes na traição dos atuais dirigentes, de uma direção fraca, medíocre, que se rendeu à pós-verdade e aos conchavos espúrios e ao favorecimento pessoal; nos intelectuais triviais na formulação e na imprensa partidárias; nos parlamentares eleitoreiros e oportunistas; nos ocupantes de cargos públicos capatazes; e nos candidatos direitistas.
Sem falar nas alianças politicas e eleitoralmente vergonhosas e em uma incorporação desesperada, visando única e exclusivamente garantir a permanência no cenário parlamentar e no executivo. Mais um exemplo de desleixo? A direção do PC do B de Brasília foi entregue a um personagem que, em que pese sua história de vida pessoal, está longe, muito longe, mas longe mesmo, de ser um comunista. Quer capitulação maior que esta?
E esqueceram da manutenção do conteúdo revolucionário, da permanência da ferve revolucionária, da organização leninista, emulando os militantes a se organizarem e lutarem em seus locais de moradia, de trabalho e de estudo, organizando e mobilizando o povo. Abandonaram bandeiras históricas como a reforma agrária e o combate ao imperialismo.
O próprio Joffily revela em seu texto de despedida o ombreamento com a concepção ideológica traidora. Mencionar comunistas como “companheiros e companheiras” é outro emblema. Não é uma simples questão semântica, como muitos apontaram quando empreendi debate acerca. Quando a direção nacional do PC do B iniciou denominar seus camaradas de “companheiros” revelou-se de imediato a guinada pequeno-burguesa.
Mas este seria tema para outro texto. Por ora, deixo abaixo a carta-despedida de Bernardo Joffily para quem ainda não a conhece leia, reflita e, como ele próprio conclama, possa debatê-la entre a militância e com ele mesmo:
Meu despertar ideológico, se deve ao Pc do B.