Prêmios de Direitos Humanos da UnB Valorizam Educar para o Nunca Mais

Por: José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF

A Universidade de Brasília – UnB confere nesse 18 de novembro prêmios de Direitos Humanos para projetos que reafirmam a relevância desse tema. A UnB é a primeira universidade pública federal a criar na estrutura de seu colegiado máximo, o Conselho Universitário, uma Câmara de Direitos Humanos, além de uma Secretaria de Direitos Humanos para dar organicidade às deliberações da Câmara.

Instituiu, ainda, dois prêmios anuais para fomentar as ações e estudos nesse campo: o Prêmio de Educação em Direitos Humanos Mireya Suarez, que visa reconhecer e valorizar práticas pedagógicas emancipatórias de Educação em Direitos Humanos; e o Prêmio Anísio Teixeira, que visa reconhecer e valorizar iniciativas de excelência realizadas no ensino, na pesquisa e na extensão universitária na área de Direitos Humanos.

Os prêmios, carregam o simbólico de dois notáveis professores da UnB (Anísio foi Reitor da UnB e colaborou com Darcy Ribeiro o projeto originário da universidade; Mireya, uma destacada ativista dos direitos humanos, forte no processo de institucionalização acadêmica do tema, notadamente a partir de seus estudos feministas) e demarcam pelo enlace epistemológico-político que os balizam, como finalidade estatutária, uma universidade necessária e emancipatória (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de (org). Da Universidade Necessária à Universidade Emancipatória. Brasília: Editora UnB, 2012).

A seleção dos projetos do 3º Prêmio Anual de Direitos Humanos distinguiu as seguintes categorias e propostas:

Prêmio Anísio Teixeira, categorias  I – Igualdade, diversidade e não discriminação: Proposta: Psicoterapia racializada é política de permanência: o grupo Revira na promoção da saúde mental e educação para os direitos humanos de estudantes cotistas negros; II – Saúde, meio ambiente e bem-estar: Proposta: Santa Luzia Resiste: a campanha continua na luta pelos direitos à cidade, à água e ao saneamento; III – Democracia e participação: Proposta: Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade (CATMV) da Universidade de Brasília; Menção honrosa: Proposta: PEAC Direitos Humanos e Gênero: capacitação em noções de direito e cidadania

Prêmio Mireya Suárez,  categorias I –  Educação básica: Curso Monumento Natural dos Pontões Capixabas: educação ambiental e patrimonial no contexto de povos e comunidades tradicionais; II – Educação superior: Pós-populares: democratização do acesso à universidade Pública pelo chão da pesquisa; III – Educação em contextos não escolares: Rede de Casas Universitárias de Cultura (Rede CUC) na Defesa dos Direitos Humanos; IV – Educação para profissionais dos sistemas de justiça e/ou segurança: Ação Formativa: Diretrizes Nacionais para ações de cidadania das Escolas Judiciárias Eleitorais; V – Categoria Educação e mídia: Memória e Ditadura- Militar nas escolas públicas do Distrito Federal; Menção Honrosa: Do Poesia nas Quebradas ao NEOLIM: periferia, potência e criação.

O Prêmio Mireya Suárez, como se nota, segue fundamentalmente a categorização designada pelo Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos e pelos referenciais estabelecidos pelas diretrizes nacionais para a educação em Direitos Humanos (Resolução 1, de 2012, do Conselho Nacional de Educação), traduzidas na UnB por políticas de educação em Direitos Humanos na universidade. As pesquisadoras Nair Heloisa Bicalho de Sousa, Regina Coelly Fernandes Saraiva, Rosamaria Giatti Carneiro e Vannessa Alves Carneiro, pormenorizam, explicam e contextualizam esse processo em artigo – Direitos Humanos e Educação em Direitos Humanos na Extensão da Universidade de Brasília – publicado no livro organizado por João Batista Moreira Pinto – Direitos Humanos como Projeto de Sociedade: caracterização e desafios, vol. 1, Belo Horizonte: Editora Instituto DH, 2018, p. 298-321.

A premiação de 2024 dos prêmios UnB de Direitos Humanos, confirma o que as autoras do estudo mencionado afirmaram na conclusão de seu criterioso estudo, sobre o mapeamento de ações e de projetos que se desenvolvem na UnB, revelando  “o potencial e compromisso público da UnB no debate dos Direitos Humanos e da educação em Direitos Humanos…comprometidos com a democracia, a inclusão, a diversidade e a participação social”.

Fico muito feliz particularmente ao constatar entre os resultados da premiação, registros que me mobilizam singularmente. O primeiro, a satisfação da menção honrosa, do prêmio Anísio Teixeira, para o PEAC Direitos Humanos e Gênero: capacitação em noções de direito e cidadania, proposição do Projeto Promotoras Legais Populares da Faculdade de Direito da UnB. Projeto que contribui para a sua institucionalização.

Assim que, como está na publicação do volume 05 da Série O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito das Mulheres, organizado por mim, por Bistra Stefanova Apostolova e por Lívia Fonseca Dias da Fonseca (https://www.academia.edu/17354044/Livro_O_Direito_Achado_na_Rua_Vol_05_Introdu%C3%A7%C3%A3o_Cr%C3%ADtica_ao_Direito_das_Mulheres), tive ensejo de participar da coordenação de uma pesquisa sobre o tema – Promotoras Legais Populares – cujos resultados estão em livro que divulga (tal o escopo da pesquisa),  Estudo sobre a prática pedagógica das Promotoras Legais Populares do Distrito Federal e Entorno no enfrentamento à violência contra mulheres e meninas e que teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Distrito Federal (FAP/DF). Os resultados dessa pesquisa intentam fazer uma avaliação dessa experiência, em especial da sua execução ao longo de 2018, acompanhando o funcionamento do curso e a atuação do Fórum de Promotoras Legais Populares do Distrito Federal e Entorno, entidade que organiza politicamente as mulheres que se formam no curso de formação de PLPs do DF. O livro agrega a reflexão de outras experiências de PLPs espalhadas pelo Brasil. O livro pode ser conferido em link que inclui em Lido para Você que publiquei: https://estadodedireito.com.br/promotoras-legais-populares-movimentando-mulheres-pelo-brasil-analises-de-experiencias/.

O segundo registro é o de localizar, no conjunto premiado, a atenção do júri para projetos de preservação da memória e da verdade para prevenir violações a direitos humanos em circunstâncias políticas de exceção. Há vários projetos considerados. O mais simbólico o que premia a Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade (CATMV) da Universidade de Brasília.

Não por ter sido o Reitor que instituiu na UnB essa Comissão. Mas por verificar o seu grau de reconhecimento no julgamento do júri. Tenho insistido em acentuar o valor educador da memória e da verdade, fundamento da justiça de transição, para a educação democrática do nunca mais, da não-repetição. Aqui mesmo no espaço desta Coluna, feri esse tema muitas vezes, por último, em https://brasilpopular.com/autoanistia-uma-violencia-inconstitucional-e-inconvencionaldo-delinquente-a-fim-gerar-sua-impunidade/.

Por isso a importância desse reconhecimento. O significado da Comissão Anísio Teixeira para a UnB e para Justiça de Transição, pode ser aferido no relatório exemplar que foi entregue na conclusão de seu trabalho, sobre o qual já me manifestei:  https://estadodedireito.com.br/relatorio-da-comissao-anisio-teixeira-de-memoria-e-verdade-da-universidade-de-brasilia/ – Relatório da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da Universidade de Brasília. Brasília: FAC-UnB, 2016. ISBN 978-85-93078-09-5, 363 p. https://www.comissaoverdade.unb.br/images/docs/Relatorio_Comissao_da_Verdade.pdf

Vou ao Relatório. O Sumário em si é uma expressão do conjunto simultaneamente descritivo e analítico acerca da realidade relatada: começa com a cortesia de um resumo na forma de um Sumário Executivo e prossegue com as enunciações que levam, a meu ver, à principal conclusão. Houve sim violações cruciantes alcançando a integridade e o projeto de vidas das muitas individualidades identificadas no trabalho da Comissão, mas o que penso melhor o caracteriza é ter constatado ter a violência feito da UnB [um] Projeto Inicial Interrompido.

A que remete o Relatório senão a exigências de posicionamento, no Brasil atual, quando a agressão à democracia e aos Direitos Humanos, permanece como uma infecção não debelada. Já afirmei neste espaço – https://brasilpopular.com/60-anos-do-golpe-de-1964-memoria-verdade-mas-tambem-justica-razoes-para-o-nunca-mais/ – estar seguro de que tudo que se vivencia no país desde o 8 de janeiro de 2023 deve ser avaliado sob o enfoque da Justiça Transicional. E isso significa estar atento às reiteradas manifestações da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre estabelecer que as disposições de anistia ampla, absoluta e incondicional consagram a impunidade em casos de graves violações dos direitos humanos, pois impossibilitam uma investigação efetiva das violações, a persecução penal e sanção dos responsáveis. A Comissão afirmou que esses crimes têm uma série de características diferenciadas do resto dos crimes, em virtude dos fins e objetivos que perseguem, dentre eles, o conceito da humanidade como vítima, e sua função de garantia de não repetição de atentados contra a democracia e os direitos humanos.

O atentado contra o Supremo tTibunal Federal no último 13 de novembro expõe essa virulência política que não pode ser tolerada, não pode restar impune, não pode deixar sem responsabilização os seus perpetradores, não pode ser anistiada.

O próprio monitoramento que exercita em relação ao Brasil, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em seu último relatório (2021), ofereceu recomendações sobre ações que tendem a fragilizar e até extinguir esse sistema, como o enfraquecimento dos espaços de participação democrática, indicando, entre as recomendações, a necessidade de “investigar, processar e, se determinada a responsabilidade penal, sancionar os autores de graves violações aos direitos humanos, abstendo-se de recorrer a figuras como a anistia, o indulto, a prescrição ou outras excludentes inaplicáveis a crimes contra a humanidade”.

Penso que essa é a mensagem que a premiação da UnB confere: educar para o nunca mais!

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)

José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).

As opiniões dos autores de artigos não refletem, necessariamente, o pensamento do Jornal Brasil Popular, sendo de total responsabilidade do próprio autor as informações, os juízos de valor e os conceitos descritos no texto.

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