No Amazonas, São Gabriel da Cachoeira elege prefeito, vice-prefeita e 12 vereadores indígenas; em todo o país, só sete indígenas vão comandar prefeituras
Entre sete indígenas eleitos para comandar prefeituras neste domingo, apenas uma é mulher. Em Marcação, município no Litoral Norte da Paraíba, foi eleita a única prefeita indígena do país, a candidata Ninha (PSD), da etnia potiguara, que teve 4.922 votos (76,79% dos válidos), derrotando Angélica Barreto (Republicanos), outra candidata indígena da mesma etnia. A população de Marcação tem a maior proporção de indígenas do estado (88%) e uma das 10 maiores do Brasil.
Ninha teve o apoio da atual prefeita, Lili, também indígena Potiguara, de quem foi secretária de Administração, e também da família Ribeiro – o deputado federal Aguinaldo e a senadora Daniela, influentes na política local. “Meus avós, Severina e João Correia, já eram políticos, não por eleição, mas políticos de sangue, pela vontade que eles tinham de ver a cidade de Marcação crescendo. Eu sou muito grata a eles pela criação que nos deram, por essa ancestralidade Potiguara e indígena, que também está no sangue”, afirmou, ao G1, Ninha, de 43 anos e formada em Pedagogia.
Além da prefeita, todos os nove vereadores eleitos na cidade de nove mil habitantes também são indígenas da etnia potiguara: são cinco homens e quatro mulheres – Rafa de Camurupim, Nino de Tramataia, Kelly Bernardo, Avenys Soares, Lourdes, Josa de Camurupim, Pituca de Tramataia, Gil e De Condado. Os dados do TSE mostram que, além dos sete prefeitos, 214 indígenas se elegeram vereadores no domingo em todo o país: 180 homens e 34 mulheres.
Ainda no Nordeste, o Cacique Marcos Xukuru (Republicanos) venceu a eleição no município pernambucano de Pesqueira. O cacique da etnia xukuru já havia sido eleito para o mesmo cargo em 2020, mas sua candidatura foi impugnada por uma condenação por dano ao patrimônio em 2003. No ano passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou a condenação do Cacique Marcos e reconheceu erro jurídico no processo que impediu sua posse como prefeito. A liderança xuruku teve 19.613 votos, 51,15% dos válidos, no município do Agreste pernambucano.
Duas cidades mineiras também elegeram prefeitos indígenas, ambos da etnia xacriabá. Em São João das Missões, no norte de Minas, Jair Xakriabá (Republicanos) foi reeleito com teve 4.517 votos, 56,65% dos válidos – ele mora com a família na reserva indígena Xakriabá. De acordo com o Censo 2022, a população indígena em São João das Missões é de 10.398, quase 80% do total de habitantes da cidade, Dos nove vereadores eleitos domingo no município, seis também são do povo Xakriabá. No vizinho município de Manga, a vitória foi do petista Anastácio Guedes, também xakriabá e também reeleito – ele teve 4.904 votos, 40,62% dos votos válidos (eram quatro candidatos na disputa).
Prefeito, vice-prefeita e 12 vereadores indígenas
Até a divulgação do resultado do Censo 2022, São Gabriel da Cachoeira, no norte do Amazonas (a 856 km de Manaus, na fronteira com Colômbia e Venezuela), era considerado o “município mais indígena do Brasil”: mais de 90% de sua população era indígena, de 23 etnias diferentes. O Censo constatou que a cidade tem 48 mil habitantes indígenas – menos, em números absolutos, do que Manaus, onde se declaram indígenas 71 mil moradores da capital amazonense. E São Gabriel da Cachoeira também não é o município mais indígena percentualmente: pelo Censo 2022, a cidade tem 92,7% da população declarada indígena, índice menor que Uiramutã (96,60%), em Roraima, e Santa Isabel do Rio Negro (96,17%), também no Amazonas.
Mas São Gabriel da Cachoeira pode se orgulhar de ser o município com a maior representação política indígena: são 14 indígenas eleitos em 2024: o novo prefeito Egmar Curubinha, a vice-prefeita reeleita Eliane Falcão e 12 dos 13 vereadores eleitos na cidade. Apesar de o Amazonas ser o estado com maior população indígena (quase 491 mil pessoas), São Gabriel da Cachoeira foi o único dos 62 municípios do estado a eleger um prefeito indígena. Egmar Curubinha (PT) – da etnia tariana, 25 anos, técnico em computação – recebeu 47,15% dos votos e teve o apoio do tio Clóvis Curubão, que está completando oito anos de mandato à frente da prefeitura após ser eleito e reeleito. Curubinha derrotou cinco adversários, quatro deles também indígenas – o segundo colocado foi o único postulante ao cargo não indígena, Claudio Pontes.
Para a Câmara Municipal, foram eleitos sete vereadores da etnia baré: Messias Donato (PT), Jaelson Caboclo Índio (PT), Dieck Diógenes (Rede), Raione Nascimento (Republicanos), Rosa Motta (PT), Dra. Suely (Podemos) e Dudu da Praia (MDB). Completam a bancada indígena dois representantes dos yanomami – Armindo Goes (Podemos) e Anderson Yanomami (PSD) -, Nelson Thomé (PT), do povo baniwa, Everton da Rio Negro (MDB), tukano, e Jackeline Vieira (Rede), que se declarou indígena mas não informou a etnia.
O jovem prefeito eleito petista teve como slogan de campanha ‘O trabalho tem que continuar’, defendo o legado do tio Curubão e reforçando o compromisso avançar “na conquista e promoção de mais direitos para nossas 23 etnias”, A campanha de Egmar priorizou propostas na área de educação – informatização do sistema de matrícula escolar, valorização das línguas indígenas e expansão do ensino técnico – e de saúde, como a expansão do atendimento especializado e o fortalecimento da saúde indígena em parcerias com a Secretaria Estadual de Saúde e o SUS.
Cidade brasileira com maior porcentagem de moradores indígenas, Uiramutã, em Roraima, também elegeu – na verdade, reelegeu – um prefeito indígena: Tuxaua Benísio (Rede), da etnia makuxí, teve 4.214 votos (59,66% dos válidos) contra 2.849 votos (40,34%) de seu único adversário, Abraão Oliveira (PDT). Dos nove vereadores eleitos no município no norte do estado, seis também são indígenas – cinco da etnia mukuxí como o prefeito e Menosso Ingaricó, da etnia Ingaricó. Também em Roraima, o município de Normandia também reelegeu um prefeito da etnia mukuxí, o advogado conhecido como Doutor Raposo (PP), que teve 5.036 votos (61,77% do total).