Homenagear Vladimir Herzog é um Modo de Fortalecer a Defesa da Democracia

Por: José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF

A Comissão de Defesa da Democracia (CDD), do Senado Federal realizou no dia 10 (julho), audiência pública interativa em homenagem aos 15 anos de criação do Instituto Vladimir Herzog, que atua em defesa da democracia e dos direitos humanos no país.

A Audiência se realizou a requerimento da senadora Eliziane Gama (PSD-MA), presidente da Comissão – a mesma senadora queexerceu a relatoria da CPMI (file:///C:/Users/HP/Downloads/ARQUIVO_PORTAL_CDD_8141ComissaoPermanenteCDD20240424%20(1).pdf – A Democracia Brasileira Venceu. Como o Brasil derrotou o ato golpista de 8 de janeiro de 2023). No requerimento ela relembrou a importância do jornalista Vladimir Herzog, que morreu sob tortura durante a ditadura militar.

A chamada para Audiência põe em relevo que “A organização leva o nome de uma figura de grande importância para a história do Brasil, especialmente na luta contra a ditadura e na garantia do direito à memória, verdade e justiça. Vladimir Herzog foi um professor e jornalista, que se tornou um símbolo da resistência contra a violência do regime que governou o país de 1964 a 1985. Sua morte sob tortura em 25 de outubro de 1975, nas dependências de um órgão de segurança do Estado, revelou ao mundo as práticas repressivas e brutais do governo militar, mobilizando toda a sociedade por uma imperativa busca por justiça e liberdade”, ressaltou Eliziane, no seu requerimento (REQ 4/2024)”. Acrescentando a Senadora que “o caso Herzog ganhou repercussão internacional, trazendo à tona as violações de direitos humanos cometidas pelo regime militar brasileiro. O crime ajudou a impulsionar o processo de abertura política no Brasil e a luta por justiça em torno de sua morte é lembrada como catalisadora para a gradual transição do país para a democracia, que culminou com o fim da ditadura em 1985”.

Estive presente à Audiência, a convite da Comissão, juntamente com Ivo Herzog,Presidente do Conselho do Instituto Vladimir Herzog; Rogerio Sottili, Diretor Executivo do Instituto Vladimir Herzog (ex-Ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos); Beatriz Vargas, minha colega, Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB); a jornalista Miriam Leitão, ex-aluna da UnB; o cientista político Luiz Felipe de Alencastro,  Vice-presidente da Comissão Arns, também ex-aluno da UnB; o Pastor Henrique Vieira, Deputado Federal (Psol); e Bianca Santana, Jornalista (cuja participação se fez por gravação enviada à Comissão).

Essas informações são da Agência Senado e na página da Câmara Alta pode ser vista a gravação da sessão especial e todas as manifestações dos dirigentes da Mesa, dos convidados e das convidadas e de parlamentares (senadores e deputados) que fizeram uso da palavra: https://legis.senado.leg.br/comissoes/reuniao?0&reuniao=12816&codcol=2617https://www.youtube.com/watch?v=vM1eFobNnhs.

O Instituto Vladimir Herzog (IVH)é, realmente, digno da homenagem. Organização da sociedade civil criada em junho de 2009 para celebrar a vida e o legado de Herzog, a instituição tem como missão trabalhar com a sociedade pela defesa dos valores da Democracia, dos Direitos Humanos e da Liberdade de Expressão. Essas ações se organizam em três programas: Educação em Direitos Humanos; Jornalismo e Liberdade de Expressão; Memória, Verdade e Justiça. E esse trabalho se realiza de forma transversal, às temáticas de gênero, raça e meio ambiente.

Conforme está na página do Instituto – https://vladimirherzog.org/ – e posto em realce pelo seu presidente, filho de Vladimir; e pelo secretário-executivo da organização, o fundamento de sua missão está em que “a luta pela garantia da Democracia, dos Direitos Humanos e da Liberdade de Expressão é dever de todos, especialmente porque esses valores estão no cerne dos delicados momentos políticos e econômicos do Brasil e do mundo. Sabemos que as crises econômicas representam um risco especial para os direitos sociais, para o equilíbrio da democracia e do progresso”. E que a atuação da entidade, do terceiro setor, “parte do reconhecimento de que o Brasil vive um momento de aumento crescente de discursos e práticas de ódio, naturalizando cada vez mais as violências sociais já existentes. As causas são complexas e historicamente determinadas, mas podemos afirmar que o país não promoveu processos de elaboração coletiva de momentos históricos de grande violência social. Ao ignorar estas questões sem uma efetiva reparação social e política, o país hoje se depara com uma crescente cultura de violência e discriminação que viola os direitos fundamentais e os acordos internacionais de Direitos Humanos dos quais é signatário. Aí se encontra o trabalho do IVH e de seus parceiros para honrar a trajetória e os valores de Vlado: ajudar na construção de um novo paradigma para nosso tempo, a ser erguido sobre os princípios elementares da dignidade humana. Temos o privilégio de caminhar no presente, com a sociedade, em direção a um país mais íntegro, mais justo, mais democrático e socialmente responsável”.

Na exposição de Ivo Herzog o legado de Vladimir, o Vlado, foi designado a partir de sua história de vida, também testemunho de participantes da mesa e sobretudo elevado pela memória de seu projeto de vida interrompido pela violência da ditadura. Ivo exaltou esse registro tendo como referência o denominado “caso Herzog”, desde que colocado em pauta na Corte Interamericana de Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos).

Com efeito, em julho de 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) condenou o Estado brasileiro pela falta de investigação, julgamento e punição aos responsáveis pela tortura e assassinato do jornalista Vladimir Herzog, ocorrido em outubro de 1975. O tribunal internacional também considerou o Estado como responsável pela violação ao direito à verdade e à integridade pessoal, em prejuízo dos familiares de Herzog.

A CIDH, registrou Ivo, “determinou que os fatos ocorridos contra Vladimir Herzog devem ser considerados como um crime de lesa-humanidade, conforme definido pelo direito internacional”, como diz a sentença. Ao ser classificado como um crime contra a humanidade, o Tribunal concluiu que o Estado “não podia invocar nem a existência da figura da prescrição, nem a aplicação do princípio ‘ne bis in idem’, da Lei de Anistia ou de qualquer outra disposição análoga ou excludente similar de responsabilidade”.E ele completou: “Por meio da sentença, a corte ordenou ao Estado brasileiro que reiniciasse, com a devida diligência, a investigação e o processo penal correspondente àqueles fatos, para identificar, processar e responsabilizar os responsáveis pela tortura e assassinato de Herzog. Além disso, o Brasil deveria adotar as medidas mais idôneas conforme as suas instituições para que se reconheça o caráter imprescritível dos crimes contra a humanidade e crimes internacionais, assim como arcar com os danos materiais, imateriais e custas judiciais e advocatícias”.

Esse desiderato me instigou a pontuar minha exposição trazendo o caso para seu enquadramento no paradigma da Justiça de Transição, que estabelece como marcadores a exigência de responsabilização dos fautores das lesões a direitos que se enquadram como lesa-humanidade, reparar as ofensas perpetradas, e reeducar as instituições para se colocarem nos parâmetros democráticos e de respeito aos direitos humanos.

Por isso lembrei o filósofo Walter Benjamin, chamando para a atenção histórica ao momento de perigo que ameaça a democracia e os direitos humanos, e tomar as cautelas diante do relampejar dessa ameaça, e assim conter o curso do paroxismo autoritário e mobilizar para a não repetição, para o nunca mais.

Trata-se de compreender que a democracia e a conquistas de direitos são processos problemáticos e que o conflito é constitutivo do movimento que realiza a história. Há riscos sim, mas não de molde a estancar o processo. A democracia é um processo sem fim e direitos não são artefatos estocáveis em prateleiras legislativas; não são quantidades, são relações. Fiquei feliz em ter minha locução retida pela Senadora Liziane Gama no fecho da sessão, em compartilhar o entendimento de que lutar por democracia e direitos não garante um fim, mas abre percursos para possibilidades, tanto mais realizadoras quanto mais resultantes da ampliação de emancipação e de conquistas humanizadoras, no salto que a consciência faz da história, pela mediação da política, para instituir e concretizar direitos e em última análise, direitos humanos.

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)


José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015).

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