Por: Guilherme C. Delgado e José Carlos Soares – Jornal Brasil Popular/DF
Tendo em vista atender demandas urgentes junto às autoridades da Segurança Pública, a seguir descritas, que afetam diretamente à missão da CJP-DF, uma breve introdução institucional se faz necessária, tanto aos nossos interlocutores externos quanto aos irmãos eclesiais, na forma de matéria para mais uma Coluna de Justiça e Paz (Jornal Brasil Popular).
A CJP/DF está instalada na Arquidiocese de Brasília há pouco mais de 37 anos, sendo legitimamente entidade eclesial voltada ao apostolado leigo e autônomo (Cf. Vaticano II – ApostolicamActuositatem), vinculada a CBJP, cujo mandato em sintonia provém da Pontifícia Comissão de Justiça e Paz.
Pela sua missão eclesial exercida em Brasília em permanente comunicação e unidade com a Arquidiocese, cumpre atribuições específicas ligadas à causa da justiça e dos direitos humanos, a exemplo das situações peculiares que passamos a narrar.
No dia 10 de abril de 2024 a partir das 16h. estivemos reunidos em audiência na Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) – pela CJP/DF José Carlos Soares (Vice-Presidente), José Geraldo de Sousa Júnior e Guilherme Delgado; e pela SSP/DF – o Secretário em exercício Dr. Alexandre Patury e os Subsecretários: de Operações Integradas – Cel. Cíntia Queiroz e de Políticas Públicas- Cel. Jesiel Fernandes.
Na ocasião lhes relatamos pela CJP/DF casos e situações relevantes de violência e insegurança social, pendentes de providências múltiplas, seja da área da Segurança Pública, seja das necessárias mediações do Ministério Público e Poder Judiciário. Os casos e situações relevantes referidos são os seguintes: 1) – morte de um adolescente no “Sol Nascente” no final de março (28/03), supostamente vítima de violência policial mediante ingestão forçosa de porção de cocaína; 2- intrusão de prováveis grileiros em área mantida pela Cáritas na zona rural de São Sebastião para acolhimento de migrantes, refugiados e outros assistidos, incluindo indígenas da etnia venezuelana dos warao; 3) – situação dos moradores de rua no DF, com prevalência no Plano Piloto, relativamente à política de tratamento humanitário recomendada pelo STF em Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), relatada pelo Ministro Alexandre de Moraes que determina às autoridades dos Executivos estatais a adoção de políticas públicas específicas.
Com efeito, esses temas fizeram parte de uma agenda ampliada, atribuída a CJP por apelo de organismos sociais da CNBB e da Arquidiocese, desde que a primeira manifestação dirigida à Secretaria foi no sentido de atender a pedido da Congregação das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado que atuam no Sol Nascente, trecho 3, reportar incidente ocorrido na comunidade durante abordagem policial, dia 28/03/2024, e solicitar agenda para esclarecimentos afeitos ao caso.
No documento de solicitação de audiência, foi enunciada a síntese do pleito das Irmãs Missionárias, dando conta do incidente, grave, com relato de que policiais abordaram o menino Mateus Eder, de 14 anos, e com ele encontrando porções de entorpecentes, 3 ou 4 porções de cocaína, e fizeram Mateus Eder engolir o material. Reportam o uso de violência física contra o rapaz, com uso excessivo, no qual “bateram até deixar o garoto prostrado”. Mateus veio a óbito após o ocorrido, no dia 30/03/2024, sem que se saiba notícia se o óbito decorreu da violência física ou da ingestão de entorpecente.
Após a notícia do óbito, ainda segundo o relato, houve revolta na comunidade e grupo de moradores incendiaram um ônibus. Iniciou-se reação do Estado, cancelando a circulação do transporte público, inclusive de ônibus escolares, na região, afetando toda a população. Depoimentos dos moradores reportam – até o momento do que relato – que a paralização do transporte público se mantinha, com especial atenção às crianças, que não estão frequentando a escola.
A população reporta clima de medo em virtude de diligências policiais, especialmente com uso de helicópteros da polícia no período noturno, utilizando focos de luz, agravando as tensões. A insegurança é marcante e situações inusitadas, como veículo abandonado, com as portas abertas, atravessado na via pública, permanecem, pelo medo da população em agir e sofrer retaliações.
Com relação aos dois casos específicos relatados e à situação peculiar dos moradores de rua, os representantes da Segurança Pública assim se pronunciaram, com os devidos limites da síntese que a narrativa ora apresentada contém: 1- O primeiro caso, envolvendo homicídio de adolescente, trazido a CJP/DF pelas Irmãs do Sagrado Coração de Jesus, residentes e pastoralmente atuantes na região do “Sol Nascente”, obteve resposta do Secretário de Segurança em exercício, como já estando em fase de inquérito da Polícia Civil, e que não caberia a Secretaria intervir; para ulteriores encaminhamentos ao Ministério Público e Poder Judiciário, sem embargo de que manifestações da CJP/DF junto ao Ministério Público seriam de todo pertinentes no estágio atual das investigações. 2) Sobre o caso da intrusão dos supostos grileiros em imóvel rural mantido pela Cáritas em São Sebastião, os dirigentes da SSP/DF sugerem providências judiciais dos responsáveis pelo imóvel, eventualmente para determinar judicialmente a desintrusão. E às ações preventivas e de admoestação aos intrusos já poderiam de imediato ser adotadas, para o que sugere o Secretário, propor iniciativas ao DF Legal, que detêm responsabilidades administrativas neste campo. 3) Sobre a situação geral dos moradores de rua, os dirigentes da SSP/DF revelam plena sintonia com a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, relatada pelo Ministro Alexandre de Moraes, mediante construção local (DF) de política humanitária para lidar com situação dos moradores de rua; não obstante revelarem enfrentar pressões de moradores das vizinhanças (dos moradores de rua), para adoção de medidas repressivas típicas.
A visita serviu também para construir nexos de comunicação com a área da Segurança Pública, suscitando convites específicos e recíprocos, incluindo da parte da Segurança Pública a participação frequente da CJP/DF no Conselho de Segurança Pública do DF, que reúne setores do Estado e da sociedade civil organizada.
Por isso a visita também teve um caráter de cortesia, traduzida em convite – a ser formalizado – dirigido ao Secretário Sandro Avelar, de uma entrevista para o Programa de Justiça e Paz, difusão semanal realizada pela CJP por meio da Rádio Nova Aliança, da Arquidiocese.
Toda a audiência, em alto nível de interlocução e as disposições para interlocução que se deva seguir, algo que pode ser ainda mais nitidamente delineado na expectativa de que o Secretário Avelar concorde em manter o diálogo na entrevista para a qual foi convidado, visa a colocar em causa a busca da perspectiva de uma segurança que seja eminentemente social.
Uma expectativa que anima tanto mais o escopo da CJP quanto ela se abriga no plano dos Desafios à Paz num País com Múltiplas Formas de Violências, título, aliás, da Análise de Conjuntura da CNBB preparada pelo Grupo de Análise de Conjuntura da CNBB – Padre Thierry Linard ,entregue ao episcopado (CONSEP), para a sua reunião, no último dia8 de março de 2024 – Dia Internacional da Mulher.
Sob a inspiração de que a paz é fruto da justiça (Is 32,17),no texto apresentado à avaliação dos bispos, o tema interpelante da segurança pública, apresenta algumas das muitas formas de violência que assolam nosso povo (principalmente os segmentos mais vulneráveis e aqueles que não têm acesso ao sistema de justiça).
A partir de um conjunto de dados e estatísticas recentes de crimes, produzidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apresenta um “retrato” das múltiplas facetas da violência, com alguns destaques, como a questão da violência contra a mulher, num país cuja cultura machista e patriarcal ainda marca relações de poder e submissão entre os sexos.
Mas orienta a análise com baseda questão da segurança pública na democracia e os desafios à consolidação da segurança pública numa perspectiva democrática. Aqui, há que se ressaltar o papel dos governos (nos três níveis e os três poderes), assim como da sociedade civil, mas também recapitula posicionamentos da Igreja Católica no Brasil sobre questões da violência e à política de segurança pública e inclui uma forte consideração sobre a (comunicação) não-violenta e a cultura da paz.
(*) Por Guilherme C. Delgado, membro da Comissão Justiça e Paz de Brasília e José Carlos Soares, vice-presidente da Comissão Justiça e Paz de Brasília.