Sinodalidade e direitos humanos: um caminho para a Justiça e a paz

por Ana Paula Barbalho e José G.S. Junior – JBP/DF

No último evento “Diálogos de Justiça e Paz” de 2023, ocorrido em 04/dez, pela ação coordenada do OLMA – Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida; CBJP – Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CNBB), Centro Cultural de Brasília (CCB – Jesuítas) e pela CJP – Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, o tema em debate foi “Sinodalidade e Direitos Humanos: um caminho para a Justiça e para a Paz”.

Na forma híbrida, presencial no auditório do CCB e com transmissão pelo YouTube no canal do Comissão Justiça e Paz de Brasília – CJP/DF: https://www.youtube.com/@cjpbrasilia, os Diálogos ofertaram à comunidade um espaço para reflexões aprofundadas com temas pertinentes da contemporaneidade brasileira.

Estivemos, nós, Ana Paula DaltoéInglez Barbalho e José Geraldo de Sousa Junior, pela CJP, e os convidados Vera Lúcia Santana Araújo, advogada, membra da executiva nacional da Associação Brasileira de Juristas para a Democracia – ABJD, integrante da Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal e Entono e o professor Manuel Moraes, advogado, coordenador da Cátedra Dom Helder Câmara (UNICAP/UNESCO), na mesa de debate.

A sinodalidade e os Direitos Humanos foram o tema principal da reflexão, que perpassou o contexto da realidade brasileira e nossa necessidade de mudança para implementação e materialização dos direitos humanos. A proposta do Diálogos trouxe um debate sobre os caminhos da sinodalidade, utilizando o termo comouma experiência verdadeira de escutaem conexão com os Direitos Humanos, na busca por caminhos que conduzam à Justiça e à Paz.

A escolha do tema nesta edição de dezembro é uma forma de celebrar do Dia Mundial dos Direitos Humanos, em referência à oficialização da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948, e também de manter ativo o diálogo sobre os encontros dos Sínodos da Igreja, que vem ocorrendo há quase sete décadas.Pautar o tema nos Diálogos de Justiça e Paz é uma forma de construção da materialização destes direitos, num ambiente pastoral e na perspectiva da sinodalidade, como caminho para construir a justiça e a paz (https://www.youtube.com/watch?v=ZbeheE4mS1Y).

O termo “sínodo” deriva do grego “sýnodos”, que significa “reunião”. O termo é composto pelo prefixo “syn” (junto com/junto de/junto a) e pelo substantivo “hodós” (caminho). O verbo grego synodéo significa “fazer um caminho com alguém”. Na Igreja, o Sínodo tradicionalmente é a reunião dos Bispos.

O Sínodo dos Bispos foi instituído no contexto do Concílio Vaticano IIpor São Paulo VI, em 15 de setembro de 1965, com o Motu ProprioApostolicaSollicitudo. A reunião dos Bispos é convocada pelo Papapara consultas e/ou deliberações, com instância decisória final na figura do pontífice. Usualmente, os assuntos discutidos no âmbito da sinodalidade são os que permeiam a vida eclesial de forma intensa e para os quais haja controvérsia, que necessitam de olhar aprofundado para definiçãodo caminhar universal da Igreja.

O atual Sínodo da Igreja, iniciado em 9 de outubro de 2021, é uma inovação pelo compromisso com a escuta: é o Sínodo da Sinodalidade. Trata-se de projeto que pretende definir como o futuro da comunidade cristã, do “caminhar juntos”. Diversos níveis de escuta foram estabelecidos, desde escutas diocesanas, às nacionais e continentais. Em outubro de 2023 foi concluída a etapa de consulta. Tal como está no relatório de síntese do sínodo (https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2023-10/sinodo-dos-bispos-relatorio-de-sintese-aprovado-28-outubro-23.html#:~:text=A%20sinodalidade%20anda%20de%20m%C3%A3os,identidade%22%20(2%20e), o rosto da Igreja hoje, é sinodal.

Embora, diz o Relatório, seja a sinodalidade“um termo que os próprios participantes do Sínodo admitem ser ‘desconhecido para muitos membros do Povo de Deus’ e que ‘desperta confusão e preocupação em alguns’, principalmente “entre aqueles que temem um afastamento da tradição, um rebaixamento da natureza hierárquica da Igreja, comperda de poder ou, ao contrário, imobilidade e falta de coragem para mudar, sinodal’ e ‘sinodalidade’ são termos que ‘indicam um modo de ser Igreja que articula comunhão, missão e participação’. Portanto, uma maneira de viver a Igreja, valorizando as diferenças e desenvolvendo o envolvimento ativo de todos”.

A sinodalidade, em consequência, anda de mãos dadas com a missão, portanto, é necessário que ‘as comunidades cristãs compartilhem a fraternidade com homens e mulheres de outras religiões, convicções e culturas, evitando, por um lado, o risco da autorreferencialidade e da autopreservação e, por outro, o da perda de identidade’.  Trata-se de um novo “estilo pastoral”, dedicado aos pobres, como opção de acolhimento e de reconhecimento que elege os descartados, assim considerados os “migrantes, os indígenas, as vítimas de violência, de abusos (especialmente mulheres), de racismo e tráfico, pessoas com vícios, minorias, idosos abandonados, trabalhadores explorados”, relegados a uma condição quase sub-humana, posto que identificados como “categoria teológica antes de ser cultural, sociológica, política ou filosófica”. Na linguagem do Relatório: “Os mais vulneráveis dos vulneráveis, para os quais é necessária uma defesa constante, são as crianças no ventre materno e suas mães”, diz o texto da assembleia, que afirma estar “ciente do grito dos ‘novos pobres’ produzido pelas guerras e pelo terrorismo, também causado por ‘sistemas políticos e econômicos corruptos’”.

Desse modo, numa atitude de compromisso com a política e o bem comum, a sinodalidade exorta a engajamento pastoral com a “denúncia pública das injustiças” perpetradas por indivíduos, governos e empresas quanto com o engajamento ativo na política, nas associações, nos sindicatos e nos movimentos populares. Sem descuidar da ação consolidada da Igreja nos campos da educação, da saúde e da assistência social, “sem qualquer discriminação ou exclusão de quem quer que seja”.

Ora, cultural, teológica e politicamente o nome dessa atitude é direitos humanos. Mas não os direitos humanos enquanto conceito “extraído da teoria política liberal, desde as alocuções em tempos de guerra de Pio XII até o apoio da Santa Sé à Declaração Universal dos Direitos Humanos, passando pelo magistério do Papa João XXIII, pelo Concílio Vaticano II e por todos os papas subsequentes”, enquanto ideia de que os direitos humanos são universais em seu escopo, enraizados na dignidade inerente à pessoa humana”

Mas, “começando nos círculos teológicos do pós-guerra, a visão neoescolástica de que os atos humanos podem ser avaliados sem referência à história ou à cultura, representados por uma consciência da necessidade de atender à história, à cultura e à consciência”.  Em suma, direitos humanos que não se esvaneçam numa representação idealizada, mesmo aquelas que se simbolizam nas grandes e retóricas declarações, nos monumentos grandiosos, ou sequer nas ideias mais elaboradas.

Os direitos humanos, indica o sociólogo Ivo Lesbaupin (As Classes Populares e e Os Direitos Humanos. Petrópolis: Editora Vozes, 1984), são as lutas democráticas concretas dos sujeitos sociais coletivos por emancipação humana e por participação política (ter como satisfação de suas necessidades e justa distribuição dos bens que socialmente produz). Ou, como designa Joaquín Herrera Flores (La Reivención de losDerechos Humanos. Andaluzia: Atrapasueños, 2008), a resultante das “lutas sociais sociais por reconhecimento da dignidade material do humano”.

São aquelas possibilidades, perspectivas potentes que a exclusão dos vulnerabilizados abrem como perspectivas emancipatórias, dizia o professor Manuel Moraes no debate; ou aquela disposição de protagonismo que transforma a condição democrática como forma de governo, em modo de instituir projetos de sociedade, conforme sugeria a advogada Vera Araújo, para demarcar as exigências e os desafios de preservação da solidariedade num contexto de recrudescência de formas fascistizantes de necropolítica.

Um enigma – mostrou o padre Miguel Diretor da Província Jesuíta em Brasília, ele,assuntos densos e culturalmente interperlantes, para os quais é preciso aprofundar os entendimentos teológicos, antropológicos e pastorais”. Segundo ele, “hora de aprender; hora de ouvir”.

Tempo de sinodalidade. Disposição para um contínuo realmar do humano. Tempo das conexões que conduzem a novos caminhos. Do antropocentrismo para o humanismo.

Tempo de comunidade. De caminhar junto, em comunhão, em missão, com participação. Como diz a tradição africana, “Se quer ir mais longe, vá em grupo.”

Tempo de trabalhar para a Justiça para realizar a Paz, como aduz o lema da Comissão Justiça e Paz de Brasília: “Se queres a Paz, trabalha pela Justiça.”

(*) Por Ana Paula Daltoé Inglêz Barbalho, vice-presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, e José Geraldo de Sousa Junior, membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília

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