Título original: Modo de aquisição: Todos RELATÓRIO DE EXEMPLAR. Processo de aquisição: Comodato Roberto Lyra Filho seguido de Doação (Doador Daniel Bicalho de Sousa)
Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito
Universidade de Brasília, BCE – Biblioteca Central. Data de cadastro: 01/01/1962 a 23/05/2023 Modo de aquisição: Todos RELATÓRIO DE EXEMPLAR. Processo de aquisição: Comodato Roberto Lyra Filho seguido de Doação (Doador Daniel Bicalho de Sousa). Pergamum – Sistema Integrado de Bibliotecas. Conferência de materiais. Link para acesso ao catálogo: https://drive.google.com/file/d/1XV7_amTWq0NELPEzECIW-yiylgfrJH2d/view?usp=sharing.
O Catálogo alude ao conjunto de obras do que para efeito do Contrato de Comodato, atualmente convertido em Termo de Doação, compõe a denominada Biblioteca Roberto Lyra Filho. Da autoria de Roberto Lyra Filho há ainda para consulta seu acervo digitalizado organizado por Assessoria Jurídica Popular, acesso por meio do blog Diálogos Lyrianos (www.odireitoachadonarua.blogspot.com), e pelo link: http://assessoriajuridicapopular.blogspot.com/2012/07/biblioteca-roberto-lyra-filho.html.
Sobre o que representou a entrega do acervo à Universidade de Brasília, leia-se a matéria publicada no Boletim UnB, semana de 31/8 a 15/9 de 1988, “BCE ganha biblioteca de Lyra Filho”. Na edição se lê:
A biblioteca do professor Roberto Lyra Filho foi doada em testamento ao menor Daniel Bicalho de Souza, que representado por seu pai, o professor José Geraldo de Sousa Júnior, a cedeu em comodato à UnB. O contrato será renovado a cada três anos, no prazo máximo de 15 anos, até 30 de janeiro de 2003. Nesta data, Daniel alcançará a maioridade e decidirá o destino da biblioteca, podendo transformar o comodato em doação.
De fato, assim se deu, e ao cabo desse período, compreendendo o alcance de uma destinação que não poderia restar privatizada, o comodato foi, efetivamente transformado em doação.
O texto do Boletim teve caráter premonitório:
O novo acervo incorporado à Biblioteca Central da UnB permitirá a sua utilização coletiva e servirá como centro de documentação para jovens pesquisadores organizados no Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos (NEP) da UnB. A universidade publicará catálogo visando a garantir a identidade da Biblioteca Roberto Lyra Filho, dele constando a transcrição do contrato de comodato, e na classificação do acervo indicará em cada um dos livros a propriedade de Daniel Bicalho de Sousa.
Inaugurando um modelo de cláusula contratual com conceitos, confira-se no fac-simile o enunciado desses conceitos, o ato de comodato e depois doação deveriam ter desdobramentos. Assim, por exemplo, para distribuir os livros no acervo geral da biblioteca, a cláusula quinta do Termo de Comodato previa que “A universidade publicará catálogo visando a garantir a identidade da ‘Biblioteca Roberto Lyra Filho’, dele constando a transcrição deste termo, e na classificação de acervo consignará em cada ítem, ex-libris…”. Devo dizer que o ex-libris, com todo o alcance que esse símbolo representa (cf. BERTINAZZO, Stela Maris de Figueiredo. Ex-Libris. Pequeno objeto de desejo. Brasília: Editora UnB, 2012), chegou a ser desenhado pelo pintor, artista gráfico, cenógrafo, desenhista, fotógrafo e professor, Charles Sebastião Mayer, do Instituto de Artes da UnB (https://noticias.unb.br/491-abertura-exposicao-charles-mayer-percurso-poetico), mas não chegou a ser aplicado.
Do mesmo modo, a iniciativa de criar na Editora da UnB, uma coleção emulativa, marcada pela inspiração criativa do grande professor, não passou da edição do primeiro e único volume que a constitui: Coleção Roberto Lyra Filho, FARIA, José Eduardo (org). A crise do direito numa sociedade em mudança (todos os artigos do mesmo autor). Brasília: Editora UnB, 1988. A concepção de capa que deveria servir ao primeiro volume e a todos os demais, também criação de Charles Mayer, a meu pedido. Até fiz um texto de apresentação da coleção que não saiu na edição mas que publiquei depois autonomamente como uma recensão.
Chama a atenção na primeira passada de olhos no Relatório (Catálogo), a polifonia: são obras em português, espanhol, italiano, inglês, francês, alemão. Ali estão 1028121 – Marx, Karl, Correspondance Correspondance Paris v. c1985 141.82 M392c =40 E. Cliente da Livraria Francesa em São Paulo, Roberto Lyra Filho, ele também um grande epistológrafo (veja a sua Carta Aberta a um Jovem Criminólogo. Teoria, práxis e táticas atuais. Revista de Direito Penal nº 28. Rio de Janeiro: Forense, 1980) e sobre seu lugar na Criminologia Crítica (cf. meu http://estadodedireito.com.br/criminologia-dialetica-50-anos-um-dialogo-com-o-legado-de-roberto-lyra-filho/), a propósito da obra celebratória de 50 anos da Criminologia Dialética de Roberto Lyra Filho. É uma obra completa, que serviu para pontuar posições interpretativas em sua leitura singular de Marx, como podemos ver nos roda-pés de Karl meu Amigo, Diálogo com Marx sobre o Direito (Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1983).
A babel polifônica está presente também nos títulos literários que fecundaram a verve do tradutor e do poeta vestido do pseudônimo Noel Delamare reverberação que ecoa no projeto Cancioneiro dos Sete Mares que pretendia reunir suas traduções de grandes poetas nos sete idiomas que dominava e que, curiosamente, se inicia com um poeta húngaro Endre Ady, em sua primeira edição em português a que deu o título Canção do Jacobino Húngaro (edição do Autor, 1979). Claro que a versão direta foi feita por seu dileto amigo, o húngaro Paulo Ronái (Escola de Tradutores, Não Perca o seu Latim: 35516 – Rónai, Paulo Não perca o seu latim coletânea de palavras e frases latinas… Não perca o seu latim Rio de janeiro 261 p. 1980 807.1-5 R768n), poeticamente reconstruída com o apoio das edições inglesas, francesas e italianas do grande poeta magiar. O trabalho trouxe para Roberto Lyra Filho um diploma concedido pela Academia de Letras da Hungria. Sobre essa sutileza linguística e criadora de Roberto Lyra Filho, que ilumina o repertório literário do catálogo, ver o meu In Memoriam: Indivíduo e Coletivo em Plena Harmonia (Revista Humanidades nº 11. Editora UnB, 1986/1987. Nesse número, dois textos: de Roberto Lyra Filho: A Nova Escola Jurídica Brasileira; de Noel Delamare: O Cancioneiro dos Sete Mares, p. 38-50).
Sobre idiomas no contexto de literatura e filosofia, é notável encontrar no Relatório (Catálogo), a descoberta do jovem quase adolescente, hoje celebrado, poeta brasiliense Nicolas Behr, nas suas primeiras edições ainda mimeografadas, que o próprio Autor, vencendo o cerco da censura da Ditadura (1964), vendia de mãos em mãos nas filas dos teatros e dos muitos cinemas ainda não transformados em templos, de Brasília: 1029177 – Behr, Nicolas Chá com porrada Chá com porrada Brasília; [32] p. 1978 869.0(81) B421ch; 10432989 1 22/12/2016 22/12/2016 Doação 40,00 Real Comodato Roberto Lyra Filho Normal Sousa, Daniel Bicalho de AGE FOLHETOS; 1029180 – Behr, Nicolas Iogurte com farinha Iogurte com farinha Brasília [42] p. 1977 869.0(81) B421io; 1029209 – Behr, Nicolas Caroço de goiaba Caroço de goiaba Brasília [34] p. 1979 869.0(81) B421ca.
E, grande preciosidade, das poucas disponíveis no Brasil, obras completas de Marx e Engels, nas edições alemãs da Werke: 52573 – Marx, Karl, Karl Marx , Friedrich Engels Werke Karl Marx , Friedrich Engels Berlin 46 v. 1956-[1989] 141.82 M392 SUPLEMENTO; 1027905 – Marx, Karl Opere di Marx ed Engels Opere di Marx ed Engels Roma v. c1980 141.82 M392 =50; e da italiana Einaudi: 1027905 – Marx, Karl Opere di Marx ed Engels Opere di Marx ed Engels Roma v. c1980 141.82 M 392 =50m10430037 1 02/08/2016 02/08/2016 Doação 40,00 Real Comodato Roberto Lyra Filho 49 Normal Sousa, Daniel Bicalho de ACERVO GERAL.
Não encontrei no rol os muitos dicionários que ele colecionava e visitava amiúde. Nem o Lalande andre – vocabulaire technique et critique de la philosophie (talvez porque me houvesse presenteado sua edição quase sabida de cór; nem Antonio Houaiss dicionario houaiss da língua portuguesa, de consulta cotidiana; nem os muitos dicionários técnico-filosóficos ou jurídicos, de rimas, de citações. Nem o Dicionário Analógico da Língua Portuguesa. Ideias Afins/Thesaurus, do Professor Francisco Ferreira dos Santos Azevedo (2ª ed. atualizada e revista. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010).
Cito essa edição, lembrei esse fato em meu texto aqui para a Coluna Lido para Você-http://estadodedireito.com.br/dicionario-dos-antis-a-cultura-brasileira-em-negativo/-, a propósito do DICIONÁRIO DOS ANTIS: a cultura brasileira em negativo. Direção: Luiz Eduardo Oliveira / José Eduardo Franco (Orgs.). Campinas: Pontes Editores, 2021, 842 p (no qual minha editora Carmela Grüne escreveu um verbete), porque nele há um prólogo escrito por Francisco Buarque de Holanda, o Chico Buarque: Os Dicionários de Meu Pai. Claro que ele se refere a Sérgio Buarque de Holanda, o autor de Raízes do Brasil. Diz Chico, no prólogo:
“Pouco antes de morrer, meu pai me chamou ao escritório e me entregou um livro de capa preta que eu nunca havia visto. Era o dicionário analógico de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Ficava quase escondido, perto dos cinco grandes volumes do dicionário Caldas Aulete, entre outros livros de consulta que papai mantinha ao alcance da mão numa estante giratória. Isso pode te servir, foi mais ou menos o que ele então me disse, no seu falar meio grunhido. Era como se ele, cansado, me passasse um bastão que de alguma forma eu deveria levar adiante. E por um bom tempo aquele livro me ajudou no acabamento de romances e letras de canções, sem falar nas horas que eu o folheava à toa […]”.
Guardo com muito desvelo a minha edição, que recebi com uma dedicatória sensível de minha querida amiga Terezinha Ferreira Roller, me oferecendo para auxiliar meus estudos “o dicionário de meu saudoso pai…”. Terezinha me contou um fato curioso. O professor Francisco Ferreira levara os originais datilografados para a primeira edição, ainda antes de sua morte. O material, embrulhado num pacote, por alguma distração, foi esquecido num banco de jardim e perdeu-se. O professor não tinha cópia, teve que reescrever todo o texto e é essa dedicação que nos lega essa obra única.
Para minha surpresa só encontrei no catálogo um registro: 1028384 – Robert, Paul Le grand Robert de la langue française dictionnaire alphabétique et analogique de la langue française Le grand Robert de la langue française 2e éd., entièrement rev. Et enrichie Paris 9 v. c1985 801.3=40 R639d 2. Ed
Mas há muitas surpresas boas. Assim, encontrar, quando ninguém ainda mencionava, obras de Bauman já em português, além das obras em inglês, entre elas 163050 – Bauman, Zygmunt Por uma sociologia critica um ensaio sobre senso comum e emancipação Por uma sociologia critica Rio de janeiro 186 p. 1977 301 B347t =690 10431319 3 15/09/2016 15/09/2016 Doação 40,00 Real Comodato Roberto Lyra Filho Normal Sousa, Daniel Bicalho de ACERVO GERAL. E também, quando ainda pouco se falava em direitos indígenas, nesse sentido de direito originário, pré-cabralino, pré-estatal, pré-moderno, tal como agora se faz escorreitamente, graças ao protagonismo de intelectuais indígenas que estão sustentando esses direitos no Supremo Tribunal Federal, o estudo de meu querido amigo já falecido Julio Gaiger, da assessoria jurídica do CIMI – Conselho Indigenista Missionário, dos primeiros a levar essas teses para o debate constituinte em 1987-1988: 1029312 – Gaiger, Julio Marcos Germany Os índios podem viver a constituinte deve assegurar este direito Os índios podem viver Brasília 34 p. 1988 347.173(81) G137i.
Percorrendo os itens desse formidável acervo pode-se compreender a questão de método a que ele remete, quando se trata de colecionar as obras que o formam ou delas se valer para ensejar arranjos bibliográficos que sustentem campos de estudo ou de pesquisa. Seu antigo aluno, depois professor de alto reconhecimento e que alcançou a chefia do Ministério Público Federal, confessa emocionado a gratidão de um encontro fraterno e de aprendizagem, quando teve repartido consigo “os livros da sua biblioteca, o dinheiro do seu bolso e os pratos de sua mesa”, para haurir a sua filosofia, “reconhecidamente fecunda”, sem jamais ter sido “uma fragmentária apreensão de seu tempo com o pensamento, esgotando-se no próprio horizonte em que veio à luz”, mas que, ao contrário, “se mesmo contextualizada, como toda produção espiritual, ela continua viva e com energia bastante para preservar os seus antigos discípulos e ainda conquistar novos seguidores” (COELHO, Inocêncio Mártires. A Questão Roberto Lyra Filho. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2010). Por isso, ele diz, ainda que datadas muitas dessas obras, quando são outros os tempos e os problemas, “são sempre surpreendentes as novas leituras que fazemos de tudo quanto nos ocorre”; pois que “viver é descobrir, mas também reviver, revendo-as, as nossas próprias experiências; que todo reencontro é um novo encontro” (COELHO, Inocêncio Mártires. Roberto Lyra Filho e Miguel Reale: Duas Visões da Dialética Jurídica. In SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; SILVA FILHO, José Carlos Moreira da; CARVALHO, Salo de (Organizadores e Autores) Criminologia Dialética, 50 Anos. Um diálogo com o legado de Roberto Lyra Filho. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2022).
Outra não foi a consideração de Sara da Nova Quadros Côrtes (A ‘Dignidade Política do Direito’ e a ‘Dignidade Jurídica da Política’. No Caminho de Roberto Lyra Filho in Estudos de direito público: direitos fundamentais e estado democrático de direito / Alexandre Vitorino da Silva…[et al]. Porto Alegre: Síntese, 2003). Em seu estudo, procurando “expor as idéias principais de Roberto Lyra Filho acerca do direito, assim como, as bases filosóficas deste”, Sara fixa seus pressupostos de partida, para continuar a seguir a potência desses pressupostos, os seguintes pontos: “Continua o pensamento de Roberto Lyra Filho a ser marginal? Está ainda mais na periferia, hoje, do que no seu tempo ou conseguiu penetração na comunidade jurídica? A força da sua crítica foi aproveitada de forma autêntica no pensamento jurídico brasileiro?”.
E é a própria Sara que vai dar, vinte anos depois, respostas cabais a essa disposição interpelante. DIREITO ACHADO NA RUA: por que (ainda) é tão difícil construir uma teoria crítica do direito no Brasil?, Sara da Nova Quadros Côrtes, in O Direito Achado na Rua: Introdução crítica ao direito como liberdade / organizador: José Geraldo de Sousa Junior [et al.] – Brasília: OAB Editora ; Editora Universidade de Brasília, 2021. v. 10. 728 p. (p. 549-564):
No que nos cabe neste trabalho penso ser importante levantar agendas de pesquisa que possam perguntar sobre o sentido metodológico e político do elo “achado” do “Direito Achado na Rua”, não para, numa erudição estéril, criar questiúnculas metodológicas, mas sim para perguntar quem achou o que e onde? Esta questão alimenta um imaginário para dar vida longa a esta que, se configura, ainda hoje, como uma das mais potentes e permanentes escolas de pensamento crítico pois articula e orienta gerações na atuação da assessoria jurídica aos movimentos sociais. Em tempos de rupturas sociais e políticas profundas o questionamento sobre o “sujeito que acha” e qual o sentido do “achado” são tão importantes quanto o debate sobre o “direito” e a “rua” para alimentar uma vida longa para esta escola.
Roberto Lyra Filho já nos dava pistas ao tratar de ideologia, privilégios e arbítrios na formulação do direito e antidireito como concreto pensado, dialeticamente, afirmando que
Pense o leitor na energia com que o racista proclama a “superioridade” do branco sobre o negro; com que o machista denuncia a “inferioridade” da mulher diante do homem; com que o burguês atribui ao “radical” o rompimento da “paz social” (que é, na verdade, o sossego para gozar, sem “contestação”, os seus privilégios de classe dominante). (LYRA FILHO, 1982, p. 19-20).
Nesta sua obra “O que é Direito?” o autor afirma que
De qualquer maneira, em sistema capitalista ou socialista, a questão classista não esgota a problemática do Direito: permanecem aspectos de opressão dos grupos, cujos Direitos Humanos são postergados, por normas, inclusive legais. Já citamos a questão das raças, religião, sexos – que hoje preocupam os juristas do marxismo não-dogmático (LYRA FILHO, 1982, p. 19, grifo nosso)
Notável que o acervo foi a base empírica para a elaboração de um levantamento único preparado por Roberto Lyra Filho a que atribuiu o título de “Filosofia Jurídica. Pequena Bibliografia em Perspectiva Contemporânea”. Esse texto está acessível em Notícia do Direito Brasileiro, Nova Série nº 9. Universidade de Brasília/Faculdade de Direito, 2002, Parte IV – Memória, p. 381-403. Também, na Biblioteca Roberto Lyra Filho (digital) já mencionada, Página da Assessoria Jurídica Popular, acesso por meio do blog Diálogos Lyrianos (www.odireitoachadonarua.blogspot.com), e pelo link: http://assessoriajuridicapopular.blogspot.com/2012/07/biblioteca-roberto-lyra-filho.html.
O Autor justifica:
Esta bibliografia foi preparada por solicitação do chefe do Departamento de Direito, Faculdade de Estudos Sociais Aplicados, da Universidade de Brasília.
Estabeleceu-se o prazo de 15 dias para a elaboração, e o limite de 150 para o número de títulos.
Nessas condições, o autor teve de lançar mão de seus recursos pessoais, exclusivamente, sem vagar para consulta a outros especialistas ou, mesmo, uma pesquisa demorada.
A tarefa constitui, portanto, um estimulante desafio, pondo à prova o domínio da disciplina, em sua contextura e nas linhas fundamentais de sua expressão bibliográfica.
Se as restrições de extensão da lista impuseram cortes drásticos e extremo rigor seletivo, os critérios utilizados devem ser expostos a fim de que não se impute à arbitrariedade ou ao desconhecimento do material o que é, apenas, um esforço no sentido de reduzi-lo às proporções da encomenda.
Há lacunas conscientes, em grande parte supridas pelas próprias obras mencionadas com suas bibliografias suplementares.
De qualquer forma, o autor oferece o trabalho como uma espécie de aperitivo, sem maiores pretensões e, nada obstante, permanece convencido de sua utilidade, como exemplo de escolha e aplicação de processos depuradores, num plano coerente e executado com rigor técnico.
Nota-se, na elaboração do trabalho, o mesmo esmero que se propõe quando se trate de construir um acervo bibliotecário, sob o aspecto da correção técnica e das remições e classificação. O Autor agradece ao professor Edson Nery da Fonseca que o orientou no mister da elaboração da bibliografia, esse grande bibliotecário reconhecido como um dos fundadores da Biblioteca Central de Brasília. Fiz um pequeno aide-mémoire para registro de sua contribuição à Universidade de Brasília (http://estadodedireito.com.br/minhas-memorias-da-unb-edson-nery-da-fonseca/). Segue-se um estudo/ensaio jamais superado em sua pertinência e critérios, cujo objetivo, como indica o seu título, explica o Autor, “foi, em última análise, a apresentação dum elenco representativo da filosofia contemporânea do direito, antepondo-se uma seleção de periódicos iurisfilosóficos e duas outras, de panoramas históricos, quer setoriais, quer gerais”.
Em escala de grandeza não é isso que configura a Biblioteca Roberto Lyra Filho, na sua formação e no seu acervo completo conforme revela o catálogo?
Do que se trata, retomando o arranque epistemológico-metodológico, é trabalhar essas pistas, atentos ao sentido implícito do “filosofar”, para se dar conta, é ainda Lyra Filho quem o diz, que “qualquer tipo de saber (seja ele filosófico, científico ou tecnológico) adquire a configuração geral condicionada pela situação emergente na estrutura” LYRA FILHO, Roberto. Filosofia Geral e Filosofia Jurídica, em Perspectiva Dialética. In Carlos Palácio org. Cristianismo e História. São Paulo: Edições Loyola, 1982).
Enfeixadas no sujeito, em maior ou menor grau, mais frequente ou até circunstancialmente ausente, há atitudes que o movem para agir no mundo. Assim, “o poeta, o cientista, o filósofo, o cidadão dito comum, que mais se rende às crenças, do que se encrespa criticamente, em ideias, são, todos, homens imersos no mundo, suas arquiteturas fugazes, suas direções de processos, que hão de ser descobertos, para serem reorientados, no encalço dum fim, mal entrevisto, logo corrigido, mas inevitavelmente buscado” (LYRA FILHO, Roberto. A Concepção do Mundo na Obra de Castro Alves. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1972, v. p. 12-13).
Em qualquer hipótese, Lyra Filho arremata (“Filosofia Geral e Filosofia Jurídica em Perspectiva Dialética, cit. P. 158-159): “a marcha do conhecimento abre um leque de atitudes fundamentais que, em meio a todas as transformações, permitirá distinguir a especificidade do humano, em sua própria auto-experimentação”. Segundo ele, é possível distinguir seis aspectos atitudinais que variam a sua tônica: o “fazer (atitude técnica), explicar e compreender (atitude científica), fundamentar (atitude filosófica), intuir e mostrar (atitude artística), crer (atitude mística) e divertir-se (atitude lúdica).
Remeto ao texto completo citado (p. 147-169), para apreender o sentido em que essas atitudes se incrementam, se exprimem e se reorganizam intelectualmente e na práxis humana. O que aqui me interessa é dar-me conta de que racionalmente elas são como que chaves para compreender a formação e a organização da “Biblioteca Roberto Lyra Filho”, sobretudo quando ela se projeta para integrar-se à Biblioteca Central da UnB, afinando-se aquela disposição já assinalada de que cumpra “as perspectivas emancipatórias – da Biblioteca Central e da Editora da UnB – no projeto da universidade utópica”, conforme sustenta Ana Flávia Lucas de Faria Kama (A universidade sonhada por Darcy Ribeiro: o papel da Biblioteca Central da UnB e da Editora da UnB na busca pela utopia necessária. In CAMARGO, Murilo da Silva et al (Orgs). Darcy Ribeiro e a UnB. A universidade necessária no século XXI. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2022).
Em Roberto Lyra Filho, quando chamado a contribuir para categorizar um setor de artes, de ciência ou de filosofia, a questão que desafia – ainda que ao risco de arbitrariedade e conjectura – é encontrar um método, mesmo simples, que torne razoável estabelecer relevâncias e orientações.
Ele descreve essa condição em A Filosofia Jurídica nos Estados Unidos da América: Revisão Crítica (Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1977), quando a convite da UnB, do Instituto de Pesquisa e Assessoria Nacional e da Casa Thomas Jefferson, por ocasião do bicentenário da independência dos Estados Unidos da América, dissertou sobre a contribuição norte-americana para o tema.
Seu ponto de partida, desenvolvido no avançar da conferência:
Se quisermos ter a certeza de que os Estados Unidos da América pagaram, de fato, o preço do ingresso no panorama universal da Filosofia, e não ostentam, apenas, certos pensadores de porte secundário e alcance interno, isso pode ser verificado, sem maiores problemas. Basta compulsar um bom número de histórias da disciplina, escritas por diversos autores, com a preocupação de escolhê-los, entre os não americanos e os que também não tendam, por certas afinidades de idéias, a sobrestimar os filósofos considerados.
Com método, acrescido da preocupação de estabelecer certas ressalvas (que levaram a sacrificar as constelações limítrofes, notadamente a que se prende à doutrina político-jurídica do direito constitucional), conclui o Autor que há “presença americana, em particular, na Filosofia do Direito, (conclusão que) não sofre também contestação”.
Em Roberto Lyra Filho, pois, não há desarranjo que indique um ponto de clivagem. Mesmo tendo, com Borges (O Idioma Analítico de John Wilkins in Outras inquisições, Jorge Luis Borges, trad. Davi Arrigucci Jr., São Paulo: Companhia das Letras, 2007), que “sabidamente não há classificação do universo que não seja arbitrária e conjectural”, os modelos classificatórios de Lyra Filho, ou a organização de sua biblioteca, metodologicamente, não equivalem à classificação do conto alusiva à enciclopédia chinesa intitulada ‘Empório Celestial de Conhecimentos Benévolos’ e às 14 categorias de animais que ela divide.
(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)
José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.
Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.
Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).