Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.
Violência de gênero – aportes conceituais e estratégias de enfrentamento / Leônia Cavalcante Teixeira, Leonardo José Barreira Danziato, Danielle Maia Cruz, Jerzuí Mendes Tôrres Tomaz, Jean-Luc Gaspard (organizadores.). – Curitiba : CRV, 2022. 248 p. – https://drive.google.com/file/d/1-HOOJXZMViHywizjhbEzPBpD9V41Z5Rr/view
Na apresentação da obra os seus organizadores e organizadoras caracterizam o material nela reunido como Enfrentamentos à Violência de Gênero como uma Ética do Cuidado.
Conforme pode ser encontrado na página da Editora: a obra que contempla as vicissitudes da violência de gênero no coletivo e no singular. Com aportes teóricos multidisciplinares, a psicanálise nos seus litorais ratifica o compromisso ético e político no enfrentamento da violência no cenário contemporâneo a partir da consideração da história da construção das subjetividades no Brasil. Também na página é possível baixar livremente o livro.
Explicam os organizadores e as organizadoras: a “obra é mais um produto oriundo de uma pesquisa intitulada “Violência de gênero no contexto da pandemia do covid-19: uma proposta de intervenção em urgência subjetiva com mulheres em situação de vulnerabilidade e risco” realizada pelo Laboratório de Estudos sobre Psicanálise, Cultura e Subjetividades (LAEpCUS), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza (UNIFOR)”.
São apresentadas experiências de enfrentamento à violência de gênero, recuperadas por pesquisas acadêmicas e registros de práticas institucionais. “Obviamente que – esclarecem – os saberes envolvidos e produzidos por essas experiências devem servir como aportes conceituais que nos permitam pensar, enfrentar e dissolver as práticas e os discursos que sustentam esse fenômeno devastador que é a violência de gênero”.
O livro está organizado em capítulos e seções, de modo que a obra compreende, conforme o Sumário com o seguinte conteúdo:
APRESENTAÇÃO
ENFRENTAMENTOS À VIOLÊNCIA DE GÊNERO COMO UMA ÉTICA DO CUIDADO
Leônia Cavalcante Teixeira
Leonardo José Barreira Danziato
Danielle Maia Cruz
Jerzuí Mendes Tôrres Tomaz
Jean-Luc Gaspard
1a SEÇÃO
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E INSTITUIÇÕES
CAPÍTULO 1
DECLINAÇÕES DAS VIOLÊNCIAS E SEUS ENFRENTAMENTOS: crônica de um (des)caso Cristina Moreira Marcos
Edwiges de Oliveira Neves
Bruna Hallak
CAPÍTULO 2
PARADOXOS NA ESCUTA PSICANALÍTICA DE MULHERES EM SITUAÇÃO DERUA
Sandra Djambolakdjian Torossian
Luísa Susin dos Santos
Daniel Araujo dos Santos
CAPÍTULO 3
PSICANÁLISE E JUSTIÇA: articulações sobre uma práxis que se ocupa do imundo
Aline Lima Tavares
Sonia Alberti
2a SEÇÃO
ESTRATÉGIAS SUBJETIVAS, SOCIOCULTURAIS E POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DE GÊNERO
CAPÍTULO 4
A CONSTRUÇÃO DE UM COLETIVO DE MULHERES QUE SOFREM VIOLÊNCIA DE GÊNERO: uma escolha política pela vida Cláudia Maria Perrone
Rose Gurski
Gabriela Gomes da Silva
Flávia Tridapalli Buechler
CAPÍTULO 5
RECONHECIMENTO COMO CATEGORIA DE COIBIÇÃO DA VIOLÊNCIA
Rafael Kalaf Cossi
CAPÍTULO 6
COMO A VIOLÊNCIA DE GÊNERO APARECE NO MATERIAL ONÍRICO E NOS PROCESSOS ASSOCIATIVOS EM UM GRUPO DE PARTILHA DE SONHOS
Jaquelina Maria Imbrizi
Jussara de Souza Silva
Gabriela Corrêa Ramos
Luísa Segalla de Carvalho
Juliana Teixeira Gomes
Raquel Baptista Spaziani
CAPÍTULO 7
INSCRIÇÕES SINGULARES E O ESPAÇO DE ESCUTA COMO FORMA DE ELUCIDAÇÃO DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO CONTRA A MULHER
Leonardo Danziato
Gabriela Ferreira Barbosa
Victor Temoteo Pinto
Luciana Ribeiro Lira
Ana Gabriela Braga Gonçalves Torres
João Pedro Almeida Bezerra
Bruna Estrela Andrade Braga Rocha
3a SEÇÃO
VIOLÊNCIAS DE GÊNERO, SEXUALIDADE E PATRIARCALISMO
CAPÍTULO 8
A OUTRA: o sujeito não universal do liberalismo
Ecila Meneses
CAPÍTULO 9
“GÊNERO LOCAL”: retratos da história das mulheres no Ceará e sua alta intensidade patriarcal
Daniele Ribeiro Alves
Antônio Cristian Saraiva Paiva
CAPÍTULO 10
“A VIOLÊNCIA CONTRA A VAGINA É DISSEMINADA NO
COTIDIANO”: uma análise dos impactos da violência de gênero na autopercepção corporal e sexual de mulheres cis
Marcelle Jacinto da Silva
Antônio Cristian Saraiva Paiva
CAPÍTULO 11
“DORMINDO COM O INIMIGO”: violência de gênero e disponibilidade psíquica materna
Ângela Sousa de Carvalho
Karla Patrícia Holanda Martins
4a SEÇÃO
RACISMO, VIOLÊNCIAS DE GÊNERO E PERSPECTIVAS DECOLONIAIS
CAPÍTULO 12
VICISSITUDES DOS ESTUDOS DECOLONIAIS E DE GÊNERO NA CLÍNICA DE URGÊNCIA SUBJETIVA
Jerzuí Mendes Tôrres Tomaz
Danielle Maia Cruz
Leônia Cavalcante Teixeira
Janara Pinheiro Lopes
Luciana Ribeiro Lira
CAPÍTULO 13
O SUJEITO DAS RELAÇÕES ABUSIVAS E SUAS SUJEIÇÕES
Ana Carolina B. Leão Martins
Anne Beatriz Nogueira Saraiva
Vanessa Cunha Santiago
CAPÍTULO 14
MULHERES E TRABALHO DOMÉSTICO NA PANDEMIA RACIALIZADA “À BRASILEIRA”: (re)encontros narrativos Luciana Martins Quixadá
Jaileila de Araújo Menezes
Lisandra Espíndula Moreira
ÍNDICE REMISSIVO SOBRE AS/OS AUTORAS/ES
Entre tantos e tão qualificados ensaios do livro me detenho muito interessado no estudo “A outra: o sujeito não universal do liberalismo” de Ecila Meneses. Nas referências autorais Ecila vem biografada modestamente “atriz, professora e feminista”. Os que a conhecem sabem que essas designações não traduzem a intensidade de seu protagonismo impulsionado pela vis atractiva dessa tripla expressão de seu perfil intelectual, profissional e existencial.
Ativista da articulação de juristas pela democratização do sistema de justiça que se formou para a instalação de um Fórum Social Mundial Temático Justiça e Democracia, que depois de se realizar em Porto Alegre, em abril de 2022, permanece em pauta propositiva para radicalizar esse tema fundacional, Ecila se destaca como formuladora e mais que isso, como autora de uma narrativa cultural que proporciona o Carrefour das inteligibilidades necessárias ao mais cabal discernimento dessa questão central no debate atual em curso na sociedade brasileira.
Anote-se, a propósito, a convocação para a Semana Universitária da Universidade de Brasília, em setembro próximo (dia 25), da mesa-redonda “Diálogo para um Novo Sistema de Justiça”, na verdade, mais uma roda-de-conversa com múltiplos participantes, mas que se colocarão em interlocução conduzidos pelo fio condutor da narrativa artístico-cultural, coordenada por Ecila, num evento universitário marcado pelo reconhecimento de que “o futuro é feminino”, já que a temática geral da Semana “está relacionada ao protagonismo feminino na construção de um futuro melhor para o país e para o mundo”.
Também me detive no ensaio de Ecila porque tenho me dedicado ao estudo da titularidade subjetiva dos sujeitos coletivos inscritos nos movimentos sociais, protagonistas do processo instituinte de direitos. Confira-se nesse sentido ao livro que co-organizei O Direito Achado na Rua. Sujeitos Coletivos: Só a Luta Garante os Direitos do Povo!, volume 7, Coleção Direito Vivo. Ana Cláudia Mendes de Figueiredo, Andréa Brasil Teixeira Martins, Edilane Neves, José Geraldo de Sousa Junior, José Roberto Nogueira de Sousa Carvalho, Luana Nery Moraes, Shyrley Tatiana Peña Aymara, Vítor Boaventura Xavier (Organizadores). Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2023. E sobre essa obra a Coluna Lido para Você (Jornal Estado de Direito) http://estadodedireito.com.br/sujeitos-coletivos-so-a-luta-garante-os-direitos-do-povo/.
No livro Ecila apresenta, em seu capítulo, pontos centrais de debate quando se pensa a luta de mulheres diante do cenário de enfrentamento do avanço do projeto anticivilizatório do Capitalismo Tardio. Chama a atenção sobre a imprecisão da face do novo sujeito histórico-político que surge no século XXI, pois este pode ter diversas orientações sexuais e ser de diversas etnias. Aponta para a importância do olhar atento que se precisa ter para a periferia do mundo, pois este desvela a feição não universal de um sistema que, mesmo diante de crises e calamidades, sempre se portou de forma insensível diante dos vulneráveis. Argumenta, portanto, que o Estado Moderno Liberal Burguês traz, em suas linhas institucionais, uma interdição da mulher como sujeito, sedimentando e perpetuando séculos de desigualdade, de enclausuramento e de hostilidade.
O texto encaminha, desta forma, tal como consta de seu resumo para a edição, “uma discussão que questiona sobre os caminhos de alcance da igualdade universal e a inclusão de todas, todos e todes no sentido de que sejam pessoas vistas como sujeitos detentores de direitos, no qual o respeito ao meio ambiente seja também entendido como um respeito a si mesmo e à condição de um ser da natureza”.
Penso que a contribuição de Ecila para esse tema interpelante constituído pela mediação da categoria sujeito coletivo de de direito, colabora para esclarecer o alcance de uma capacidade instituinte, que se faz apta, como no caso estudado por Ecila as mulheres, a vencer “as interdições perpetuadas por formas seculares de desigualdade, de enclausuramento e de hostilidade” redutoras de um protagonismo transformador.
Essa contribuição se enquadra naquele conjunto de formulações, lembram os meus alunos de graduação da disciplina Pesquisa Jurídica, que preparam um verbete com essa designação para a wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Sujeito_coletivo_de_direito) no qual eles afirmam com convicção que o sujeito coletivo de direito, por meio dos movimentos sociais, ocupa ambientes antes restritos a classes dominantes, transforma a rua em um novo espaço político, capaz de expressar a vontade popular, e permite a reivindicação e concretização de novos direitos.
(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)
José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.
Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.
Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).