A Questão Ambiental não é uma Aposta, é um Compromisso Político e Ético

por José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF 

Em matéria publicada na página Amazonia Real – https://amazoniareal.com.br/crise-ambiental-governo-lula/, acesso em 26.05.2023, com o título Em governo Lula, área ambiental corre o risco de ser dominada por modelo bolsonarista, a jornalista Cristina Ávila afirma que “De uma forma parecida com o que aconteceu no primeiro governo do petista, a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, sofre desgastes e não conta com o apoio explícito do presidente Lula . Ela corre o risco de perder poder, assim como o Ministério dos Povos Indígenas, liderado por Sonia Guajajara”.

Na matéria ela chama a atenção para o que caracteriza como “desgastes de pautas ambientais e indígenas no Congresso Nacional, com aparente desarticulação do governo Lula (PT) para defendê-las, [levando] lideranças dos dois segmentos a acreditar que há o risco de o modelo bolsonarista de governar ser retomado no país, mesmo após o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ter perdido a eleição e ainda não ter se consolidado como líder da oposição”.

E não só no Congresso. Acabo de ler em página editada pelo pensador Leonardo Boff (https://leonardoboff.org/2023/05/26/se-lula-rifar-o-meio-ambiente-seu-governo-acaba-por-eliane-brum/), artigo da jornalista Eliane Brum, com um título contundente – Se Lula Rifar o Meio Ambiente Seu Governo Acaba –, motivado pela decisão do Ibama de negar a licença para abrir uma nova frente de exploração de petróleo na Amazônia. Para ela, a posição do Ibama foi uma vitória: “Não uma vitória de Rodrigo Agostinho, presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, que assinou o documento no dia 17 de maio. Não uma vitória de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Não uma vitória dos povos indígenas e das comunidades tradicionais que seriam impactadas se o projeto fosse adiante. Não uma vitória de populações de cidades e regiões que poderiam ser atingidas em caso de um vazamento. Não. Foi uma vitória da melhor ciência e da melhor política. Foi uma vitória da inteligência. Foi uma vitória da vida”.

Mas, ela contextualiza, “Se essa vitória for apagada pelo ataque feito pelo Congresso a Marina Silva e ao Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, ao tirar da pasta áreas vitais, acabou. Não acabou para Marina nem para o ministério. Acabou para o governo Lula, que será rearranjado ao modo da extrema direita, com a boiada passando sobre a Amazônia. “O povo brasileiro elegeu o presidente Lula, mas parece que o Congresso quer reeditar o governo Bolsonaro”.

Volto ao texto de Cristina Ávila. Segundo a matéria, “o desgaste foi agravado esta semana com o avanço, no Congresso, de uma Medida Provisória que reestrutura a Esplanada dos Ministérios. Aprovada por comissão mista formada por deputados e senadores, a MP que reorganiza o governo Lula recebeu emendas parlamentares e, na versão votada, tira funções do Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva, e diminui as atribuições do recém criado Ministério dos Povos Indígenas, liderado por Sonia Guajajara”.

Na matéria ela compara a atuação atual de Marina em relação a sua primeira passagem como ministra de Lula, entre 2003 e 2008. A ministra deixou o cargo em maio de 2008 após disputa com a ala desenvolvimentista do governo – na ocasião, não contou com o apoio do presidente e ficou sem condições de continuar o trabalho ambiental.

Não parecem ser equivalentes as duas situações. Em que pese o Congresso, sob a condução do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), querer tomar a direção de importantes pautas ambientais e indígenas e tentar dominar inclusive a atribuição da demarcação das terras indígenas, a partir da tese do marco temporal, neste caso, com a atuação da bancada ruralista da Câmara dos Deputados que levou à  aprovação de urgência para a tramitação do projeto de lei 490/2007, que define a data da promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988) como marco temporal para o direito às terras indígenas.

A movimentação das ministras Marina e Sonia, imediatamente recebeu o apoio de centenas de entidades que defendem a causa ambiental, porque  cuidam de lembrar ao Presidente Lula que esse tema é o divisor de águas entre uma política de rearranjo neoliberal forte num desenvolvimentismo predatório e suicida para o Planeta, que parece cerzir o acordo da frente ampla que o elegeu, mas que sepulta o anúncio de sua virada utópica para conduzir o país a uma posição ética e paradigmática que possibilite modificar o próprio sistema mundo conforme uma agenda sustentável, pacifista, multipolar e solidária com os descartáveis da necropolítica global. O projeto estabelece que, para serem consideradas terras indígena, as áreas reivindicadas teriam que estar ocupadas na data em que a Constituição foi promulgada, ignorando direitos históricos, além dos massacres a que foram submetidos os povos ancestrais.

Apesar da aposta de parlamentares no desgaste de Marina Silva – improvável, pois não é ela que se desgasta, mas quem hipotecou a confiança do mundo numa política de compromisso com a sustentabilidade do planeta. Agora, no dia 26, foi divulgada a notícia de que acidade de Belém, no Pará, vai sediar a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-30). O próprio governo federal divulgou a informação por meio de um vídeo em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o governador do Estado, Helder Barbalho (MDB), recebem a confirmação do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.

As Nações Unidas aprovaram, no último dia 18 de maio, a realização da COP-30 na cidade de Belém do Pará, em novembro de 2025”, informou o chanceler. A Conferência do Clima da ONU é o maior evento do mundo dentro dessa temática. Na reunião, chefes de Estado e de governo, pesquisadores, ambientalistas e empresários discutem medidas de enfrentamento às mudanças climáticas.

O Presidente Lula, projetado no mundo como liderança confiável – a ponto de ser protagonista real, somente comparável aos esforços do Papa em busca de uma solução mediada para cessar o conflito entre a Rússia e a OTAN (Estados Unidos) – buscou essa confiança durante a COP 27 (Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas – ONU), em novembro, seu primeiro grande momento internacional antes da posse, quando afirmou, alto e em bom som que “O combate às mudanças climáticas deve ser um compromisso do Estado brasileiro”, certamente seu compromisso político e ético para ter a credencial de realização em Belém da COP-30.

Marina e Sônia estão confiantes em que até a votação final no plenário e mesmo depois, no limite do veto, o Presidente e seus ministros (já houve demonstração pública de que esse é um compromisso do governo) cuidarão de recuperar o protagonismo de condução da agenda ambiental e dos direitos indígenas.

Apesar da demora nesse posicionamento, a decisão dos ministros do STF sobre o tema mais se deve aos cuidados que uma manifestação que interessa a toda a sociedade precisa ter.  Aliás, a considerar voto do ministro Edson Fachin, relator, que interessa a uma política que é global em termos de direitos humanos internacionais (Convenção 169, da OIT). E nesse aspecto, de modo consentâneo, o voto do ministro, já lançado, ao reconhecer que a posse da terra indígena deve ser definida por uma tradicionalidade instituinte de direitos e não por um marco temporal. Tese brilhante, politicamente, filosoficamente, juridicamente, pois reconhece que direitos pré-estatais e pré-colombianos ou pré-cabralinos, não se extinguem em prorrogações subordinantes pós-coloniais para revogar direitos que lhes são anteriores e que, certamente, permanecerão para além deles, quando superadas todas as reduções neocoloniais. Tanto mais que nesse modelo colonial e neocolonial, para lembrar o grande Victor Nunes Leal (ministro do STF, autor de Coronelismo, Enxada e Voto), pensar marco legal é anistiar o crime que a começar com a grilagem se consuma com a pistolagem, assassinando, expulsando posseiros, quilombolas e indígenas, queimando seu plantio e suas moradias, exaurindo a natureza e exterminando existências e modos de vida.

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)


José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).

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