Na ocasião do aniversário de 96 anos do nascimento do jurista Roberto Lyra Filho, o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) realizou, nesta quinta-feira (13/10), o lançamento do livro Criminologia dialética, 50 anos: um diálogo com o legado de Roberto Lyra Filho, escrito por Gizlene Neder, Gisálio Cerqueira Filho, Eduardo Xavier Lemos, João Ricardo Dornelles, Marcia Dinis, Gabriel Ignacio Anitua, João Maurício Adeodato, Lair Gomes de Oliveira, David Sánchez Rubio e Ney Fayet e organizado por José Geraldo de Sousa Junior, José Carlos Moreira da Silva Filho e Salo de Carvalho. O evento reuniu os autores e organizadores da obra para dialogar sobre a publicação e a memória do célebre advogado brasileiro. A abertura foi feita pela a 3ª vice-presidente do instituto, Ana Amélia Menna Barreto, que ressaltou a importância do projeto Saindo do Prelo no lançamento de livros que marcam a evolução do pensamento do Direito.
O manual de Criminologia de Roberto Lyra Filho foi exaltado no evento como um ponto de mudanças políticas e epistemológicas na advocacia. A presidente da Comissão de Criminologia do IAB, Marcia Dinis, relembrou a trajetória de engajamento social do autor homenageado para ressaltar que o lançamento marca o desejo de mostrar a atualidade da produção acadêmica do jurista. “O manual de Criminologia de Lyra Filho é uma obra comprometida com a defesa das instituições democráticas e com a promoção da justiça social”. A advogada ainda lembrou que as reflexões rememoradas conversam com discussões legais atuais, como, por exemplo, a possibilidade de haver uma legislação que despenalize o pequeno delito em um país assolado pela fome.
O livro lançado hoje reúne textos críticos e interpretativos da obra de Lyra Filho, além de diálogos entre o manual, que completa seu jubileu neste ano, e o momento presente do País. Como orientando de mestrado de Lyra Filho, o doutor em Direito, Estado e Constituição pela UNB José Geraldo de Sousa Junior ressaltou que o objetivo da obra é manter atual a interlocução entre a Sociologia do Direito e os pensamentos críticos e políticos que transbordam no campo jurídico desde os anos 1960. “Roberto Lyra Filho está na formação de todo advogado. A Criminologia Dialética traduz a disponibilidade de transformação de um paradigma, além do processo de renovação da velha para a nova concepção do Direito pelo qual o autor transitou”.
Reforçando os relatos de prematuro contato com a obra do homenageado jurista, o professor da Escola de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUC-RS José Carlos Moreira da Silva Filho disse que seu contato com Lyra Filho consolidou o entendimento de que “o critério de normatividade é aquele que não se limita aos contornos estatais, embora possa passar por ele ou nele se materializar, e que busca, ao máximo, o alinhamento na direção objetiva que impulsiona o processo histórico de emancipação humana”. O advogado reforçou ainda que a advocacia, segundo Lyra Filho, é um elemento desencadeador da renovação das ciências criminais. Para o professor de Direito Penal da UFRJ Salo de Carvalho, a homenagem e as reflexões promovidas no encontro são um resgate da tradição acadêmica jurídica. “Lyra Filho propõe uma Criminologia que dialoga diretamente com a dogmática penal e a infiltra de materialidade, vida e realidade”. Salo ainda advertiu que “deixar de lado essa obra é um reflexo do pensamento colonizado na criminologia, quando damos mais valor a textos estrangeiros, mesmo tendo pensamentos muito avançados aqui no Brasil”.
Da mesma forma, o resgate histórico do pensamento crítico na Criminologia, de acordo com o professor de Criminologia na Faculdade de Direito de Buenos Aires Gabriel Ignacio Anitua, ajuda a pensar problemas ideológicos de extrema direita que ainda estão presentes na atualidade. “Estamos discutindo um clássico contemporâneo que nos interpela e obriga a refletir e atuar no presente”. A materialidade da obra nos dias de hoje também é contemporânea, segundo o mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba Lair Gomes de Oliveira, que afirmou que “a diversidade e interdisciplinaridade são fundamentais na obra de Lyra Filho”. Para o advogado, existe uma ponte que une o tempo do jurista e o presente, com todos os seus desafios. Ele ainda se perguntou como o célebre escritor encararia as rupturas democráticas do Brasil da década de 2020.
O professor da Faculdade de Direito da UNB Eduardo Xavier Lemos acredita que Lyra Filho, através da sua obra, demonstrou o compromisso com o Estado de Direito. “Ele resgatou a atividade política na advocacia, que nada mais é do que o compromisso de não nos desconectarmos da nossa prática e da nossa prática transformar o mundo, conectada à justiça social”. No mesmo sentido, o professor de Direito da Universidade de Sevilha David Sánchez Rubio salientou a força política da Criminologia de Lyra Filho, ressaltando que o autor é um dos que “propõe formas de confrontar o sistema de dominação para produzir uma sociedade sem discriminações e privilégios excludentes”.
No campo pessoal, Lyra Filho também foi homenageado. Os professores da UFF Gisálio Cerqueira Filho e Gizlene Neder relembraram a generosidade do advogado em compartilhar seu potencial crítico para o crescimento acadêmico dos colegas. “A ficha custou a cair. Como assim, um jurista especializado em Filosofia e Sociologia do Direito me dispensou tempo e trabalho intelectual vigoroso comentando a minha tese doutoral sem que eu me atravesse a solicitar algo?”, contou Cerqueira Filho sobre o primeiro contato com Lyra Filho. Gizlene Neder comentou também que, como mulher no meio acadêmico do século XX, sempre foi tratada com equidade pelo advogado. A militância do jurista, para ela, deve ser rememorada no cenário de “acontecimentos históricos que afetam profundamente a cultura política e jurídica no País”.
Publicado pelo IAB