Campanha NÃO Abolição, lançada nesta quinta, além dos planos da OAB/DF neste período de renovação de seus compromissos, traço marcante dos aniversários da instituição, são os temas centrais desta entrevista com o presidente Délio Lins e Silva Jr.
Da Redação
Hoje (13 de maio), as redes sociais da Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF) vão dar início a uma campanha que fala da NÃO Abolição. Expresso 61 conversou com o presidente da Seccional, Délio Lins e Silva Jr., sobre essa ação emblemática, e sobre os desafios da Ordem no DF, atualmente.
Apresentamos aqui os vídeos (confira no final da entrevista) sobre os fundamentos dessa campanha, em depoimento do presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/DF, Beethoven Andrade, bem como a peça de abertura da campanha. Também, um depoimento especial da copresidente da OAB/DF, Cristiane Damasceno – como Délio chama a sua vice-presidente.
Para Délio, o desafio maior da OAB/DF, neste momento, é manter conquistas e “romper com o passado” de exclusões. A atual gestão, segundo qualificou é: “plural e, por isso, tem vozes que lideram a campanha antirracista (a Comissão de Igualdade Racial, que agora é permanente, e a Diretoria de Igualdade Racial, recém-criada).
É uma Seccional que abraça as causas das mulheres, tendo 50% de homens e 50% de mulheres (paridade de gênero) já adotada como uma prática em sua diretoria e comissões, tanto na Casa, quanto nas Subseções”. Também, a Comissão da Mulher Advogada foi tornada permanente.
Em outros aspectos relevantes, a OAB/DF vem enfrentando desafios como o desrespeito às prerrogativas da advocacia, o desemprego, a falta de formação para os jovens compatíveis com as exigências de uma sociedade cada vez mais tecnológica. A falta de alimentos na casa de muitos e uma clareza de que é preciso reivindicar a vacinação em massa contra a Covid-19.
Assim, os 61 anos da OAB/DF serão completados no próximo dia 25 de maio com conquistas a serem comemoradas, mesmo diante de uma pandemia que já nos custou 428 mil vidas perdidas, no país, havendo, no recorte desta pauta, muitos advogados entre os falecidos. Mas, também, com desafios ainda desconcertantes.
Expresso 61 recorda, também, que, no aniversário de 60 anos, a emblemática comemoração da OAB/DF teve de ser “desmontada” e reorganizada. Planejamento refeito para um novo normal, que mudou a rotina de todos e trouxe enormes desafios às carreiras profissionais, à vida em família e na sociedade.
Segue a entrevista concedida via e-mail:
A OAB/DF fazer essa campanha antirracista sinaliza uma mudança de rumo definitiva nos caminhos da Ordem? Assim como acolher a paridade de gênero?
Délio: Penso que sim. É um legado. Um caminho sem volta. Quando uma instituição pilar como a Ordem defende de modo intransigente valores democráticos, fica difícil recuar. Tanto que a inspiração do Distrito Federal e nossa ação e participação no Conselho Federal levou, junto com mais contribuições de bancadas progressistas, à adoção de paridade de gênero, nas próximas eleições, em novembro, para todos os níveis, assim como da cota de 30% para negros e negras na composição dos Conselhos.
Na OAB/DF estamos trabalhando com programas para dar mais qualidade na formação. Como o Carreiras OAB-DF, uma iniciativa inovadora, que visa auxiliar advogados e advogadas iniciantes a encontrarem seu espaço no mercado de trabalho
Do lado de fora da Ordem, na sociedade, como observadores do que acontece no mercado de trabalho, pensamos que há problemas sérios e urgentes a serem enfrentados pelos advogados e que dizem respeito à proletarização da profissão, baixos salários pagos, má formação de profissionais, com a proliferação de faculdades que jogam a qualidade de ensino para baixo. Também, a ameaça de se acabar com o exame da Ordem. Queríamos saber como a gestão tem enfrentado esses problemas.
Délio: São problemas sérios e reais, e como você diz perceptíveis às pessoas até de fora da área do Direito. Um desalento grande paira sobre a profissão porque é isso aí: salários baixos, má formação, e uma tentativa de nivelar assim. Querer acabar com Exame da Ordem é um absurdo, tentativa frustrada. O Exame é baliza para admissão em uma carreira que a pessoa, cada vez mais, precisa se preparar com mais autonomia e independência, complementando uma formação deficiente com cursos como os oferecidos pela Escola Superior de Advocacia das Seccionais. Na OAB/DF estamos trabalhando com programas para dar mais qualidade na formação. Como o Carreiras OAB-DF, uma iniciativa inovadora, que visa auxiliar advogados e advogadas iniciantes a encontrarem seu espaço no mercado de trabalho. Temos cursos, palestras, programas de mentoria, de estágio supervisionado como trainees, oportunidades de conhecer novos nichos de atuação e outras atividades. Mais recentemente, fizemos outra ação muito inovadora, também, com o Carreiras TEC, visando empregabilidade. Formamos uma primeira turma em curso de inovação na advocacia, abordando casos práticos de tecnologia aplicada aos serviços jurídicos, finalizado com o concurso do Melhor Projeto de Tecnologia Aplicada aos Serviços Jurídicos. O resultado dessa primeira turma foi marcado por experiências extremamente animadoras apresentadas tanto para o interesse de escritórios de advocacia quanto o da gestão pública. Esse é um caminho de superação de dificuldades.
Mesmo com a pandemia foi possível fazer avanços, então?
Délio: A pandemia foi o maior desafio de nossas vidas: tanto de cada profissional quanto da OAB/DF, da sociedade brasileira, do mundo. Jamais imaginaríamos tudo isso! A consequência imediata nas carreiras, não só a da advocacia, mas em todas as profissões, foi o impacto de acelerar o uso da tecnologia em anos. Tudo o que era pensado para ser realizado de modo presencial, nos moldes do século 20, ruiu. Caiu por terra. Quase uma queda de um mundo de Berlim virtual. Estamos passando por uma pandemia juntos, mas não nas mesmas condições. Assim como a maioria da população brasileira, nossa base de advogadas e advogados é composto por pessoas que ficaram desempregadas, que tiveram muitas dificuldades para o acesso à Internet, para trabalhar e até para comer. O mundo real do advogado não é capa de revista, feito de glamour e de festas. É um mundo duro, de trabalho, de resultados a custo de muito suor. Tivemos de nos adaptar e brigar mais ainda por quem está na base da pirâmide profissional. Assim, aceleramos os serviços digitais. A OAB/DF, antes, fazia controles por planilhas de excel, mas agora temos a tecnologia empregada no que que há de melhor. Foi a resposta mais efetiva que demos, por meio da OAB/DF Digital. Gama de serviços on-line; inovação. De outro lado, recuperamos a sede em diversas obras, como as de melhor acessibilidade do edifício-sede; investimos em recuperação e novos espaços nas Subseções. Haja vista, inauguramos novas sedes em Ceilândia (2019) e Águas Claras (2020).
A OAB/DF está na vanguarda de processos de formação profissional. O advogado do século 21 não pode viver como seus pais. Todo o processo rudimentar, artesanal, está fadado a terminar. Não é o fim dos empregos. É um novo tempo
Esse contingente que você fala de advogadas e advogados carentes de recursos, é possível ser mais claro?
Délio: Sim. Para enfrentar a pandemia precisamos nos organizar. A Caixa de Assistência dos Advogados do Distrito Federal (CAADF) repensou tudo. Entregamos cestas básicas, alimentos para cerca de mil profissionais, os planos de saúde estão revistos e oferecem condições muito mais vantajosas que qualquer outra assistência de mercado. Inauguramos a clínica PrecAAver, onde temos atendido a advocacia e reforçado campanhas de prevenção a câncer de homens e mulheres. Para apoiar as autoridades na questão da pandemia, iniciamos paralelamente campanhas de vacinação contra H1N1. Se a pessoa não fica doente por Influenza já é uma a menos nas filas dos hospitais em um momento em que a batalha de frente é contra a Covid-19. Este ano, vacinamos quase 18 mil advogados e seus familiares com a vacina anti-H1N1. A CAADF é braço assistencial da OAB/DF e tem alcançado resultados impressionantes de eficiência. Boa gestão, mão firme e competente do colega Eduardo Uchôa Athayde.
Quais foram as outras frentes que a OAB/DF encampou para atender quem está nessa base que você fala?
Délio: A Escola Superior de Advocacia do Distrito Federal (ESA/DF) já vinha reestruturando seu planejamento, havia lançado nova plataforma para atender com cursos de ponta a necessidade premente dos recém-formados por formação de excelência em uso de tecnologia, práticas do Direito, e mais uma vez pudemos contar com a ESA. Aliás, destaco a recente parceria que firmamos com a Finted e a Jusbrasil, justamente para lançamento do programa Carreiras TEC, que falamos faz pouco. Esse programa foi idealizado pelo diretor de Tecnologia e Comunicação da OAB/DF, Fernando Abdala. Reforço que tivemos já a conclusão da primeira turma de formandos. Os alunos receberam uma relevante carga de aulas teóricas para preparar seus conhecimentos prévios, depois debruçaram-se em soluções práticas, projetos de inovação para aplicação em escritórios de advocacia. Desenvolveram ideias partindo das dores comuns dos profissionais e traçaram soluções simples e de baixo custo, exequíveis. Formamos ali pessoas mais capazes de lidar com a virtualização do Direito, com processos judiciais eletrônicos, com mais capacidade de entender de marketing e gestão de carreiras. A OAB/DF está na vanguarda de processos de formação profissional. O advogado do século 21 não pode viver como seus pais. Todo o processo rudimentar, artesanal, está fadado a terminar. Não é o fim dos empregos. É um novo tempo. Um tempo em que a inteligência artificial fará tudo o que é mecânico e repetitivo. As pessoas farão o que é criativo.
Essas ações demoram para surtir efeitos. Como avalia que poderão impactar na vida dos profissionais?
Délio: Já impactam! Temos cerca de 5 mil advogadas e advogados atuando nas nossas comissões (na Seccional e nas Subseções). O que estamos fazendo é democratizar o acesso. Não fazemos diferenças. Não agimos em favor de grupos. A OAB/DF tem independência, tem uma gestão apartidária. Não que não se possa fazer política, cada um sabe e faz da sua vida a participação social que bem entender, mas, na Ordem, que é o templo da democracia, todos têm voz, todos têm respeito e o limite é a Constituição Federal. Houve um tempo em que a Ordem era para poucos. Hoje, é de todos. Nosso propósito começou lá atrás, quando ganhamos as eleições de 2018. Desde 2019, somos 50% de homens e 50% de mulheres na diretoria e em todas as comissões e instâncias decisórias da Casa. A Cristiane Damasceno não é minha vice-presidente. Ela é a minha copresidente. Ela é uma parceira que está comigo os 12 meses do ano e não só no mês de comemoração do Dia da Mulher (março). Tornamos permanente a Comissão da Mulher Advogada e, também, a da Igualdade Racial. Isso porque, além do empoderamento feminino, nossa casa reconhece que o racismo estrutural no país é uma chaga. Tem de ser extinto. E na OAB/DF não damos trégua. Racismo é crime, não é mal-entendido! Na nossa diretoria já temos a representatividade de pretos e pretas garantido. Fomos exemplo para a Ordem, que, nas próximas eleições, terá paridade e 30% de cota racial para todos os níveis: Nacional, Seccionais e Subseções. Estamos mudando as bases, transformando vidas. É um processo constante e em marcha.
Eu não falo sobre se vou ou não vou disputar a reeleição. É cedo para isso. Tem muita gestão para acontecer. Mas vou dizer que a OAB/DF está, no momento, ao lado da defesa intransigente da democracia, do olhar para quem inicia na carreira
Recentemente, a OAB Nacional aprovou um estudo para a compra de vacinas contra a Covid-19, a Seccional do Distrito Federal apoia essa proposta?
Délio: Mais do que isso. Essa proposta foi feita pela bancada de conselheiros do Distrito Federal, tem apoio da nossa diretoria e em particular o meu aplauso e incentivo para que sigamos nessa direção. A Ordem, após o atendimento de todas as prioridades em lei, poderá, se o estudo assim indicar possível, adquirir as vacinas para os nossos colegas advogados, de modo criterioso. A cada profissional da advocacia vacinado, haverá uma pessoa da população vacinada, pois tem que ser doada uma dose ao Sistema Único de Saúde (SUS). Estamos enfrentando a pior pandemia que já tivemos registro na história e não podemos permitir que vidas se percam. O bem maior é a vida das pessoas! É isso que devemos ter mente. A conselheira federal Daniela Teixeira apresentou a proposta, liderou o debate e obteve, em nome da Seccional, importante conquista: o direito ao planejamento prévio, à escolha por um bem maior. Muito orgulho da Dani e de nossos conselheiros federais! O DF está muito bem representado no Conselho Federal.
Este ano é o último de sua gestão. Como que encerrar o mandato? Vai disputar a reeleição?
Délio: Sim. É o nosso último ano na gestão e estamos fazendo importantes entregas: a OAB Digital, que é na prática toda a prestação de serviços que antes era feita de modo físico, e que passa agora a ser feita on-line, a defesa de prerrogativas, que é uma atuação constante, pois temos canais de denúncia e apuração rápida de fatos. A CAADF inovando o tempo todo, assim como a ESA/DF. A democracia interna observada, com a paridade de gênero e o combate ao racismo. É um legado que deixaremos ao final do ano para impulsionar novos caminhos. Quero encerrar essa etapa com a marca de uma OAB/DF plural, inclusiva, realizadora. Eu não falo sobre se vou ou não vou disputar a reeleição. É cedo para isso. Tem muita gestão para acontecer. Mas vou dizer que a OAB/DF está, no momento, ao lado da defesa intransigente da democracia, do olhar para quem inicia na carreira. Estamos apoiando os advogados iniciantes com a menor anuidade cobrada no país e estamos mantendo a anuidade de 2020 para todos, o que ajuda no enfrentamento da pandemia. Queremos que isso siga! Que a OAB/DF não caia nas mãos do retrocesso, de quem governa para poucos, de quem não se importa com mulheres, com jovens, com a população negra que ascende a uma profissão que é muito respeitada, porém cheia de desafios. Certamente, vou estar do lado dos que querem uma OAB/DF conectada com esses novos tempos, com o nosso legado. Uma OAB/DF do século 21, sem o paroquialismo que marcava as nossas estruturas. Temos de manter as conquistas e avançar, romper definitivamente com um passado de exclusão, uma OAB/DF para poucos. Temos tanto a dizer: falar sobre a implantação de parlatórios virtuais, o apoio a advogados previdenciários, para atendimento a clientes, sem precisar ir mais a agências de INSS. Uma infinidade de temas, e sobretudo destacar que estamos sempre lutando por uma OAB independente. Somos uma instituição apartidária. Nosso partido é a Constituição Federal.
(Foto: Alexandre Mota)
Confira os vídeos da campanha: