Comunidade encravada entre a Candangolândia e a BR 040, quase embaixo do viaduto da EPNB, luta há 40 anos para ser reconhecida e deixar de sofrer preconceito e marginalização
Por João Negrão (texto) e Luzo Reis (fotos)
Chegar à Vila do Sossego em dias normais já é difícil, imagina numa tarde de sábado chuvosa, com aquelas precipitações pluviométricas intermitentes, fininhas, que prometem seguir pelo anoitecer e até tarde da noite.
Foi assim que o fotógrafo Luzo Reis e eu encontramos aquela comunidade pobre, encravada entre a Candangolândia e a EPIA (rodovia BR 040), quase embaixo do viaduto da EPNB. Pelos cálculos do presidente da Associação de Moradores local, o pedreiro Cipriano Neto, são quase 40 anos de existência.
Desde então a comunidade trava uma luta incessante para permanecer ali e viver com dignidade, ser reconhecida e deixar de sofrer preconceito e marginalização. “Aqui era chamado de Favelinha pelos moradores da Candangolândia e de outros lugares. Quando mudei para cá, há 17 anos, criei a Associação de Moradores e rebatizei a comunidade. Passamos a chamar de Vila do Sossego”, conta Cipriano Neto.
Hoje a Vila do Sossego anda sossegada ultimamente. E em vários sentidos. Faz tempos que ninguém tem ameaçado despejar as cerca de 80 famílias viventes por lá. E também foi-se o tempo em que era atribuído aos moradores locais todo tipo de mazelas que ocorriam na vizinhança.
“Se havia assalto, assassinato, tráfico ou qualquer tipo de crime, aqui era o primeiro lugar em que a polícia vinha atrás de suspeitos. A vizinhança sempre suspeitava que era gente da ‘Favelinha’. Por isso mudei o nome, para que acabasse esse preconceito e discriminação contra nossa comunidade”, explica o presidente da associação.
A situação mudou significativa nos últimos anos, mas o preconceito ainda continua. Especialmente por ser ali uma comunidade pobre. Outras invasões existem próximas, como nas quadras 4 e 7 do setor de chácaras da Candangolândia e ao lado da Vila do Sossego, na EPIA, a partir do viaduto e até próximo ao viaduto do BRT.
As autoridades nunca importunam as outras invasões. Nunca houve contra elas as mesmas ameaças de desocupação contra a Vila do Sossego. A procura por suspeitos de crimes nas outras comunidades sempre foram raras.
Cipriano Neto explica porque toda a carga de preconceito com a Vila do Sossego: “É porque aqui só moramos pobres, pessoas humildes, trabalhadores, diaristas, serventes e pedreiros, como eu. Estamos cercados de outras invasões igualmente a nossa, ilegais. Mas lá nas outras moram funcionários públicos, advogados e até policiais. Por isso ninguém incomoda”, afirma.
Anos atrás, os moradores da Vila do Sossego desejavam a transferência para outra área do DF, legalizada e urbanizada. Agora a luta da Associação de Moradores é pela legalização e urbanização da área. “Estamos nesta luta agora. Queremos ficar aqui e termos os mesmo direitos que nossos vizinhos: uma vida digna para vivermos sossegados, trabalhando e criando nossos filhos, proteção para nossas famílias”, reivindica Cipriano.
Ele explica que um estudo da Universidade de Brasília mostrou que a comunidade fica bem distante da área de proteção ambiental, que abrange o entorno do córrego Riacho Fundo, que compõe a bacia do Paranoá. “Nossa é área é possível de ser regularizada e urbanizada”, afirma o presidente, mostrando o mapa do estudo da UnB.
Outra alegação contra a regularização é refutada pelo Cipriano Neto: a de que a comunidade, por ficar abaixo do viaduto da EPNB estaria numa área de risco. “O lugar aqui é chamada de ‘curva da morte’, mas nunca caiu nada aqui. Os veículos, quando perdem o controle, descambam próximo ao final da curva, e caem no campo sintético, já na Candangolândia”, assegura ele.
Mesmo com todas as dificuldades, a vida dos moradores da Vila do Sossego vem melhorando aos poucos. A Associação de Moradores já conseguiu a ligação de energia elétrica pela CEB. “Agora está tudo legal. Antes eram gambiarras”, festeja Cipriano Neto.
Dona Silvia de Jesus é uma das moradoras da Vila do Sossego, onde vive há cerca de 10 anos. Ela conta estar feliz no local e aguarda a regularização. “Gosto de viver aqui. Sou feliz”, afirmou. Como ela, os demais moradores desejam que a situação da vila seja regularizada em breve.
No governo de José Arruda, finalizado em 2009, havia sido iniciado o processo de regularização da Vila do Sossego. Chegaram a começar o trabalho topográfico. Mas a iniciativa foi abandonada no governo seguinte, de Agnelo Queiroz.
O advogado Álisson Lopes, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), subsecção de Águas Claras, tem prestado assistência jurídica para a Associação de Moradores da Vila do Sossego. Ele também mobiliza seus colegas para ajudar a comunidade.
“Buscamos trazer os moradores para receberem atendimento dos advogados voluntários, orientando sobre seus direitos e ao mesmo tempo chamando atenção do Poder Público”, explica Álisson Lopes.
Gostei muito, de uma sensibilidade ímpar, e muita consciência de responsabilidade com a vida.