Por Márcia Azevedo
Primeiro de março de 2021, mais de 250 mil mortos por COVID-19 no Brasil. Estamos a poucos dias de completar um ano da pandemia oficialmente declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março de 2020, um ano que se antecipou e – permita-me, Zuenir Ventura – ainda não terminou. O mundo ainda não sabia, mas 2020 – quiçá o século XXI – teve início em meados de dezembro de 2019, na cidade chinesa de Wuhan, localização provável do paciente zero de SARS-CoV-2.
Como todos os outros, o novo coronavírus não tem nacionalidade, cor, ideologia, não respeita fronteiras. Desafio transnacional dessa magnitude exige, por óbvio, a concertação política da comunidade internacional em foros multilaterais, a conjugação de esforços (científicos, logísticos, sanitários e outros) por todos os países afetados.
O Governo de Jair Bolsonaro, porém, optou por seguir o irracional caminho do negacionismo científico, da xenofobia, das teorias da conspiração e fake news. A diplomacia brasileira, que, sob o Ministro Ernesto Araújo, já se alinhara aos Estados Unidos desde o início do mandato de Bolsonaro, sucumbiu peremptoriamente ao governo Trump, não se limitando a aplaudir-lhe os passos, mas seguindo-os, imitando bravatas e posicionamentos que não correspondem aos reais interesses do país e, menos ainda, às prementes necessidades do povo brasileiro. Em um dos episódios de mais evidente mimetismo, em maio de 2020, o governo brasileiro decidiu ficar ao lado dos EUA e de fora do Covax Facility, a coalizão mundial coordenada pela OMS para acelerar a produção de uma vacina. E ainda ameaçou retirar o Brasil da OMS.
O Brasil finalmente aderiu ao Covax no final de setembro de 2020. Tardia e precariamente. O governo brasileiro fez opção pela cobertura mínima permitida ao comprar 42,5 milhões de doses, quantidade que assegura a imunização de apenas 10% da população brasileira, ao passo que os demais governos pactuaram comprar, em média, o suficiente para imunizar 20% da população de seus países. Cada participante pode solicitar doses suficientes para vacinar entre 10% e 50% da própria população.
Essa e outras ações, omissões e negligências por parte do governo de Jair Bolsonaro –que insiste em falar contra o uso de máscaras e desrespeitar aqueles que seguem as recomendações sanitárias – nos trouxeram até aqui: à beira do colapso. A já ultrapassada marca dos 250 mil mortos é segunda maior do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, que já perderam mais de 500 mil vidas. Apenas 100 municípios brasileiros possuem população igual ou maior do que o número de mortos por COVID-19 no país. Isso sem considerar, claro, a subnotificação, igualmente derivada da incapacidade de planejamento e gestão. Os efeitos deletérios da falta de liderança veem-se também nas famílias que perderam entes queridos, saúde, empregos, empreendimentos, o sustento, a esperança.
Enquanto isso, acima do Equador, a eleição do democrata Joe Biden para a Presidência dos EUA delegou à derrota de Donald Trump a missão de ilustrar seus asseclas Jair Bolsonaro e Ernesto Araújo com a lição de John Foster Dulles: “Um país não tem amigos, tem interesses”. O país com o maior número absoluto de vítimas da pandemia é, também, a maior potência econômica mundial. Em seu primeiro dia de governo, o Presidente Joe Biden anunciou a decisão de unir os EUA ao Covax, contribuindo para o consórcio com aporte financeiro da ordem de US$ 4 bilhões, escalonados até 2022. Hoje, 190 países (98 economias de alta renda e 92 de baixa e média) apoiam a coalizão estabelecida na tentativa de garantir que nações em desenvolvimento pudessem ter acesso às vacinas, e não apenas os países ricos. Na prática, segundo levantamento do Global Health Innovation Center, da Universidade Duke, nos EUA, os países ricos garantiram mais de 4,6 bilhões de doses de vacinas – superando todas as nações de renda média e baixa juntas.
Apesar da traumática e malfadada tentativa de apoiadores trumpistas de fazerem o tempo parar ou retroceder ao invadirem o Capitólio no dia 6 de janeiro, lá, diferente de cá, 2020 pode ter chegado ao fim.
- Márcia Azevedo é jornalista em Brasília
So sei que nao conheco ninguem que escreva tao bem quanto ela!
Alem de nos atualizar dados e acontecimentos detalhadamente ao longo do seu texto , consegue ser sucinta e permitir uma leitura nada enfadonha!Por mais jornalistas assim!!!
É verdade, a Márcia Azevedo, escreve muito bem e tem uma visão ampla dos acontecimentos sabendo expressar de forma simples o complicado.