Por Paulo Lemos
Defender os Direitos Humanos hoje transcende os fóruns oficiais. A luta agora é íntima. Acontece no suspiro profundo antes de abrir o e-mail. No gesto simples de desligar uma notificação para olhar o céu.
Vivemos uma ditadura sutil. Ela não usa algemas visíveis. Seu instrumento é a culpa por não sermos produtivos. A ansiedade da comparação infinita nas redes sociais. A exaustão de administrar a própria vida como um negócio.
Neste mundo, o sujeito é convencido a ser seu próprio capataz. A uberização deixou de ser apenas um modelo econômico e tornou-se uma lógica existencial. Cada minuto precisa render. Cada relação deve valer algo.
A sociedade do desempenho sequestrou a dignidade.
O sucesso é medido por métricas frias: likes, entregas, horas faturadas. A produtividade converteu-se na única medida de valor.
O “eu” autêntico dissolve-se nesse processo. Suas hesitações, seus tempos mortos e suas imperfeições são apagados. Em seu lugar, surge a persona cuidadosamente curada da selfie — uma identidade otimizada para o consumo alheio.
A máquina que nos domina não é de aço. É a máquina de produzir a si mesmo. Uma engrenagem que exige autopromoção constante, reinvenção permanente, até a exaustão final.
Nesse cenário, a defesa de direitos muda de natureza. Deixa de ser apenas uma batalha legal. Torna-se uma luta pela soberania sobre a própria existência.
Reivindicamos o direito ao tédio criativo. Ao fracasso sem humilhação pública. Ao sono reparador não medicalizado. Ao lazer que não precisa se justificar como “recarga produtiva”.
Nossos algozes têm nomes aparentemente inofensivos: produtividade, flexibilidade, empreendedorismo. Vestem a máscara do progresso enquanto corroem direitos trabalhistas históricos e adoecem subjetividades.
A exploração contemporânea é dupla. Somos explorados por estruturas externas e pela expectativa internalizada de rendimento máximo. Nós mesmos passamos a nos cobrar o esgotamento.
O burnout não é um desvio. É o sintoma lógico de um sistema doente. Uma violação silenciosa do direito a uma vida plena.
A resistência, portanto, precisa ser íntima e radical.
Começa nos gestos microscópicos do cotidiano: definir um horário para não trabalhar, priorizar uma conversa presencial, recusar a cultura da disponibilidade permanente.
É preciso politizar o cansaço. Transformar o esgotamento privado em demanda pública. A saúde mental é uma questão política.
Precisamos desmontar a farsa da meritocracia tóxica, que culpa o indivíduo por não suportar ritmos desumanos e absolve o sistema de qualquer responsabilidade.
A greve do século XXI assume novas formas. Pode ser a greve da atenção. A recusa coletiva a ser um recurso minerável. Um ato de resistência contra algoritmos e exigências infinitas.
Precisamos inventar novos direitos para esta era: o direito à desconexão real, à opacidade, ao sigilo, à lentidão consciente.
O direito mais radical talvez seja o de não ser um projeto permanente. De não viver em estado contínuo de aperfeiçoamento. De aceitar a suficiência do presente.
O ato mais subversivo hoje é a prática da inutilidade: gastar tempo sem finalidade mensurável, permitir pensamentos errantes, simplesmente existir sem produzir.
Esta defesa não é romântica. É uma urgência de sobrevivência psíquica e coletiva. É a recusa à conversão da vida em ativo, da consciência em plataforma, do desejo em mercadoria.
A pergunta fundamental já não é apenas “quais direitos temos”, mas “que tipo de seres humanos estamos dispostos a ser”.
Máquinas de alto rendimento ou pessoas conscientes de sua fragilidade? Donos do próprio tempo ou reféns de métricas?
A resposta é cotidiana. Está em cada escolha. No que aceitamos e no que recusamos.
Esse conjunto de escolhas será nosso legado. A verdadeira herança dos Direitos Humanos para o futuro — escrita não apenas em leis, mas em vidas vividas com dignidade.
* Paulo Lemos é advogado em Mato Grosso, articulista de opinião, educador, filósofo e psicanalista de rua, humanista
