Curso sobre Ensino Social da Igreja a partir das Encíclicas Sociais

Por: Claudio Lemos Fonteles (*) – Jornal Brasil Popular/DF

O Concílio Vaticano II revela e propõe diretriz importante na relação Igreja-mundo.

Essa diretriz vem por bem expressa no Proêmio da Constituição Pastoral Gaudium et Spes, que versa “sobre a Igreja no Mundo de Hoje”, quando se lê:
“1. As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje… Por este motivo a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao gênero humano e à sua história”. (GS nº1, pg. 6 – edições Paulinas). Portanto, a Igreja não confronta o mundo. Nada impõe. Antes, tudo propõe. Porque toda a realidade humana “encontra eco no seu coração”, então ela, a Igreja, “sente-se real e intimamente ligada ao gênero humano e à sua história”.

Isso porque a Igreja, no ensinamento da Carta Encíclica de São João XXIII, que prepara o Concílio Vaticano II, é “Mãe e Mestra”: Mater et Magistra.

Assim, a introdução desse importante documento:


“1. MÃE E MESTRA de todos os povos, a Igreja Universal foi fundada por Jesus Cristo… uma dupla missão: de gerar filhos e de os educar e dirigir, orientando, com solicitude materna, a vida dos indivíduos e dos povos…”. (GS nº 1, pg. 3 – edições Paulinas – grifo do original).

Trilhando os caminhos abertos por Leão XIII, na Carta Encíclica Rerum Novarum e Pio XI na Carta Encíclica Quadragesimo Anno, mas atento ao momento histórico vivido, destaca-o São João XXIII:

“154. O maior problema da época moderna talvez seja o das relações entre as comunidades políticas economicamente desenvolvidas e as que se encontram em fase de desenvolvimento econômico… Tanto mais que, dada a interdependência cada vez maior entre os povos, não é possível que entre eles reine uma paz duradoura e fecunda, se o desnível das condições econômicas for excessivo”. (MM nº 154 – pg. 52 – edições Paulinas).

E, à guisa de conclusão, diz:
“254. Nossa época encontra-se invadida e penetrada de erros fundamentais, e dilacerada e atormentada por desordens profundas. Contudo, é também uma época em que ao espírito combativo da Igreja se abrem imensas possibilidades de fazer o bem”. (MM nº254 – pg. 81 – edições Paulinas).

Dois anos após, São João XXIII, na Carta Encíclica Pacem in Terris, realçando como “sinais dos tempos a ascensão econômico-social da classe trabalhadora; o ingresso da mulher na vida pública e a evolução da sociedade humana para um padrão social e político completamente novo”.
(PT – pg. 23 – edições Paulinas), enfatiza o compromisso com o bem comum:

“Aqui, julgamos dever chamar a atenção de nossos filhos para o fato de que o bem comum diz respeito ao homem todo, tanto às necessidades do corpo, como às do espírito… O bem comum consiste no conjunto de todas condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”. (PT – pg. 33 – edições Paulinas).

E, muito a propósito do tema que reflete, São João XIII ensina:

“Assim como nas relações individuais não podem as pessoas ir ao encontro dos próprios interesses com prejuízo dos outros, do mesmo modo não pode uma nação, sem incorrer em grave delito, procurar o próprio desenvolvimento tratando injustamente ou oprimindo as outras. Cabe aqui a frase de Santo Agostinho: “Se a justiça for esquecida a que se reduzem os reinos senão a grandes latrocínios”. (PT – pg. 47/48 – edições Paulinas – grifo do original).

São Paulo VI, motivado por viagens que empreendeu à América Latina, à África, à Terra Santa e à Índia, escreve a Carta Encíclica Populorum Progressio.

Cria, como um dos organismos centrais da Igreja, a Comissão Pontifícia de Justiça e Paz, que se reproduz em comissões nacionais e locais em vários países.
Com tais organismos quer:
“…suscitar em todo o povo de Deus o pleno conhecimento da missão que os tempos atuais reclamam dele de maneira a promover o progresso dos povos mais pobres, a favorecer a justiça social entre as nações… Por isso é a todos que hoje dirigimos este apelo solene a uma ação organizada para o desenvolvimento integral do homem e para o desenvolvimento solidário da humanidade”. (PP nº 5 – pg. 7/8 – edições Paulinas).

É enfático:

“Tanto para os povos como para as pessoas, possuir mais não é o fim último… A busca exclusiva do ter forma, então, um obstáculo ao crescimento do ser e opõe-se à sua verdadeira grandeza: tanto para as nações como para as pessoas, a avareza é a forma mais evidente do subdesenvolvimento moral”. (PP nº 19 – pg. 19 – edições Paulinas).

Releva o valor supremo de que todos, sem qualquer tipo de distinção, participem, usufruindo, na medida de suas capacidades e habilidades, dos bens da criação.

“O atual Concílio lembrou-o: “Deus destinou a terra e tudo o que nela existe ao uso de todos os homens e de todos os povos, de modo que os bens da criação afluam com equidade às mãos de todos, segundo a regra da justiça, inseparável da caridade… e é um dever social grave e urgente conduzi-los à sua finalidade primeira”. (PP nº22 – pg. 21 – edições Paulinas).

E conclui:

“Esse liberalismo sem freio conduziu à ditadura denunciada com razão por Pio XI como geradora do imperialismo internacional do dinheiro. Nunca será demasiado reprovar tais abusos, lembrando, mais uma vez, solenemente, que a economia está a serviço do homem”. (PP nº 26 – pg. 24 – edições Paulinas).

Ratificando:

“86. Vós todos que ouvistes o apelo dos povos na aflição, vós que vos empenhais em responder-lhes, vós sois os apóstolos do bom e verdadeiro desenvolvimento, que não consiste na riqueza egoísta e amada por si mesma, mas na economia ao serviço do homem, no pão cotidiano distribuído a todos como fonte de fraternidade e sinal da Providência”. (PP nº 86 – pg. 66 – edições Paulinas).

Na Carta Encíclica Octogesima Adveniens, São Paulo VI apresenta a urbanização como a questão social do momento:

“Um fenômeno que ressalta, atrai a nossa atenção, tanto nos países industrializados, como nas nações em vias de desenvolvimento: a urbanização. Após longos séculos, a civilização agrícola perdeu o seu vigor… cuja condição econômica inferior e, por vezes, miserável, provoca o êxodo em direção aos tristes amontoados dos subúrbios, onde não as esperam nem trabalho, nem alojamento”. (AO nº 8 – pg. 8 – edições Paulinas).

Diante dos desafios, assim postos, São Paulo VI evoca a doutrina social da Igreja, em seu dinamismo, e assevera:

“A doutrina social da Igreja acompanha os homens na sua busca diligente. Se ela não intervém para autenticar uma estrutura estabelecida ou para propor um modelo pré-fabricado, também não se limita a recordar alguns princípios gerais. Ao contrário, ela é algo que se desenvolve por meio de uma reflexão que é feita em permanente contato com as situações deste mundo, susceptíveis de mudar, sob o impulso do Evangelho, qual fonte de renovação, enquanto que a sua mensagem é aceita na sua totalidade e nas suas exigências. Tal doutrina desenvolve-se também com a sensibilidade própria da mesma Igreja, marcada por uma vontade desinteressada de serviço e por uma especial atenção aos mais pobres; e inspira-se, finalmente, ainda numa experiência rica de muitos séculos, que lhe permite empreender, na continuidade de suas preocupações permanentes, as inovações ousadas e criadoras que a presente situação do mundo exige”. (AO nº 42 – pg. 31/32 – Editora Vozes).

Nota da Comissão Justiça e Paz de Brasília.

O artigo de nossa coluna dessa semana é parte do Curso sobre Ensino Social da Igreja, a partir das Encíclicas Sociais. O professor Claudio Fonteles ministrou o 2º Encontro do curso, que ocorre na Arquidiocese de Brasília até dezembro de 2024, e cujo foco foram as encíclicas Mater et MagistraPacem in TerrisGaudium et SpesPopulorum ProgressioOctogesima Adveniens.

Como parte introdutória ao artigo do professor Claudio Fonteles, incluímos o preâmbulo de contexto de cada um dos documentos tratados, a título de contextualização.

Mater et Magistra é uma Carta Encíclica do Papa João XXIII “sobre a recente evolução da Questão Social à luz da Doutrina Cristã”. Foi publicada em 15 de maio de 1961, no septuagésimo aniversário da encíclica Rerum Novarum e no terceiro ano do pontificado de João XXIII

(*) Claudio Lemos Fonteles é professor e jurista brasileiro. Foi procurador-Geral da República do Brasil entre 30 de junho de 2003 e 29 de janeiro de 2005. Lecionou doutrina social da Igreja no curso de teologia da Arquidiocese de Brasília.

Mater et Magistra está disponível em https://www.vatican.va/content/john-xxiii/pt/encyclicals/documents/hf_j-xxiii_enc_15051961_mater.html . Uma síntese do contexto histórico e da própria encíclica pode ser encontrada no artigo do Instituto Humanitas Unisinos “Mater et Magistra”: uma síntese entre comunismo, socialismo e capitalismo. Entrevista especial com Patrus Ananias”, disponível em https://ihu.unisinos.br/entrevistas/43013-mater-et-magistra-uma-sintese-entre-comunismo-socialismo-e-capitalismo-entrevista-especial-com-patrus-ananias. [1]Pacem in Terris está disponível em https://www.vatican.va/content/john-xxiii/pt/encyclicals/documents/hf_j-xxiii_enc_11041963_pacem.html. Uma síntese do contexto histórico e da própria encíclica pode ser encontrada no artigo do Instituto Humanitas Unisinos “Pacem in Terris: 60 anos de uma encíclica atual, profunda e sempre válida”, disponível em https://www.ihu.unisinos.br/categorias/627890-pacem-in-terris-60-anos-de-uma-enciclica-atual-profunda-e-sempre-valida

em 11 de abril de 1963, e tem foco na ideia de “ordem” e na dignidade da pessoa humana. Paz na terra representa o “anseio profundo de todos os seres humanos de todos os tempos” (PT, 1). Ou seja, cada pessoa traz em seu íntimo o desejo de paz, cada uma busca a paz através de suas ações e escolhas, como manifestação singular da dignidade humana e de nossa procura por maior realização concreta de nossa própria humanidade.

Gaudium et Spes[1] é uma Carta Encíclica sobre a Igreja católica no mundo contemporâneo é a única constituição pastoral e a 4ª das constituições do Concílio Vaticano II. Trata fundamentalmente das relações entre a Igreja Católica e o mundo onde ela está e atua.

PopulorumProgressio[2]é uma Carta Encíclica escrita pelo Papa Paulo VI e publicada em 26 de março de 1967. A encíclica é dedicada à cooperação entre os povos e ao problema dos países em desenvolvimento.Frei Carlos Josaphat, em artigo do Instituto Humanitas Unisinos[3], afirma que “a Populorumprogressio proclamou a “necessidade” de que o desenvolvimento fosse “um desenvolvimento integral de todo o ser humano, e um desenvolvimento universal, para todos os seres humanos, para todas as pessoas, as famílias, as profissões, as classes e instâncias sociais. O destaque é dado aos pobres, aos marginalizados entre os indivíduos e categorias sociais”.OctogesimaAdveniens[4], é uma Carta Apostólica datada de 14 de maio de 1971, escrita pelo Papa Paulo VI, é comemorativa dos 80 anos da Encíclica RerumNovarum, trata sobretudo do compromisso sociopolítico dos cristãos. A Carta deixa claro que a Igreja não propõe um modelo cristão de sociedade, mas os cristãos devem agir na sociedade de acordo com sua fé

[1]Gaudium et Spesestá disponível em https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html. Uma síntese do contexto histórico e da própria encíclica pode ser encontrada no artigo do Instituto Humanitas Unisinos“Gaudium et Spes, 50 anos depois: Por uma fé que sabe interpretar o que advém”, disponível em https://www.ihu.unisinos.br/categorias/185-noticias-2016/552655-gaudium-et-spes-50-anos-depois-por-uma-fe-que-sabe-interpretar-o-que-advem.

[2]PopulorumProgressioestá disponível em https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum.html.

[3] Uma síntese do contexto histórico e da própria encíclica pode ser encontrada no artigo do Instituto Humanitas Unisinos “Populorumprogressio, a Encíclica da Ressurreição”, disponível em https://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/6832-populorum-progressio-a-enciclica-da-ressurreicao.

[4]OctogesimaAdveniensestá disponível em https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/apost_letters/documents/hf_p-vi_apl_19710514_octogesima-adveniens.html. Uma síntese do contexto histórico e da própria encíclica pode ser encontrada no artigo do Instituto Humanitas Unisinos “50 anos atrás, a Octogesimaadveniens”, disponível em https://www.ihu.unisinos.br/categorias/609267-50-anos-atras-a-octogesima-adveniens.

[1]Gaudium et Spesestá disponível em https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html. Uma síntese do contexto histórico e da própria encíclica pode ser encontrada no artigo do Instituto Humanitas Unisinos“Gaudium et Spes, 50 anos depois: Por uma fé que sabe interpretar o que advém”, disponível em https://www.ihu.unisinos.br/categorias/185-noticias-2016/552655-gaudium-et-spes-50-anos-depois-por-uma-fe-que-sabe-interpretar-o-que-advem.

[1]PopulorumProgressioestá disponível em https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum.html.

[1] Uma síntese do contexto histórico e da própria encíclica pode ser encontrada no artigo do Instituto Humanitas Unisinos “Populorumprogressio, a Encíclica da Ressurreição”, disponível em https://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/6832-populorum-progressio-a-enciclica-da-ressurreicao. [1]OctogesimaAdveniensestá disponível em https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/apost_letters/documents/hf_p-vi_apl_19710514_octogesima-adveniens.html. Uma síntese do contexto histórico e da própria encíclica pode ser encontrada no artigo do Instituto Humanitas Unisinos “50 anos atrás, a Octogesimaadveniens”, disponível em https://www.ihu.unisinos.br/categorias/609267-50-anos-atras-a-octogesima-adveniens.

e o ensino social da Igreja. Foi o primeiro grande texto sobre o engajamento social e político após o Concílio Vaticano II.

Desejamos uma excelente leitura.

[9] Ana Paula DaltoéInglêz Barbalho

[9] Advogada, mestre em Biologia pela Universidade de Brasília, presidente da Comissão Justiça e Paz e Ouvidora do Serviço Florestal Brasileiro.

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