Por: José Geraldo de Sousa Junior e Ana Paula Daltoé Inglêz Barbalho – JBP/DF
A Campanha da Fraternidade completa 60 anos de existência em 2024. Desde que foi criada em 1962 no Rio Grande do Norte, por iniciativa do Bispo de Natal, depois Cardeal Dom Eugênio Sales, até se nacionalizar em 1964, por avocação da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a Campanha da Fraternidade é“uma ação evangelizadora da Igreja Católica (em algumas edições a Campanha é ecumênica, realizada com outras igrejas cristãs, além da católica), uma expressão eloquente da necessária e desejada Pastoral de Conjunto”, ou seja, “não é uma ação desta ou daquela pastoral, desta ou daquela comunidade, paróquia ou Diocese, mas de toda a Igreja Católica Apostólica Romana, presente no território brasileiro”.
Assim, os termos que poderiam ser restritamente confessionais – pastoral, pastoral de conjunto, evangelizaçãoficam autoexplicáveis, pois representam uma forma especial de evangelização, propagação e testemunho do evangelho de Jesus Cristo, para um objetivo libertador (o que aliena do humano das condições elementares de concretização de sua dignidade), de renovação da vida em Igreja (em comunidade missionária), no sentido da concretização da justiça social, da paz e da fraternidade, como conversão de nossas práticas para a realização de um projeto transcendente (projeto de Deus, em termos proféticos).
Conforme podemos localizar na síntese preparada pela CNBB, a Campanha da Fraternidade tem hoje os seguintes objetivos permanentes: 1 – Despertar o espírito comunitário e cristão no povo de Deus, comprometendo, em particular, os cristãos na busca do bem comum; 2 – Educar para a vida em fraternidade, a partir da justiça e do amor, exigência central do Evangelho; 3 – Renovar a consciência da responsabilidade de todos pela ação da Igreja na evangelização, na promoção humana, em vista de uma sociedade justa e solidária (todos devem evangelizar e todos devem sustentar a ação evangelizadora e libertadora da Igreja)”.
No fundo, seu objetivo é despertar a solidariedade dos seus fiéis e da sociedade em relação a um problema concreto que envolve a sociedade brasileira, buscando caminhos de solução. A cada ano é escolhido um tema, que define a realidade concreta a ser transformada, e um lema, que explicita em que direção se busca a transformação.
Um levantamento dos 60 temas mobilizadores em 60 anos de Campanha dão um quadro amplo de fortes desafios que mobilizam a ação pastoral, para realizar “ações que testemunhem um profundo arrependimento e uma verdadeira conversão, em âmbito pessoal, comunitário, eclesial e social”, como está no texto-base da Campanha deste ano, com o tema Fraternidade e Amizade Social, e o lema, Vós sois todos irmãos e irmãs (cf. Mt 23,8. Metodologicamente, essas ações devem levar a se “fazer um caminho quaresmal em três perspectivas: primeiro VER as situações de inimizada que geral divisões, violências e destroem a dignidade dos filhos e filhas de Deus. Segundo, deixar-nos ILUMINAR pelo Evangelho que nos une como família e resgata o sentido das relações humanas baseados no respeito e na reciprocidade do bem comum. Terceiro, AGIR conforme a proposta quaresmal, em que nos esforçamos para uma mudança, não só pessoal, mas ‘alargando a tenda’ (cf. Is 54,2), para transformações comunitárias e sociais, em busca de uma sociedade amiga, justa, fraterna e solidária”.
Com nas ocasiões anteriores, desde que iniciou o papado, o Papa Francisco se fez presente em mensagem dirigida aos bispos e à Igreja no Brasil, para abençoar a Campanha:
“Queridos irmãos e irmãs do Brasil,
Ao iniciarmos, com jejum, penitência e oração, a caminhada quaresmal, uno-me aos meus irmãos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil num hino de ação de graças ao Altíssimo pelos 60 anos da Campanha da Fraternidade, um itinerário de conversão que une fé e vida, espiritualidade e compromisso fraterno, amor a Deus e amor ao próximo, especialmente àquele mais fragilizado e necessitado de atenção. Este percurso é proposto cada ano à Igreja no Brasil e a todas as pessoas de boa vontade desta querida nação.
Neste ano, com o tema “Fraternidade e Amizade Social” e o lema “Vós sois todos irmãos e irmãs” (cf. Mt 23, 8), os bispos do Brasil convidam todo o povo brasileiro a trilhar, durante a Quaresma, um caminho de conversão baseado na Carta Encíclica Fratelli tutti, que assinei em Assis, no dia 3 de outubro de 2020, véspera da memória litúrgica de São Francisco.
Como irmãos e irmãs, somos convidados a construir uma verdadeira fraternidade universal que favoreça a nossa vida em sociedade e a nossa sobrevivência sobre a Terra, nossa Casa Comum, sem jamais perdermos de vista o Céu, onde o Pai nos acolherá a todos como seus filhos e filhas.
Infelizmente, ainda vemos no mundo muitas sombras, sinais do fechamento em si mesmo. Por isso, lembro da necessidade de alargar os nossos círculos para chegarmos aqueles que, espontaneamente, não sentimos como parte do nosso mundo de interesses (cf. FT 97), de estender o nosso amor a “todo ser vivo” (FT 59), vencendo fronteiras e superando “as barreiras da geografia e do espaço” (FT 1).
Desejo que a Igreja no Brasil obtenha bons frutos nesse caminho quaresmal e faço votos que a Campanha da Fraternidade, uma vez mais, auxilie às pessoas e comunidades dessa querida nação no seu processo de conversão ao Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, superando toda divisão, indiferença, ódio e violência.
Confiando estes votos aos cuidados de Nossa Senhora Aparecida, e como penhor de abundantes graças celestes, concedo de bom grado a todos os filhos e filhas da querida nação brasileira, de modo especial àqueles que se empenham pela fraternidade universal, a Bênção Apostólica, pedindo que continuem a rezar por mim.
Roma, São João de Latrão, 25 de janeiro de 2024, festa litúrgica da conversão de São Paulo Apóstolo.
Franciscus
Claro que o Papa se percebeu encarnado no tema, ele próprio o expressa em sua mensagem, ao aludir a sua encíclica Fratelli Tutti. A encíclica Fratelli Tutti, lançada às vésperas da festa de São Francisco de Assis, em 03 de outubro de 2020, é o documento pelo qual o Papa Francisco apresenta seu projeto de fraternidade, baseado na amizade social e no amor político, tendo o diálogo como caminho necessário para a cultura do encontro.
Com efeito, a Campanha de 2024 procura se fazer em saída para expressar o que, nessa encíclica preciosa, anunciou ao mundo o Papa Francisco: “uma proposta firme de responsabilidade coletiva que pudesse levar a fraternidade e amizade social, perante os males que ameaçam a paz no mundo”etambém entre nós.
O tema e o lema da Campanha da Fraternidade 2024 refletem a preocupação do episcopado brasileiro em aprofundar a fraternidade como contraponto ao processo de divisão, ódio, guerras e indiferença que tem marcado sociedade brasileira e o mundo.
Na oração que guia a Campanha da Fraternidade 2024, há a menção explícita da“construção de um mundo novo,de diálogo, justiça, igualdade e paz,” que permeiam a missão e a trajetória da Comissão Justiça e Paz de Brasília.
No lançamento, na sede da CNBB, no qual estiveram em peso membros da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, pudemos ouvir o secretário-geral da CNBB, dom Ricardo Hoepers, que enfatizou o fortalecimento, com a Campanha da Fraternidade 2024,“do compromisso de cuidado com outras pessoas, chamadas pelo religioso de ‘o próximo’”, visando a superar os sinais de divisões, inimizades, guerras, discórdias, tristeza, perda de sentido da vida”.
Na fotografia estão, da esquerda para direita, Arlene da Silva Sacco, advogada, Rogério Sacco, médico neurocirurgião, Jussara Seidel, Carlos Daniel Dell’Santo Seidel, Secretário-Executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, José Márciode Moura Silva, José CarlosSoares Pinto, Eduardo Xavier Lemos, Presidente da Comissão Justiça e Paz de Brasília, Professor Doutor e advogado, dom Ricardo Hoepers, Bispo Auxiliar de Brasília e Secretário-Geral da CNBB, Jovita José Rosa, Ana Paula Inglêz Barbalho, Vice-presidente da Comissão Justiça e Paz de Brasília, José Geraldo de Sousa Junior, Professor Doutor e ex-reitor da Universidade de Brasília, e Allan Barbosa de Souza, jornalista.
A Campanha nos adverte para um processo que resulte em construir comunhão, antes de tudo entre nós próprios, mas também no âmbito dos movimentos aos quais nos incorporamos, nas paróquias e dioceses. A amizade social é uma convocação a valorizar o direito à vida, o direito ao desenvolvimento integral e se traduz em atos de caridade que criam instituições mais sadias e estruturas mais solidárias. É um antídoto para o hiper individualismo que reflete o paradoxo de nosso tempo: estamos fisicamente próximos, mas existencialmente distantes.
(*) Por José Geraldo de Sousa Junior[1] e Ana Paula Daltoé Inglêz Barbalho[2]
[1]José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB), membro da Comissão Justiça e Paz de Brasília
[2]Ana Paula Daltoé Inglêz Barbalho é advogada, bióloga e mestre em Biologia Animal pela Universidade de Brasília, vice-presidente da Comissão Justiça e Paz de Brasília