por José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF
Nos dias 13 e 14 de novembro deste ano, em Buenos Aires, em evento promovido pela Universidad Nacional de General Sarmiento, pela Biblioteca Nacional Mariano Moreno, pelo Ministerio de Cultura Argentino, pela Embaixada do Brasil e pelo Instituto Guimarães Rosa, terá ocasião um grande evento celebratório:“Darcy Ribeiro: su vida, su obra, laactualidad de supensamiento”. Neste 26 de outubro, nascido em 1922, Darcy, que bem poderia ser chamado a encarnação da utopia, estaria completando 101 anos.
O evento será eloquente. Depois da inauguración, a cargo do Embaixador do Brasil na Argentina e de autoridades da Universidade Nacional de General Sarmiento e da Biblioteca Nacional, o professor ítalo-argentino Alberto Filippi, meu dileto amigo, profundo conhecedor da obra, além de amigo de Darcy e de Berta Ribeiro, fará a conferência de abertura: “La obra de Darcy ensutiempo y enelnuestro”.
Foi Alberto quem me enviou o programa do evento, com uma nota:Carissimo Jose Geraldo, conmuchaalegría te envio el programa delhomenaje a mi querido “maestríssismo” Darcy–organizado por lamayorinstituicon cultural de la Argentina, la Biblioteca Nacional y por el colega filosofo Eduardo Rinesi de launiversidad nacional Sarmiento. Te ruego difundas…y espero que puedas retomar labellaidea deque laUniversidad de Brasiliahijapredilecta de Darcy, pueda realizar enencuentro que habiamos pensado para elCentenario de Ribeiro. Como siemprecuentacon mi colaboracion desde Buenos Aires….y desde Italia. Abbraccio forte y afectuoso, Alberto Filippi.
Espero que a minha Reitora, leal a Darcy e a sua universidade, acolha e estimule essa expectativa.
Na minha própria consideração e na de Alberto Filippi, Darcyé uma utopia encarnada e reencarnada, atemporal, conforme diz Felipe Quintas, em entrevista no programa Tecendo o Amanhã: “Darcy Ribeiro – Atemporal!”, de que nos dá notícia a Redação – Jornal Brasil Popular em 27 de outubro de 2023, dia também de aniversário do Presidente Lula, o que mais ainda acentua o carinho quenosso presidentetinha por Darcy.
Por isso que, nós da UnB, eu então Reitor da universidade, pudemos homenagear soberbamente Darcy Ribeiro, que já dava nome ao campus da Asa Norte, com a edificação do Memorial Darcy Ribeiro – o Beijódromo, a bela obra projetada por Lelé – João Filgueiras Lima, inaugurada em 26 de outubro de2010, pelo Presidente Lula, acompanhado pelo Presidente Mujica, do Uruguai, com o ministro Juca Ferreirae muitas personalidades.
No livro editado pela UnB e pela Fundação Darcy Ribeiro (Beijódromo, 2011), a utopia é uma imanência, seja no texto de Paulo Ribeiro, então presidente da Fundar – “Beijódromo: onde a utopia tem lugar”; no texto de Juca Ferreira – “Darcy Somos Nós”; no texto do Presidente Lula – “O Legado de Darcy”; no meu texto, como Reitor – “Um Memorial Projetado para o Futuro”, no qual procurei inserir um sentimento de fidelidade à vivacidade instigante do homenageado, projetando-se para o futuro, mas incrustando-se, definitivamente, no território de sua filha querida, ali naquela “faixa de terras na qual conquistara um bom pedaço do planeta Terra para nele edificar a casa do Espírito, enquanto saber, cultura, ciências: a Universidade de Brasília, nossa UnB”.
No evento de Buenos Aires um panteão de grandes intelectuais investidos de latinoamericanidade, posto que originados de todo o continente, revelam memórias, compartilhamentos, interseções com todas as”peles” de Darcy, com os seus fazimentos, enlaçados pelo autêntico Darcy, que José Ronaldo A. Cunha, atual presidente da Fundação Darcy Ribeiro, circunscreve – é o tema de sua participação na Mesa 5 – entre laintención y el gesto.
De José Ronaldo recebi esses dias um mimo. Uma edição primorosa da Casa Darcy Ribeiro: Maricá: Rio de Janeiro: Acasa Gringo Cardia: Darcy Ribeiro em Maricá. A utopia é aqui, 2021. São 718 páginas com textos e ilustrações, incluindo seu brinde final: “Apesar de todos os amargores, gosto muito de ter vivido a vida que vivi e guardo no fundo do peito a esperança de que meus fazimentos maiores não estejam no passado, mas no futuro. Serão aqueles que ainda hei de fazer” (p. 716-717).
Na coluna que mantive por anos na Revista do Sindjus DF – Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no DF – Ano XVIII – nº 76, Set/Out de 2011, cheguei a publicar um texto – Paulo Freire e Darcy Ribeiro: o reencontro possível.
Lembro desse texto, a propósito de homenagear Darcy mas querendo prorrogar a exaltação da homenagem pela ampliação de sua potência animada por duas genialidades. Destaco uma passagem daquela publicação: “Por suas ações revolucionárias – Paulo Freire em Recife, com seu projeto de alfabetização universal, e Darcy Ribeiro em Brasília, na fundação de uma universidade inovadora – podem ser considerados intelectuais de importância tanto teórica quanto política, dada a capacidade de transbordar a dimensão do discurso sobre a dimensão da prática”.
Ambos sofrendo agruras do exílio, quando do seu regresso, Paulo Freire se instalou como professor da Universidade de Campinas e atuou como secretário de educação do município de São Paulo. Darcy Ribeiro atuou como secretário de educação do Rio de Janeiro e investiu na criação dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs). Sobre o desenvolvimento desse último projeto, organizou um seminário em Niterói e convidou Paulo Freire para reafirmarem sua cumplicidade.
Recupero desse encontro e para fechar meu artigo, o que se passou na conferência de encerramento. Paulo Freire afirmou: “Eu diria a vocês que homens como Darcy, a quem eu me junto, não encerram coisa nenhuma, inclusive encontros como esse. A gente está no mundo é para abrir, por isso não vamos fechar esse encontro de hoje, de jeito nenhum. Eu quero trazer para ti [Darcy] não só o meu querer bem (…), mas a minha solidariedade de educador. E a vocês todos e todas o grande abraço de um cara que também briga por uma escola melhor, mais séria, mais competente, mas sobretudo uma escola que provoque alegria.”
Ao que replicou Darcy: “Paulo é a consciência e a emoção da educação brasileira, é a sabedoria da educação brasileira. Mas eu acho que o traço fundamental é esse: um respeito de educador pelo educando. (…) As ideias se encarnam nas pessoas. E, quando se encarnam, ganham a possibilidade de existir, de se perpetuar.”
Eu gostaria de pensar, tocado pela advertência de meu amigo Alberto Filippi, a importância de testemunharmos gigantes como esses dois grandes educadores se encontrarem, e de nos darmos conta, de que são biografias movidas pela utopia, conquanto encarnadas nas ações de educandos e educadores e perpetuadas na memória viva da Universidade de Brasília, do Brasil, do Continente e do Mundo.
(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)
José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.
Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.
Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).