Quiosque do Galego, uma história de amor, amizades e acolhimento, concorre ao Comida di Buteco

O lugar mais acolhedor do Guará celebra os 25 anos do Comida di Buteco e seus quase 30 anos, uma história surgida há mais de meio século com a união de Armênio e Ene, primeiro pelo trabalho e a amizade e depois pelo amor da vida inteira

Por João Orozimbo Negrão

O amor é mais que um sentimento. Ele é uma construção cotidiana. Pode começar com uma paixão e ser efêmero. E pode surgir por outras vias e se consolidar pela vida inteira. É a história do casal Galego e Ene, dois nordestinos que se conheceram em Brasília ainda no final da década de 60, trabalhando como feirantes lado a lado. Do trabalho aos finais de semana tornaram-se amigos, frequentando um a casa do outro. Dali foi um pulo para surgir o amor que caminhou se consolidando e atravessa décadas.

O querido Galego e sua amada Ene são mais que dois comerciantes que construíram suas vidas pessoal, familiar e empresarial impregnando de amor, amizades e bom trabalho os filhos e netos. Sem falar da capacidade dos dois de amealhar amizades e albergar o carinho da vizinhança e dos clientes que frequentam os estabelecimentos da família na comercial da QE 19, no Guará 2.

A grande referência desta família que transborda este acolhimento é o Quiosque do Galego. As pessoas se conectam neste espaço no cantinho da praça. Clientes de quase três décadas se misturam com habitués recentes, como este repórter que lhes escreve. A atmosfera de paz e fraternidade do lugar vai tecendo amizades de longas datas, complicidades e acolhendo os que chegaram recentemente.

Então, o Quiosque do Galego, neste abril do ano de 2025, participa pela segunda vez do Comida di Buteco. Com seu prato “Galeto do Galego”, se preparou com muito afinco para concorrer ao certame que vem completar um quarto de século. São 25 anos de um concurso que mobiliza o Brasil e em Brasília, a cidade que é o segundo maior polo gastronômico do país, a disputa é levada muitíssimo a sério. 

A meta do Quiosque do Galego para o festival deste ano é conquistar o troféu em Brasília e seguir para a disputa nacional. Para isto investiu em seu prato especial: o galeto. No ano passado o estabelecimento ficou em 16º lugar na etapa distrital. Um grande feito para quem nunca foi visto antes no certame. “Estamos trabalhando duro para conquistar nosso objetivo”, afirma Verônica Bizerra Tomazelo, a filha do Galego, que toca a casa há pouco mais de cinco anos. Vamos falar sobre o trabalho dela e seu esposo Sérgio Tomazelo mais adiante.

O casamento em 1971 corou uma amizade forjada na luta cotidiana pela sobrevivência

Construção de um amor

Não dá para falar do Quiosque do Galego sem antes contar a história do casal que é a grande referência da área comercial da QE 19, que educou os filhos e netos a serem como eles: amantes do trabalho, da amizade e do acolhimento, tornando aprazível tudo que construíram e constroem.

Armênio Alves da Silva, 79 anos (prestes a completar 80), nasceu na cidade de Parelhas, perto de Caicó, no Rio Grande do Norte, filho de Cristina Alves da Silva e de Severino Ramos da Silva. Sobrevivendo à vida rude da região, ainda imberbe resolveu vir morar em Brasília, onde alguns de seus irmãos já residiam. “Eles me chamaram e eu vim tentar a sorte. A vida lá no Rio Grande do Norte naquela época era muito difícil”, recorda. “Vim cuidar da vida. Lá não tinha muito recurso”, emendou.

Chegou em 1961 e em pouco tempo conseguiu ser fichado na Novacap, a empresa do Governo do Distrito Federal responsável por cuidar dos espaços urbanos da capital da República. Foram 16 anos na companhia, em um período em que a cidade ainda carecia de muita infraestrutura. Afinal, Brasília foi inaugurada inacabada e muitos lugares não tinham ainda nem pavimentação. “Naquela época quando chovia era lama, na seca era uma poeira só. O meu trabalho era muito pesado. Fazia de tudo, todo tipo de trabalho braçal na área de praças e jardins. Com o tempo passei para a máquina na Novacap. Trabalhando de operador de máquina ficou melhor”, descreve.

Mas antes disso, um dia lhe bateu a saudade de Parelhas e resolveu voltar para o Rio Grande do Norte. Contudo não demorou muito e lá estava ele de volta à cidade que escolheu para viver. “De repente deu vontade de ir embora. Voltei para o Rio Grande do Norte. Mas logo retornei pra cá de novo. Vi que Brasília é o meu lugar. Graças a Deus, foi o lugar que eu encontrei para sobreviver. Não tem outro lugar melhor!”, exclama.

Após dez anos vivendo em Brasília ele se casa, em 1971, com a sua grande companheira. Aliene Bizerra Silva era uma jovem moça que chegou a Brasília alguns anos antes vinda de Icó, Ceará, com a família. Mais conhecida por Ene, o apelido carinhoso da família, amigos e clientes da loja de roupas e acessórios que leva o mesmo nome, aquela menina conheceu Galego no trabalho de feirante dele aos finais de semana e folgas do trabalho na Novacap. Ele vendia “joias e bijuterias” e ela comercializava roupas desde sempre.

Com as bancas de ambos lado a lado, logo uma amizade floresceu e Galego e Ene passaram a compartilhar seus momentos de folga, encontros familiares e planos. Até que o amor despertou-os e resolveram casar-se. Da união nascem os três filhos Vera, Verônica e Renato. Todos eles herdaram dos pais o talento para o comércio, especialmente Verônica e Vera. Renato, o caçula, puxou a veia de motorista e transportador do pai.

Colaboração mútua

O casal na Festa do Divino, integrado à comunidade que os acolheu

A impressionante disposição para empreender de Galego e Ene os levaram a aproveitar todas as oportunidades de trabalho que lhes atravessaram a vida. Além de operário do setor de Parques e Jardins da Novacap, nos finais de semana Galego trabalhava como motorista, comprando inclusive seu próprio veículo posteriormente para fazer fretes e transportar produtos entre Brasília, Goiânia, São Paulo e até Mato Grosso, onde visitou a cidade de Rondonópolis um ano antes de conhecer a sua amada Ene. Depois que deixou a Novacap após 16 anos de serviço, foi cuidar dos próprios negócios.

Simpático, carismático, sincero e bom amigo, Galego também construiu ao longo da vida um network que lhe assegurou muitas oportunidades de trabalho e negócios. Enquanto isso, a jovem esposa Ene – também muito simpática, carismática, sincera e amiga – mantinha e ampliava seu comércio de roupas com um talento excepcional para os negócios. Um apoiando o outro e se fortalecendo juntos. A criançada ia crescendo naquele ambiente de colaboração mútua, amor, respeito e admiração. 

Dona Ene lembra que nos primeiros anos de casados viveram momentos curiosos, pois quase não se viam devido ao trabalho frenético de ambos. “Teve uma época que ele estava viajando, fazendo transportes, e eu estava em São Paulo comprando roupas. Mal dava tempo de nos falarmos. Um dia eu o avistei quando estava no táxi saindo das compras. Eu acenei para ele que estava no caminhão. E cada um seguiu para seu lado. Fomos nos encontrar dias depois de volta pra casa em Brasília”, recorda.

Galego nos tempos da distribuidora

A labuta diária forjou no casal uma complicidade tão intensa quanto a confiança que sempre nutriram um pelo outro. “Nunca tivemos ciúmes um do outro. Sempre tivemos confiança e respeito”, conta dona Ene. É muito provável que seja esta a receita para uma convivência de mais de meio século. Uma confiança e respeito também transmitida por Galego e Ene aos filhos e netos. 

É importante registrar que a vida de Galego e Ene teve seu início na Candangolândia. Em seus relatos a este repórter, os dois falam com muito carinho daquele período e que se conheceram, compraram o primeiro imóvel e viveram alegrias, mais que tristezas. Ali o Morro do Urubu foi mais que um espaço onde se conheceram e passaram a se amar. Foi ali a grande referência daquele espaço bucólico que os projetaram para outros espaços em que mantiveram o carinho da convivência.

A chegada ao Guará teve um emaranhado de relações com amigos, colegas de trabalho e vizinhos que o casal valoriza em seus relatos. Devido ao pouco espaço desta reportagem, é impossível trazer aqui tudo que eles descreveram. Um resumo é um misto de conquistas materiais e imateriais, de percalços, de vieses e reveses, de negócios sendo feitos, de confianças mútuas em todas as relações empresariais e pessoais. Além da gratidão eterna que expressaram aos amigos, colegas e vizinhos que os ajudaram a chegar onde estão.  

Como nas aquisições que fizeram na QE 40, no Polo de Modas, até enquanto chegavam à QE 19 e se estabelecerem, legando aos filhos e netos os espaços à medida que foram ficando impossibilitados de seguirem com mais frequência à frente dos negócios estabelecidos por ambos. 

Galego, por exemplo, cedeu o seu Quiosque à filha querida, Verônica, que o mantém com o auxílio luxuoso do esposo Sérgio Tomazelo, o querido Serginho para os parentes, amigos e frequentadores íntimos do lugar. 

Galego frequenta cotidianamente o seu Quiosque todas as manhãs, inclusive a parte matutina das segundas, quartas e sextas-feiras em que volta das sessões de hemodiálise que tem que passar por tratamento de uma doença renal crônica adquirida ao longo dos mais de setenta anos de trabalho.

Mesmo debilitado, todos os dias é possível enxergar Galego ali na parte de trás do Quiosque trabalhando no reparo de algum equipamento do estabelecimento, quase sempre com o apoio dos netos Felipe e Tiago. Sua predileção é cuidar da manutenção da máquina de assar frangos. Foi nela que começou a sua história naquele cantinho da praça da comercial da QE 19.

Ao adquirir o Quiosque nos primórdios da década de 90, Galego tocava uma distribuidora de bebidas e mantinha uma “televisão de cachorro” que vendia fartamente carnes e frangos. E foi este frango que ganhou o gosto dos clientes que iam para lá tomar cerveja em um reservado. Porém, a grande maioria encomendava os frangos para o almoço familiar, atraída pelo cheiro e sabor daquele tempero único preparado por Galego.

Ainda hoje, os assados do Quiosque do Galego são os carros-chefes do lugar. Até que a filha Verônica, ao assumir o estabelecimento, manteve o frango e demais assados e introduziu no cardápio o “Galeto do Quiosque do Galego”, que veio disputar o “Comida di Buteco”. Um prato que ganhou a freguesia justamente porque manteve aquele tempero do Galego desde os primórdios em que ele vendia à sua comunidade o delicioso frango temperado com todo o seu carinho e amor.

Inspiração para a vida

O mesmo carinho e amor com os quais Verônica não apenas coordena o trabalho da cozinha como também recebe os clientes. Um atendimento vip que ela dispensa a todos, sem distinção. Ela se emociona ao falar da relação com os pais. Há dois anos ela decidiu morar com Armênio e Ene justamente para ficar mais perto dos dois, cuja idade já inspira melhores cuidados. “Meu pai ficou bem debilitado e ele ficava com receio de passar mal, não ter quem socorresse. E aí eles fizeram convite para a gente morar lá com eles e lá estamos até hoje”, conta ela.

Quando decidiu assumir o Quiosque há cinco anos, Verônica era funcionária de uma instituição financeira e trabalhava com turismo. As muitas viagens que faziam a trabalho tiveram que ser interrompidas com a chegada da pandemia e ela foi convidada a assumir outra empresa. Foi quando seu pai lhe perguntou se ela não gostaria de assumir o Quiosque. “Aí eu optei pelo quiosque, que era uma forma de ficar mais próximo dos meus pais e de minha família. Quando a gente tem filho, tem marido, é complicado trabalhar com turismo e ficar muito tempo fora de Brasília. E os meus pais que de certa forma precisam de mim perto deles”, pontua.

Verônica transformou o Quiosque do Galego em verdadeiro buteco com tudo de bom para oferecer à freguesia: comida boa, cerveja bem gelada, atendimento impecável e banheiros limpos. Ela é a alma do lugar. Transformou uma simples distribuidora de bebidas com uma máquina de assar frangos em um espaço que mais que servir as pessoas é agregador e acolhedor. “Quando eu vim, a gente fez uma reforma em tudo, do piso aos banheiros. O piso era praticamente na terra. Aí dei uma repaginada, incrementamos com almoço, os lanches rápidos, os petiscos e a cerveja bem gelada servida na mesa, que na época dele não era. A pessoa vinha, comprava a cerveja ou o frango, ou os dois, refrigerantes, e ia embora”, recorda.

Sérgio, esposo de Verônica, fala da satisfação de ter participado desta história ao lado de sua companheira. Mais que o churrasqueiro noturno, Serginho – como é tratado pelos mais chegados -, marca sua presença diária ajudando no atendimento. Ultimamente menos, porque voltou ao Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, onde serviu por muitos anos e agora, conforme permite a lei, voltou como funcionário administrativo. 

Verônica, a herdeira do Quiosque do Galego, com o galeto, prato que concorre ao Comida di Buteco: quando a alma é o segredo do negócio

“Eu tenho uma relação muito boa com o meu sogro e com a minha sogra. Desde que eu conheci a Verônica, me relaciono muito bem com meus sogros. E eu encaro eles como meus pais. Segundos pais pra mim. O Galego é uma pessoa muito importante para nós todos. Minha sogra é um esteio para a família”, certifica. Sobre o trabalho da esposa à frente do Quiosque, Sérgio declara: “ A Verônica trabalha com muita dedicação. Ela gosta muito do que ela faz. Eu fico feliz de ver a alegria dela, é muito bom pra mim”. 

Transmissão de valores

A filha mais velha de Galego e Ene, a Vera, que também toca seu estabelecimento na quadra, fala com muita gratidão e carinho sobre seus pais e a importância deles em sua vida. “Eles foram importantes em tudo na minha vida. Primeiro me deram a vida, depois são essas pessoas que criaram os filhos trabalhando junto deles, nos deram uma boa educação e nos transmitiram seus valores. Nos uniram. Tanto que hoje trabalhamos todos perto uns dos outros, nós com eles, com os irmãos e os netos deles, os filhos de meus irmãos”, descreve.

Essa mesma transmissão de valores ressalta Felipe Attílio Bizerra Tomazello, filho de Verônica e Sérgio. “O que mais me alegra sendo neto deles é aprender as coisas o tempo todo. Sempre, desde criança, aprendi tudo com eles e com os meus pais. Aprendi com meus avós a cuidar de mim, a fazer as coisas para mim, não depender dos outros, assim, de terceiros. Outra coisa boa é que estamos sempre perto deles”, descreve Felipe.

Thiago Henrique Bizerra Tomazelo, o outro filho de Verônica e Sérgio, é pai do Gabriel, o bisneto de Galego e Ene. Tiago divide seu dia ajudando a avó na loja de roupas na quadra e a mãe no Quiosque. “É bom demais ser neto dele. Porque é uma experiência que eles passam pra nós, o conhecimento que eles desenvolvem e passam para nós”, afirma.

Vizinhos e fregueses

Vizinha e freguesa assídua do Quiosque do Galego, Veralúcia Pimentel conhece o casal há 45 anos. “Uma excelente amizade com respeito que tenho por eles e seus filhos e netos. Porque eles são muito solidários, atendem muito bem, bom tratamento com as pessoas”, elogia.

Ex-coordenador de telejornais da Rede Globo Brasília, Raimundo Ávila Ferreira, morador da quadra 19, conheceu o Galego e se entrosou imediatamente com “o véio”, que é como ele o chama carinhosamente. “Eu chegava do trabalho e passava por aqui a caminho de casa. Até que um dia parei e me entrosei com o ‘véio’. Ele me orientou sobre um jogo da megasena. Me entrosei com ele e fiquei. Me recebeu bem, eu um forasteiro. Nos tornamos amigos e não parei de frequentar. Desde 96, eu frequento aqui. Desde quando ele assumiu o quiosque”, conta Raimundo.

Valdir Almeida, músico, é outro frequentador assíduo do Quiosque do Galego. Confira seu relato: “O Quiosque do Galego tem um projeto diferente, é um quiosque familiar, tenho a honra de estar sempre aqui, aos finais de semana, e a nossa banda sempre faz os eventos aqui”. A banda à qual se refere Valdir é a Forró e Tal, que tocou no dia 11 no local, na abertura do Festival Comida di Buteco. 

Rogério Luiz Porfírio é outro frequentador permanente. “Eu costumo dizer o seguinte: bebida gelada, comida boa, muita gente tem. Se alguém não tem, já começou errado. Mas no Galego, além de ter as melhores comidas, os melhores pratos, as bebidas mais geladas e gostosas, ele tem amor. A Verônica herdou esse amor de seu pai. Eles têm amor pelo que fazem. Então, eu nunca vou sair do Galego, porque aqui a gente tem o melhor tratamento, a gente tem o melhor lugar para ficar. Me orgulho de ser da ‘família Galego’!”, exclamou.

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