Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.
Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de DireitoInfluenciadores Digitais Católicos. Efeitos e perspectivas. Aline A. da Silva, Alzirinha R. de Souza, Fernanda de F. Medeiros, Moisés Sbardelotto e Vinícius Gomes. Editora Ideias & Letras. 1ª edição 2024, 416 páginas
Na imagem preparada pela Editora com a indicação dos autores e autoras, pode-se encontrar uma minibiografia de cada uma e de cada um. São pesquisadoras e pesquisadores experientes e reconhecidos por seus muitos estudos e escritos. Eu já estava na expectativa dessa obra porque uma de suas autoras Alzirinha Rocha de Souza já me anunciara a sua preparação e edição. Alzirinha, uma destacada teóloga católica vem, há dois anos, semanalmente, orientando nossas leituras – minhas e de um pequeno grupo doméstico – teológico-missionárias do Novo Testamento (já lemos com a sua orientação o Evangelho de Lucas, os Atos e estamos agora na leitura das Epístolas (Paulo). Pena que ainda não há a ordenação de mulheres. Alzirinha é leiga. Celebrasse e suas homilias me induziriam mais convicção, em sentido teológico-pastoral, do que a que me formou até aqui, no acumulado de meus 77 anos. Valho-me frequentemente de aspectos até incidentais do substancioso manancial hermenêutico de Alzirinha. Então, quando nos escoramos em Comblin, seu amigo e seu tema de tese em teologia, em Louvain, sinto minha âncora bem fundeada. Até ouso ser assertivo (cf. https://estadodedireito.com.br/papa-francisco-carta-enciclica-fratelli-tutti/; ou, principalmente, cf https://estadodedireito.com.br/agenda-latino-americana-mundial-2024/):
desde uma perspectiva de descolonização do mundo e da vida, disse isso em meu artigo, uma missão não só libertadora, no sentido de escapar dos reducionismos que a opressão e a espoliação produzem numa realidade de exclusão, mas a missão verdadeiramente emancipadora, aquela que não só liberta mas humaniza, pelo impulso daqueles elementos críticos, próprios dos espíritos livres, que se encharcam de humanismo e de esperança, e que aparecem com muita força na conversa que entretive com a teóloga Alzirinha Rocha de Souza, além de muitas outras lições, ela que é leiga, professora na PUC-MG (Doutora em Teologia pela Universidade de Louvain), num programa de Justiça e Paz, da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília (https://www.youtube.com/watch?v=imN1sM2p3W4), sobre o tema “Ação, Missão e Liberdade. Aproximações entre Comblin e o Papa Francisco”. Comblin não está evidenciado nos documentos da Agenda, mas a partir de Comblin, e sua teologia da missão (teologia da enxada ajustada ao contexto brasileiro e latino-americano), Alzirinha surpreende a função comunitária do trabalho do leigo e a importância do desenvolvimento de uma ação missionária em comunidade, impulsionada sim pelo Espírito, mas que traz a liberdade e a renovação da esperança: “o que movimenta a ação humana é a esperança de que essa ação transforme o mundo”. Isso que aparece como compreensão pastoral em Comblin (ação, comunidade, palavra, liberdade e espírito), ajuda a compreender uma ligação entre São Francisco (“evangelizar, se necessário, até com palavras” – não tenho a fonte, há até aquelas que negam tenha Francisco dito isso, mas ouvi a máxima do padre José Ernanne Pinheiro, conselheiro espiritual da CJP Brasília, amigo e estudioso de Comblin) e o Papa Francisco, combinando contemplação sim, como está em suas principais Encíclicas e Exortações, mas contemplação na ação, realizando-as em proposições sobre o que se pode construir a partir do agora, mas em conjunto, em comunidade, como povo de Deus, numa renovada louva-ação do cântico do irmão Sol. Em estudo de altíssima profundidade – “A Experiência como Chave de Concretização e Continuidade da Igreja de Francisco” (Perspect. Teol., Belo Horizonte, v. 49, n. 2, p. 375-397, Mai/Ago. 2017), diz Alzirinha: “Destaco aqui uma característica do fazer de Francisco, a que julgo mais marcante e me parece essencialmente ligada a Aparecida, da qual, em minha opinião, decorrem todas as outras possíveis, que é a exigência da missionariedade e da proximidade para o anúncio do Evangelho. Ser missionário, como seus gestos demonstram, é estar ao nível do outro, olhar nos olhos, falar em condições de igualdade de uma Boa Nova, que talvez possa ser efetivamente boa para seu ouvinte. Essa é, de fato, a ‘nova evangelização’ esperada, que se representa por uma Igreja em saída que possa realmente ‘primeirear’ (cf. Papa Francisco: “tomar iniciativa”) nas ‘periferias existenciais e sociais’, anunciando esperança, caridade e misericórdia de Deus. Se, na inspiração de João XXIII, o Concílio (Vaticano II) seria um novo pentecostes, como nos lembra Galli, aos olhos daqueles que esperaram 50 anos para uma grande virada na Igreja, ele finalmente acontece neste papado…Os gestos de Francisco advêm de sua experiência e somente é capaz de dar testemunho aquele que faz primeiramente a experiência de Deus. Por isso realiza a forma mais alta da teologia prática ao fazer coincidir sua experiência de Deus, sua experiência pastoral, às exigências de homens e mulheres que demandam e esperam da Igreja uma resposta concreta às suas vidas”.
Não é, pois, episódico, atuando na Comissão Justiça e Paz de Brasília, ter podido sugerir, com sucesso, contar com comentários de Alzirinha para o discernir de nossos propósitos de caráter evangelizador, no modo de comunicação que procuramos seguir. Para melhor ilustração do que digo, cf. na agenda de nossos Programas de Justiça e Paz, essa participação aguda de Alzirinha: “Conversa de Justiça e Paz: Missão, Ação e Liberdade em José Comblin, https://www.youtube.com/watch?v=QewxUTFiqoI&list=PLuEz7Ct3A0UiYqiG8ThpjLeyiBP4b4LGK&index=3. Eu recebi a notícia da publicação do livro, no mesmo dia em que circulou uma expressão desse modo falso de comunicar. Duplamente chocante. Pela fonte, a mais destacada estrutura de comunicação entranhada no que se denomina grande mídia e a aleivosia irresponsável e despudorada porque dirigida a falsear a manifestação do Presidente da República. A minha fonte é uma comunicação reconhecida por sua credibilidade, mesmo entre críticos:
“Essa menina bonita que está aqui, eu estava perguntando: o que faz essa moça sentada, que eu não ouvi ninguém falar o nome dela? Falei: ‘É cantora? Vai cantar?’. Não, não vai ter música. ‘Então, vai batucar alguma coisa? Porque uma afrodescendente assim gosta do batuque de um tambor.’ Também não é. ‘Nossa, então é namorada de alguém?’. Também não é. O que que é essa moça? Essa moça foi premiada o ano que vem como a mais importante aprendiz dessa empresa e ganhou um prêmio na Alemanha. É isso que nós queremos fazer para as pessoas neste país”, disse Lula. Mídia corta fala de Lula e gera fake news racista ao tirar o sentido de pronunciamento, agências de notícias acabam por disseminar notícia falsa em torno de uma fala afirmativa GGN – Luis Nassif 4 de fevereiro de 2024, 13:06 https://jornalggn.com.br/destaques-luis-nassif/midia-corta-fala-de-lula-e-gera-fake-news-racista/
Ora, a mensagem do Papa Francisco para o 57° Dia Mundial das Comunicações Sociais, recorda que, nos anos precedentes, foi refletido dobre os verbos “ir, ver e escutar como condição necessária para uma boa comunicação“. Este ano, o Papa se detém sobre o “falar com o coração” (cf. https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2023-01/papa-francisco-mensagem-dia-mundial-comunicacoes-sociais.html, acesso em 04/02/2024):
“Foi o coração que nos moveu para ir, ver e escutar, e é o coração que nos move para uma comunicação aberta e acolhedora”, ressalta Francisco, recordando que “não devemos ter medo de proclamar a verdade, por vezes incômoda, mas de o fazer sem amor, sem coração. Só ouvindo e falando com o coração puro é que podemos ver para além das aparências, superando o rumor confuso que, mesmo no campo da informação, não nos ajuda a fazer o discernimento na complexidade do mundo em que vivemos. O apelo para se falar com o coração interpela radicalmente este nosso tempo, tão propenso à indiferença e à indignação, baseada por vezes até na desinformação que falsifica e instrumentaliza a verdade. Com efeito «o programa do cristão – como escreveu Bento XVI – é “um coração que vê”». Trata-se de um coração que revela, com o seu palpitar, o nosso verdadeiro ser e, por essa razão, deve ser ouvido. Isto leva o ouvinte a sintonizar-se no mesmo comprimento de onda, chegando ao ponto de sentir no próprio coração também o pulsar do outro. Então pode ter lugar o milagre do encontro, que nos faz olhar uns para os outros com compaixão, acolhendo as fragilidades recíprocas com respeito, em vez de julgar a partir dos boatos semeando discórdia e divisões”.
O livro Influenciadores Digitais Católicos traz para esse âmbito comunicacional sensível toda essa ordem de preocupações. Conforme o resumo preparado pela Editora, “A partir de uma perspectiva diferenciada, esta obra apresenta uma instigante análise do fenômeno dos influenciadores digitais católicos no complexo ecossistema comunicativo e eclesial atual. Além de socialmente relevante, trata-se de um processo que afeta de modo direto o desenvolvimento da pastoral, da evangelização, da teologia e da comunicação eclesial. É também uma questão cultural, que atravessa as barreiras das religiosidades, uma vez que tais influenciadores alcançam e mobilizam pessoas comuns por meio de poderosas dinâmicas tecnológicas. O foco deste livro é justamente compreender em profundidade esse fenômeno e suas possíveis consequências socioeclesiais”. Atente-se para o seu Sumário: 1 Introdução 1.1 O caminho da pesquisa 1.2 Sobre as autoras e os autores 2 Influência digital: um pouco de teoria 2.1 Fama e celebridade 2.2 Influência digital 2.3 Influência digital religiosa 3 Bernardo Küster: a influência religiosa como instrumento político de uma “guerra santa” 3.1 Premissas teóricas: a extrema direita como base do conservadorismo católico do influenciador Bernardo Küster 3.2 Biografia: a pessoa/persona e a construção da trajetória de Bernardo Küster 3.3 Performance: a atuação conflitiva e estruturante da defesa dos valores católicos 3.4 Conteúdo 3.5 Interação 3.6 “Eles estão no meio de nós”: a estruturação de um combate ao progressismo e à teologia da libertação 3.7 Apontamentos analíticos sobre o documentário “Eles Estão no Meio de Nós” 3.8 O caso Bernardo Küster: apontamentos e pistas sobre a influência digital católica Referências bibliográficas 4 Autorreferência, humor e fama: análise sobre a imagem do padre galã Fábio de Melo 4.1 Biografia: a construção do padre cantor Persona 4.3 Influências teológicas eclesiais e sociopolíticas 4.4 Performance 4.5 Conteúdo: análise da conta @pefabiodemelo 4.6 Considerações Referências bibliográficas 5 Voz e vez dos pobres nas redes digitais: o caso Júlio Lancellotti 5.1 Quem é o Pe. Júlio Lancellotti? 5.2 Inclusão do Pe. Júlio Lancellotti no corpus de análise da pesquisa 5.3 Análise da amostra (eixo comunicacional-cultural) 5.4 Análise teológico-eclesial (eixo teológico-eclesial) 5.5 Influência social e política (eixo sociopolítico) 5.6 Conclusão Bibliografia 6 Pe. Patrick Fernandes e a comunicação de uma “fé leve” 6.1 Introdução 6.2 Entre a história e o story: construção do corpus e método 6.3 Pessoa/persona: “Eu sou um padre acessível” 6.4 Performance: o “dia do lixo” para comunicar uma “fé leve” 6.5 Conteúdo: “Tô brincando, gente” 6.6 Interação: “A inspiração são as próprias pessoas” 6.7 Reflexões transversais Referências 7 Padre Paulo Ricardo de Azevedo Júnior: celebridade influenciadora do conservadorismo católico brasileiro 7.1 Introdução 7.2 Biografia: a construção do ícone Padre Paulo Ricardo 7.3 Análise do conteúdo multiplataformas 7.4 Análise de conteúdo 7.5 Interação 7.6 Conclusão Referências 8 Conclusões 8.1 Eixo comunicacional 8.2 Eixo sociopolítico 8.3 Eixo teológico-eclesial 8.4 Perspectivas pastorais Referências Da Introdução retiro que a obra resulta de uma grande pesquisa, motivada por “cenário, complexo e difuso”, que caracteriza realidade própria fixada no livro. A pesquisa, esclarece a Introdução, “foi realizada ao longo de dois anos (2021-2023) pelo Núcleo de Estudos em Comunicação e Teologia (Nect), vinculado ao Anima PUC Minas: Sistema Avançado de Formação, Identidade e Missão, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. O Nect foi constituído em agosto de 2021, pelo então reitor da PUC Minas, Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães, e surgiu a partir do desejo de colaborar de forma acadêmica com a Igreja Católica do Brasil, a partir de pesquisas que conjugam as áreas da Comunicação e da Teologia. Na era dos avanços da comunicação digital, o núcleo assume a desafiadora missão de refletir sobre como as práticas comunicacionais podem ser pensadas teologicamente; sobre como as práticas eclesiais e pastorais podem ser pensadas comunicacionalmente; sobre como a inter-relação entre essas áreas do conhecimento toca os processos de evangelização, a pastoral e as ações da Igreja do Brasil; e ainda sobre os efeitos éticos e religiosos da comunicação contemporânea sobre a práxis cristã”. A sua motivação, acolhida por Dom Mol, não somente quanto à eleição do tema mas, sobretudo, por resguardar o seu desenvolvimento e divulgação, o que requer, além de discernimento, ousadia e coragem, para navegar num território cercado de tensionamentos, vai assim se definir dentro do vasto campo de possibilidades que emerge da inter-relação dos campos da Comunicação e da Teologia. A Introdução expõe o percurso metodológico, e também o enquadramento teórico, muito rigorosos que balizaram o trabalho, desde a pesquisa até a organização de seus elementos interpretativos. Mas o que chama a atenção é a apropriação desse processo à modalidade comunicacional especial que caracteriza o estudo, seu protocolo epistemológico e o posicionamento: a perspectiva teológico-pastoral. Destaco essa particularidade com a dição dos autores:
No âmbito cristão, o esforço de evangelização, em princípio, confronta-se com algumas práticas já estabelecidas na dinâmica da influência digital, como, por exemplo, a monetização (que será aprofundada mais adiante). A exposição da privacidade e o excesso de informalidade, que são outras práticas comuns da categoria, também podem afrontar determinadas estruturas religiosas ou simplesmente fugir de critérios e orientações instituídos e consolidados do ponto de vista eclesiástico. Ademais, algumas dessas práticas também interpelam diretamente a questão da autoridade que é exercida por meio da figura de padres, pastores e bispos, especialmente em situações relacionadas à exibição de rotinas, que carregam uma linguagem baseada no humor e na publicidade. No âmbito católico, embora as mensagens dos últimos três pontífices incentivem os fiéis a desenvolverem iniciativas de evangelização nas mídias e haja casos de pessoas que buscam dar um testemunho de vida cristã na rede, há influenciadores que se denominam “católicos”, mas que prestam um desserviço à comunidade cristã, disseminando dúvidas e divisão na Igreja, por meio de notícias falsas, intolerância e discursos de ódio. Alguns desses influenciadores instrumentalizam ideias, ideais e valores cristãos para fins políticos, enquanto outros mercantilizam e barateiam conteúdos e símbolos da doutrina católica. Um exemplo internacional é o de Alessandro Maria Minutella, presbítero italiano excomungado em 2018 por disseminar heresias e calúnias contra o Papa Francisco, fomentando o cisma da Igreja Católica por meio de seu canal no Youtube. No Brasil, não apenas os ataques diretos a bispos católicos são motivos de preocupação, mas também o modo como orientar os fiéis, especialmente o clero, a realizarem boas práticas comunicativas na rede, pois ser influenciador digital é um ofício cada vez mais frequente entre padres e seminaristas. Atitudes discrepantes e incoerentes na rede por parte de presbíteros geram alerta e demonstram que a Igreja Católica no Brasil e no mundo precisa refletir sobre como lidar e se posicionar em meio a essa cultura comunicativa que tende a se expandir. Algumas ações em Igrejas locais já foram tomadas, como o caso da medida disciplinar direcionada aos clérigos da Arquidiocese de Fortaleza, lançada em outubro de 2021 pelo arcebispo local, Dom José Antonio Aparecido Tosi Marques, que admoesta aos presbíteros que utilizem os meios digitais com prudência e sabedoria. A prática dos influenciadores e influenciadoras digitais católicos levanta ainda outras questões importantes que nos fazem pensar sobre os papéis dos sujeitos dentro da tradição eclesial. Para muitos fiéis hoje, tais influenciadores constituem “bolhas eclesiais” que alimentam um “magistério paralelo” às autoridades eclesiais. Seja padre ou leigo, são tais influenciadores que, até certo ponto, moldam a mentalidade e a fé cristã de seus milhares ou milhões de seguidores. Seus perfis públicos muitas vezes constroem uma imagem pública da Igreja de traços predominantemente masculinos, clericais e brancos, não expressando a diversidade do Povo de Deus. Para muitos fiéis, a palavra de um influenciador ou influenciadora da fé tem mais peso do que a do bispo de sua diocese e até do que a do papa. O engajamento, bem como a fé e a confiança em certos influenciadores podem gerar um clima de extremização e discórdia entre os membros da Igreja, promovendo ações de “excomunicação” recíproca, que caracterizam uma verdadeira antievangelização . Nota-se, portanto, que são muitos os pontos que particularizam a atuação e a conceituação dos influenciadores digitais que atuam no âmbito religioso. Ademais, a performance e o alcance crescente dessas figuras também apontam para valores socialmente compartilhados que merecem ser observados com mais atenção. Entram em jogo, desse modo, o conteúdo comunicado por essas pessoas em torno de um determinado elemento religioso, a mistura promovida tanto com pautas humorísticas, políticas, por vezes preconceituosas, quanto com outras que beiram um “psicologismo” superficial, que simplifica a complexidade da existência humana, e ainda as motivações que levam as pessoas em geral a seguirem influenciadores digitais da fé.
O livro vai certamente provocar muito interesse e deve ser muito bem acolhido como contribuição importante pelo tema e pelo alcance. Mas também vai causar impacto sobretudo no meio religioso, atualmente muito conturbado por dissenções pastorais e teológicas. A começar pelos comunicadores e seus apoiadores postos em evidência no estudo. Principalmente entre os que se instalam em ambientes convencionais que se fortalecem com esse modelo comunicacional. Penso, realmente, que o livro e seu tema vão incidir numa realidade pastoral e missionária em disputa. Há poucos dias, no Vaticano, o Papa Francisco recebeu, em audiência, 85 membros do Conselho Nacional da Renovação no Espírito Santo, a Renovação Carismática italiana (https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2024-01/papa-audiencia-renovacao-carismatica-sejam-construtores-comunhao.html). Em seu discurso, ao dar as boas-vindas o Papa, em agraciar o serviço que o Movimento realiza, com a sua “espiritualidade simples e alegre”, põe em causa “dois aspectos particulares para a vida do movimento: “serviço à oração”, especialmente à adoração; e “serviço à evangelização”. A respeito do primeiro aspecto, disse:
“O movimento carismático, por sua natureza, dá espaço e destaque à oração, em particular, à oração de louvor, que é muito importante. Em um mundo, dominado pela cultura da posse e da eficiência, e em uma Igreja que, por vezes, se preocupa demais com a organização – estejam atentos a isso! -, devemos dar mais espaço à ação de graças, ao louvor e ao estupor diante da graça de Deus.”
Mas, em seguida, após este primeiro aspecto de serviço à “oração”, Francisco propôs o segundo: o serviço à “evangelização”: “O Espírito Santo, acolhido no coração e na vida, não pode deixar de abrir, mover, fazer sair; o Espírito sempre impele a comunicar o Evangelho, a sair, com a sua imaginação inesgotável. Cabe a nós ser dóceis e colaborar com Ele, sem jamais esquecer que o primeiro anúncio é feito com o nosso testemunho de vida! Do que adianta fazer longas orações e cantar lindas canções se não tivermos paciência com o próximo… A caridade concreta e o serviço no anonimato é sempre a prova do nosso anúncio.”. Um processo que resulte em construir comunhão, antes de tudo exortou o Papa, “entre si, no âmbito do movimento, mas também nas paróquias e dioceses”. Essa construção é desafiadora, convoca a discernir sobre missão e evangelização, mas nos convoca a atenção sobre externalidades que nos confundem porque nos dividem. “Análises de Conjuntura são elefante na sala da CNBB”, é uma matéria de um jornal do Paraná que acaba expondo um espaço de opinião identificado com um modo de comunicar o Evangelho entretanto fechado a uma comunhão entre possibilidades distintas de evangelização, que não sejam só o louvor que vai ao céu para nele projetar a sua visão de mundo. Na matéria, diz o jornalista, que certamente não fala só por si, mas difunde uma vertente, até possivelmente como sugestão ab intra, atribuída a bispos (será?) “que não receberam bem o documento” uma peça “doída de ler”, que “um grupo formado por um bispo, o sacerdote assessor de política da Conferência, vários professores e alguns especialistas” prepara para a Conferência.
“A Análise de Conjuntura não é um documento oficial da CNBB, não representa o pensamento nem da entidade, nem da coletividade dos bispos… gostem ou não os bispos, o fato é que as Análises de Conjuntura ajudam a fomentar a ideia de que a CNBB tem viés político à esquerda, abrindo o flanco para críticas, das sensatas e respeitosas às mais tresloucadas…”.
Tenho a honra e a gratidão de pertencer e de aprender, na sua composição atual, à equipe de Análise de Conjuntura da CNBB. Sim, é um serviço para a CNBB, credenciado por sua direção. Não representa, é certo, a opinião da Conferência. Se credencia, tanto mais, pelo pluralismo confessional e filosófico dos homens e mulheres que a formam, por seu agir, concepção de mundo e de sociedade, firmes na fé e no projeto missionário (Colossenses 1), prevenidos, pois, dos enganos de belos discursos (Colossenses 2: 4). A equipe atual é formada por membros da Conferência, assessores, professores das universidades católicas e por peritos convidados. Participaram da elaboração dos textos: Dom Francisco Lima Soares – Bispo de Carolina (MA), Frei Jorge Luiz Soares da Silva – assessor de relações institucionais e governamentais da CNBB, Pe. Thierry Linard de Guertechin, S.J. (in memoriam), Antonio Carlos A. Lobão – PUC/Campinas, Francisco Botelho – CBJP, Izete Pengo Bagolin – PUC/Rio Grande do Sul, Maria Cecília Pilla – PUC/Paraná, Jackson Teixeira Bittencourt – PUC/Paraná, José Reinaldo F. Martins Filho – PUC/Goiás, Ricardo Ismael – PUC/Rio, Manoel S. Moraes de Almeida – Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP, Marcel Guedes Leite – PUC/São Paulo, Robson Sávio Reis Souza – PUC/Minas, Ima Vieira – REPAM, Tânia Bacelar – UFPE, Maria Lucia Fattorelli – Auditoria Cidadã da Dívida, José Geraldo de Sousa Júnior – UnB e Melillo Dinis do Nascimento – Inteligência Política (IP). O livro Influenciadores Digitais Católicos, a meu ver, contribui para aquele “processo que resulte em construir comunhão ‘entre si, no âmbito do movimento, mas também nas paróquias e dioceses’”, conforme exortou o Papa Francisco em seu encontro com representantes do Movimento Carismático. Buscando melhor compreender sua gênese e estrutura, me socorri da exegese autêntica de Alzirinha. Ela me esclarece que o grupo autoral, na pesquisa, selecionou “cinco objetos de estudo, mas o enfoque todo é uma pesquisa que quer pensar o conjunto, quer pensar o fenômeno, quer pensar os impactos pastorais, sobretudo, a formação das bolhas eclesiais, a formação desse magistério paralelo, que vem se formando pelo mau uso das redes digitais”. A partir do carisma de cada comunicador estudado, com seus vieses, o artista galã que prevalece sobre o padre, o performer que psicologisa o aconselhamento na franja do senso comum, ao largo e a despeito do Evangelho; aquele que se centra no aconselhamento pelo humor em nome da leveza do cristianismo e que mistura o elemento religioso com o elemento político, até com erudição mas com tênue lastro teológico para sustentar a ideologia política que permanece escondida e com ela sobrepondo a sua verdade sobre as interpretações corretas do Evangelho; aquele que em antagonismo não disfarçado a CNBB e ao Papa, que além de tudo por arregimentação, monetiza a sua comunicação; e até quem, nos limites do chão pastoral que pisa, se expressa pelo chamado de uma causa missionária, que abre o coração para a fraternidade e solidariedade com os pobres. Aí está a chave do livro e a sua questão de fundo, diz Alzirinha: “tudo que se fala nas redes sociais é processo de evangelização?”. Eis a questão: “Ser seguido por 25 milhões de pessoas diz o que para a fé católica, diz o que a favor ou contra da igreja, diz o que para o anúncio do Evangelho e da pessoa de Jesus, que afinal de contas é a função primeira da Igreja. Então, as redes sociais hoje, elas são uma terra de missão. Eu considero assim, aí eu vinculo com a minha teologia e vinculo também com a minha área de pesquisa, que é a missiologia”. Sim, nessa perspectiva, o que amplia a tese declinada no livro, leva a que, conforme Alzirinha, “as mídias digitais, elas são um terreno de missão. A questão é, como é que nós encontramos uma linguagem adequada para que as pessoas simplesmente não sigam só isso, mas que as pessoas possam seguir, mas também a partir daí que essa comunicação leve a uma atitude missionária, leve a um aprofundamento doseguimento da pessoa de Jesus e, um engajamento nas pastorais, na Igreja”. No plano republicano, onde se estabelece a cidade dos homens, a comunicação no conceito de transparência ativa, de diálogo com a cidadania e com a sociedade, realiza o direito à informação, como direito do cidadão. É condição inescapável, no plano de qualquer institucionalidade, para a construção de um ambiente mais democrático, participativo e transparente, incluindo tanto o direito de ser informado quanto o direito de informar. Não apenas visando ao sujeito da informação e da comunicação, mas também ao produtor da comunicação e da informação, quando se organize de modo independente, autônomo relativamente à propriedade dos grandes meios e engajado em seus compromissos sociais e democráticos. Esse o argumento que balizou o conjunto de reflexões reunidas em O DIREITO ACHADO NA RUA V.8 – INTRODUÇÃO CRÍTICA AO DIREITO À COMUNICAÇÃO E À INFORMAÇÃO. Organizadores José Geraldo de Sousa Júnior, Murilo César Ramos, Elen Cristina Geraldes, Fernando Oliveira Paulino, Janara Kalline Leal Lopes de Sousa, Helga Martins de Paula, Talita Tatiana Dias Rampin, Vanessa Negrini. – Brasília: FACUnB, edição impressa (ISBN 978-85-9-3078-06-4), 2016, 455p. Edição e-book file:///C:/Users/Jos%C3%A9%20Geraldo/Pictures/faclivros_direitoachadorua8.pdf Imagine-se então, no campo onde se instala a cidade de Deus. O que deve orientar o agir humano nesse plano de transcendência, é o princípio missionário da vida fundada no caminhar orientado pela verdade (João 14:6-7), como condição para crer verdadeiramente (João 11: 25), a comunicação, como mentira, ou como meia verdade, aturde mas ao mesmo tempo expõe a falsidade de quem a propaga ou professa.
José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Titular, da Universidade de Brasília, Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55 |